Acontece comigo com alguma frequência. Abro as redes sociais a esmo, passeio pelos muitos círculos desse inferno virtual, me espanto com tudo e, quando acho que não há nada mais de absurdo para ver, eis que me deparo com uma palavra escandalosa que chama minha atenção. Neste caso, a palavra foi “pedófilo”. Ah, maldita curiosidade! Clico na palavra e sou presenteado com um vídeo no qual a menina RL, de 12 anos diz, toda alegre e contente, que está namorando o menino (homem?) PR, de 19. Com o consentimento dos pais de ambos.
Aos gritos de “PEDÓFILO” (assim, em caixa alta), as redes sociais estão pedindo cadeia para o menino, que por sinal é tiktoker (é, eu também tive que pesquisar para saber do que se trata). Com razão. O Código Penal diz claramente que sexo com uma menina de 12 anos é considerado estupro, mesmo que conte com a anuência de todos os envolvidos: seus pais, avós, tios e de todos os tuiteiros e tiktokers progressistas do mundo.
Mas não se sabe se o namoro entre os dois inclui o que os legisladores chamam de “ato libidinoso”. Se não inclui ato libidinoso e não há exatamente estupro (questão que deixo para os especialistas), resta-nos discutir o aspecto moral do namorico tornado público para um séquito de fãs pubescentes. Aspecto esse que, neste caso, deriva também para as questões do retardo (é termo “técnico”, não xingamento) sexual, emocional e intelectual de um menino de 19 anos e do amadurecimento (inclusive sexual) precoce da menina de 12 anos.
Sobre homens e meninos, meninas e mulheres
Difícil discordar da afirmação de que os meninos de 19 anos hoje estão mais distantes de se tornarem homens. O último ano da adolescência não é mais o último. Há quem diga que a adolescência atual vai até os 30 anos – ao que ofereço meu contra-argumento: “Vocês só podem estar loucos!” De qualquer maneira, e ainda que aja e berre como uma criança, a lei considera um menino de 19 anos homem, adulto e responsável pelos seus atos.
Essa discrepância não é uniformemente distribuída. Em certos grupos demográficos um adolescente de 19 anos já é homem desde pelo menos os 14. Se bem que em certos grupos demográficos as meninas de 12 anos já são mães. De qualquer forma, a dissociação exagerada da idade legal e da idade mental gera monstrengos como o menino de 19 anos, que não vê nenhum problema em anunciar para o mundo seu namoro com uma menina de 12.
Talvez porque ele, sem precisar jamais ter de se preocupar com os aspectos menos felizes da vida, não se veja como homem, por mais que a lei insista no contrário. É bem provável, aliás, que ele se olhe no espelho e se veja como uma criança ainda mais imatura do que sua namoradinha de 12 anos, por mais que os hormônios digam o contrário. Até porque a sociedade insiste que ele reprima tudo o que possa haver de potencialmente masculino em sua personalidade e postergue indefinidamente os sacrifícios e responsabilidades da idade adulta.
Isso explica a repugnância ainda maior deste caso específico: trata-se de um homem (de voz grossa, ainda que mansa) que se vê como criança e, por isso, não tem vergonha alguma de se relacionar com uma menina de 12 anos. Que, por sua vez, deve ter sido ensinada desde muito cedo a se ver como mulher, mas só em termos sexuais, porque ela também deve postergar a idade adulta, com suas responsabilidade e sacrifícios.
Permissividade
Não sei se o Ministério Público, agora que o caso ganhou destaque nas redes sociais, vai empunhar o ECA e fazer alguma coisa. E nem sei se importa. Afinal, o estrago maior, que é a própria aceitação do namoro, está consumado. Prova disso são as mães do homem e da menina, que num dos vídeos aparecem batendo palmas enquanto os (arght!) namoradinhos insinuam um beijo.
E este estado de coisas tampouco é novidade. Vale lembrar que Caetano Veloso, aos 40 anos, começou a namorar Paula Lavigne, na época com 13 – um a mais que a personagem deste texto. Imagine o papel ridículo do cantor se, aos 42 anos, ele tiver participado do baile de debutante da namorada. Tudo com a anuência dos pais dela (e dele, suponho) e sob aplausos de uma sociedade permissiva demais – mas que antes se restringia a certos círculos. No fim das contas, a única vítima dessa história acabou sendo um filósofo que teve coragem de avisar que o rei estava nu – e ao lado de uma menor de idade.
E é assim que a ideia progressista de permissividade extrema vai contaminando todos os aspectos da vida. Em nome do que eles chamam de “amor”, “felicidade” e “prazer”, em nome dessa floresta utópica habitada por uma fauna de homens emasculados e meninas empoderadas, vale qualquer coisa. Afinal (e o complemento da sentença é uma ironia), nesse reino não há maldade nem consequências negativas. Faz o que tu queres pois é tudo da lei, como profetizava o outro.
E, se houver consequências e se a maldade “conservadora” resolver de alguma forma invadir essa bolha de perfeição, não tem problema: sobram ansiolíticos e antidepressivos. Pode deixar que o papai paga.
Paulo Polzonoff Jr.
Paulo Polzonoff Jr. é jornalista, tradutor e escritor. **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.
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