Finalmente a sociedade brasileira parece estar próxima de algum consenso sobre a necessidade de uma reforma tributária. A confusão da atual estrutura fiscal sempre foi um empecilho para o desenvolvimento econômico do país. Por isso, a proposta de reforma em tramitação no Congresso Nacional tem como prioridade simplificar o modelo atual.
Ainda que seja um passo necessário, não é suficiente para criar justiça fiscal no Brasil: continuará privilegiando-se a arrecadação em tributos sobre bens e serviços, que onera desproporcionalmente os mais pobres, e não serão corrigidos os problemas do imposto de renda. Para criar um modelo justo, além de simples, deve-se pensar com mais atenção sobre a situação fiscal das famílias.
A tributação das famílias é um tema ainda pouco debatido por pesquisadores brasileiros e ainda mais ausente no mundo político. Porém, a importância da reflexão é evidente: o desenvolvimento de todas as pessoas ocorre, em grande medida, dentro de suas famílias. Assim, um regime tributário adequado é condição necessária para preservar a renda das famílias e, consequentemente, assegurar os recursos econômicos indispensáveis para prover as necessidades de cuidado de seus membros.
Além do mais, o é consequência da “proteção especial” assegurada às famílias pela Constituição, em seu art. 226. O atual regime tributário, além de encarecer bens e serviços em função da alta carga tributária incidente, trata inadequadamente as famílias no Imposto de Renda. O modelo faz com que quem tem família pague proporcionalmente mais; há casos em que declarar o imposto com o cônjuge encarece o tributo. Além do mais, as deduções não são suficientes e estão defasadas.
Em vários países a situação está resolvida: França e Alemanha são os casos mais famosos. Por exemplo, lá a cobrança do Imposto de Renda leva em conta não apenas a renda individual do contribuinte, mas os rendimentos totais da família. Faz mais sentido, pois essa renda é utilizada para o sustento de todos os integrantes daquele núcleo familiar. Além disso, para garantir a justiça na cobrança, aplica-se o splitting method, ou seja, um critério de proporcionalidade para o imposto, que vai ponderar a alíquota cobrada pelo número de dependentes – ou seja, quem tem mais responsabilidades familiares paga proporcionalmente menos. A comparação dos dados brasileiros com os desses países evidencia o quanto o tratamento tributário proporcionado às famílias por lá é melhor.
Enfim, é muito difícil fazer uma reforma tributária: tivemos uma em 1967, na elaboração do Código Tributário Nacional, e outra em 1988, com a Constituinte. Mesmo que a reforma não reduza os impostos sobre bens e serviços, não podemos ter dúvida: o momento de discutir e criar um regime tributário adequado para as famílias é agora. Para tanto defendemos uma ampla reforma no Imposto de Renda de Pessoa Física, que corrija os valores defasados para as deduções e alíquotas e insira critérios de proporcionalidade para melhor considerar o contexto familiar – splitting method -, privilegiando as pessoas que gastam tempo, esforço e dinheiro no cuidado de outros.
A sociedade precisa convencer-se disso: apenas com uma reforma que crie um sistema mais justo teremos um crescimento sustentável para o país – e para isso precisamos garantir “proteção especial” a todas as famílias, também em matéria tributária.
*Rodolfo Canonico é especialista em políticas públicas e Diretor Executivo de Family Talks.
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