No último domingo (29), o porta-voz da chancelaria chinesa, Zhao Lijian, publicou em seu Twitter uma imagem – manipulada – que mostra um soldado australiano segurando uma faca contra o pescoço de uma criança afegã agarrada a um cordeiro branco. A mensagem que acompanha a foto: “não tenha medo, viemos trazer paz”.
No tuíte, Lijian se diz “chocado com o assassinato de civis e prisioneiros afegãos por soldados australianos. Condenamos veementemente tais atos e exigimos que sejam responsabilizados”. Entre 2005 e 2016, a Austrália enviou mais de 25 mil soldados ao Afeganistão.
O primeiro-ministro da Austrália, Scott Morrison, exigiu um pedido de desculpas da parte de Pequim, qualificando a publicação como “repugnante” e “profundamente ofensiva para todos os australianos”.
O post de Lijian escancarou como a relação entre os dois países está envenenada. A mensagem é, também, um claro exemplo de como a diplomacia chinesa está cada vez mais agressiva.
Outro exemplo recente, mas mais físico: no dia 8 de outubro, autoridades chinesas invadiram um evento do escritório comercial de Taiwan em Fiji, fizeram fotos e tentaram coletar informações sobre os convidados. Quando o diplomata taiwanês pediu a eles que se retirassem, foi agredido.
Para defender o comportamento das autoridades, o Ministério das Relações Exteriores da China alegou que eles foram ao evento porque “uma falsa bandeira nacional [de Taiwan] foi exibida abertamente no local”. Pequim não reconhece a autonomia da ilha.
Conforme cresce – e tenta crescer ainda mais –, a China lança mão da “Wolf Warrior Diplomacy” (“Diplomacia do Lobo Guerreiro”, em tradução livre), referência extraída do filme “Lobo Guerreiro”, produção patriótica chinesa ao estilo Rambo. O slogan do segundo filme, lançado em 2017 e que quebrou recordes de bilheteria no país, foi tirado de um ditado da dinastia Han: “quem ofender a China será punido, não importa o quão longe esteja”. É assim que Pequim tem se guiado.
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E em 2019, durante uma comemoração do Ministério das Relações Exteriores chinês, o ministro Wang Yi “coroou” essa postura chinesa e pediu aos diplomatas do país que adotem um “espírito de luta” diante dos desafios internacionais.
“No início [da gestão Xi Jinping como secretário-geral do Partido Comunista, em 2012], o Ministério das Relações Exteriores persistiu em grande parte com a diplomacia tradicional e educada que viu a influência da China crescer de forma constante e silenciosa, proporcional ao seu peso econômico. Mas as coisas mudaram à medida que a nova equipe de Xi afastou funcionários considerados corruptos ou inadequadamente responsivos às suas demandas para afirmar com mais vigor o rejuvenescimento da China, tanto em casa quanto para o resto do mundo”, afirma Rowan Callick, pesquisador do Instituto Ásia da Universidade Griffith, na Austrália.
Redes sociais
Um dos mecanismos para colocar toda essa agressividade diplomática chinesa em prática são as redes sociais. Por mais que o Twitter e o Facebook não sejam permitidos na China, os diplomatas de Pequim não hesitam em utilizá-los.
Zhao Lijian, o mesmo que atacou os australianos e já foi diplomata no Paquistão, ganhou notoriedade quando ofendeu a ex-assessora de segurança nacional dos Estados Unidos Susan Rice, chamando-a de “desgraça” e “chocantemente ignorante”.
Ainda, Lijian rotulou os norte-americanos de racistas e, no Twitter, onde acumula mais de 800 mil seguidores, acusou os EUA de terem levado o novo coronavírus a Wuhan, quando soldados americanos competiram nos Jogos Mundiais Militares de 2019.
A Nova Zelândia foi outro alvo do atual porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês, repreendida por defender a readmissão de Taiwan à Assembleia Global da Organização Mundial da Saúde (OMS).
“Nunca começamos uma briga ou intimidamos os outros. Mas temos princípios e coragem. Reagiremos contra qualquer insulto deliberado, defenderemos resolutamente nossa honra e dignidade nacionais e refutaremos todas as calúnias infundadas com fatos”, afirmou o chanceler Wang Yi durante coletiva de imprensa em Pequim em maio.
Na prática, contudo, o que se vê são “outros 500”. Em dezembro do ano passado, o embaixador chinês na Alemanha, Wu Ken, falou, em tom ameaçador, que “haveria consequências” se a chinesa Huawei fosse excluída da rede 5G do país. Já na Austrália, o embaixador Cheng Jingye atacou um pedido do país para uma investigação sobre as causas da Covid-19. Na França, por sua vez, Lu Shaye acusou Paris, em postagem no site da embaixada, de estar “deixando seus residentes morrerem de fome e doenças”, para citar casos recentes.
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