Eu li um blog jurídico que examinou os autos do caso Mariana Ferrer, a jovem que acusa um empresário de Santa Catarina de estupro, e achei algumas situações estranhas. O suposto crime ocorreu em 2018.
O primeiro promotor público que pegou o caso viu que havia indícios suficientes para prender preventivamente o agressor André Aranha. O promotor então enviou um pedido de prisão preventiva ao juiz. O magistrado considerou os indícios muito robustos e deferiu a prisão.
Mas o réu, que tem dinheiro, recorreu ao Tribunal de Justiça e foi concedido a ele um habeas corpus. O processo continuou, mas o promotor, por alguma razão, mudou.
O novo promotor não viu mais indícios de abuso sexual para condenar o réu e chegou no julgamento pedindo a absolvição do réu por falta de provas. Um das justificativas é que, assim a jovem estaria dopada, o empresário também poderia estar alcoolizado e inconsciente do seu ato, como a vítima estava. Portanto, segundo ele, não há como se saber se a vítima consentiu ou não o ato sexual.
Pois bem, no julgamento, o advogado do réu resolve ofender a vítima diante da passividade do juiz que presidia a sessão e do promotor. As corregedorias do Ministério Público e da Justiça querem agora saber porque o promotor e o juiz não interferiram no sentido de censurar os ataques do advogado à vítima.
Na sentença, o juiz do caso escreveu o seguinte: “como não foi prevista a modalidade culposa do estupro de vulnerável, o fato é atípico”. Quer dizer, se houvesse previsão na lei o crime de “estupro culposo” e é bom que se diga, não há, o juiz enquadraria o acusado nesse crime. Mas, como não há previsão legal, ele resolveu, na dúvida, absolver o empresário. Provavelmente, esse julgamento vai ser anulado.
Preso convocado por edital
Vejam só as coisas da Justiça brasileira. Em 1999, uma quadrilha assaltou o Banco do Brasil, em Sete Lagoas (MG), roubando mais de R$ 1 milhão. Na véspera, sequestrou toda a família do gerente e, no dia, prendeu funcionários e clientes do banco, fugindo depois com o dinheiro.
Só em 2003, quatro anos depois, saiu o pedido de prisão preventiva para o chefe da quadrilha. Mas, como ele não foi encontrado, fizeram um edital convocando ele, que, claro, não ligou a mínima. Agora, em janeiro deste ano, ele foi preso, em Salvador.
Aí o caso dele chegou ao ponto de subir ao Supremo Tribunal Federal com um pedido de relaxamento da prisão preventiva porque, afinal, demorou tanto tempo e ele nem sabia, já que não leu o edital. O pedido caiu nas mãos do ministro Alexandre de Moraes, que negou a soltura.
Veja como as coisas acontecem: 20 anos depois, o sujeito é preso. Nem sei se isso é passível de prescrição ou não. Mas é assim que funciona a Justiça no Brasil.
Eleição brasileira sem voto impresso
A gente está em véspera de eleição no Brasil e lá nos EUA está havendo problema com os votos dos Correios — 7% dos votos ficaram trancados nos Correios e parece que não foram computados, gerando desconfiança.
No Brasil, como há desconfiança com a urna eletrônica, fizeram uma lei para obrigar que o voto fosse impresso também em papel para em caso de necessidade se fazer uma recontagem.
Mas a Justiça Eleitoral afirmou que não houve tempo e não vai haver voto impresso em papel na próxima eleição. Lembro isso porque nesta quarta-feira (4), no Superior Tribunal de Justiça, foram suspensos todos os trabalhos — audiências, depoimentos, tudo — por causa de um ataque hacker ao sistema.
Pois bem, se a mais alta corte do país em matéria penal foi atacada, eu me pergunto: será que a Justiça Eleitoral não pode ser?
Alexandre Garcia
Colunas sobre política nacional publicadas de domingo à quinta-feira. *Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.
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