rma como o presidente Jair Bolsonaro indicou o desembargador Kassio Nunes Marques, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) arrefeceu o ânimo da bancada religiosa no Congresso para tentar fazer o sucessor do ministro Marco Aurélio Mello, que deixa a Corte ano que vem.
Até a indicação de Kassio Marques, integrantes da Frente Parlamentar Evangélica, núcleo importante de apoio ao presidente da República na Câmara, trabalharam para que Bolsonaro levasse ao Supremo nomes como os dos juízes federais Marcelo Bretas (responsável pela operação Lava Jato no Rio de Janeiro) e William Douglas, da 4ª Vara Federal do Rio de Janeiro, ou do corregedor do Conselho Nacional de Justiça, Humberto Martins.
Durante este processo, o pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, admitiu que lideranças evangélicas entregaram a Bolsonaro uma espécie de lista tríplice com possíveis ministeriáveis. Nesta lista, entregue por Malafaia, estavam o desembargador aposentado Jackson di Domenico; o procurador de Justiça em Brasília José Eduardo Sabo Paes e William Douglas. Outros núcleos de apoio do presidente, como a bancada católica no Congresso e os integrantes da ala ideológica do governo, defendiam nomes como o do ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra Martins Filho.
Após Bolsonaro confirmar a indicação de Kassio Nunes Marques ao STF, parlamentares evangélicos e católicos mudaram a postura. Agora, prometem não entregar nomes ao presidente da República. Porém, aguardam que o próprio Bolsonaro consulte alguns congressistas que são considerados mais próximos do governo como Marco Feliciano (Republicanos-SP), Otoni de Paula (PSC-RJ) ou 1º vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (Republicanos-SP), antes de definir qual será o substituto de Marco Aurélio Mello, que completará 75 anos em junho do ano que vem.
Deputados das bancadas evangélicas e católicas da Câmara admitiram em caráter reservado à Gazeta do Povo que ficaram surpresos não só pela forma como Bolsonaro indicou Kassio Nunes Marques ao STF mas também pelo fato de o presidente da República ter defendido sua indicação, mesmo sob fortes críticas de seus apoiadores.
Para parlamentares destas bancadas, o episódio mostrou que o lobby em favor de juízes ou desembargadores não deve surtir efeito, apesar de o próprio presidente ter ratificado que o próximo ministro do STF será um conservador. Nas palavras de um importante parlamentar evangélico ligado ao chefe do Planalto, “a prerrogativa de indicação é do presidente. Se ele ouvir a bancada evangélica será maravilhoso. Caso contrário, a responsabilidade é do próprio Bolsonaro”.
Nem mesmo a promessa pública do presidente em indicar um evangélico empolgou seus aliados no Congresso. “A 2ª vaga, que será em julho do ano que vem, com toda certeza, mais que um terrivelmente evangélico, se Deus quiser, nós teremos lá um pastor. Imaginemos as sessões daquele Supremo Tribunal Federal começarem com uma oração. Tenho certeza de uma coisa: isso não é mérito meu, é a mão de Deus”, disse Bolsonaro em um culto na Assembleia de Deus. Mesmo para aliados, a declaração deve ser entendida como uma espécie de “protocolo de intenções” e não como promessa.
Malafaia: de padrinho à herança maldita após Kassio Marques no STF
Integrantes do Palácio do Planalto dizem que, atualmente, há apenas uma certeza sobre a segunda vaga do STF a ser preenchida pelo presidente da República: o próximo ministro não será alguém que recebeu as bênçãos do pastor Silas Malafaia.
Após Bolsonaro confirmar o nome de Kassio Nunes Marques para o STF, Malafaia foi um dos principais críticos da decisão do presidente da República. O próprio Bolsonaro disse que ficou “chateado” pela forma como foi criticado. E sem citar Malafaia, Bolsonaro revelou que uma “autoridade” do Rio de Janeiro queria emplacar um indicado dele ao STF. E isso deixou o presidente visivelmente irritado. “O voto é um direito dele; até não ir votar é um direito dele. Agora, tudo tem defeito. Essa autoridade do Rio de Janeiro queria que eu indicasse o [candidato] dele. Tem vários vídeos aí. Uma autoridade que diz que tem Deus no coração, o que dói mais na gente, mas tudo bem”, disse Bolsonaro.
Após a indicação de Kassio Nunes, Malafaia fez vários vídeos na internet criticando a decisão do presidente. “Não posso acreditar! Bolsonaro fazendo jogo do PT e Centrão na indicação do STF”, disse o pastor por meio das redes sociais. Outro crítico da nomeação foi o deputado federal Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), um dos líderes da Frente Parlamentar Evangélica. Sóstenes é ligado a Silas Malafaia.
Três integrantes do Palácio do Planalto com acesso direto ao presidente da República relataram à Gazeta do Povo que Bolsonaro já deixou claro que nenhum nome sugerido por Malafaia será levado em consideração no futuro. A não ser que o próprio Malafaia faça um movimento de reaproximação com o presidente, com direito a pedido de desculpas público por parte do pastor evangélico.
Assim, o nome do juiz William Douglas é tido praticamente como “carta fora do baralho” na disputa pela vaga de Marco Aurélio Mello. Malafaia era o maior defensor do nome do magistrado federal.
Silêncio de parte da bancada evangélica é visto como disputa interna de parlamentares
A indicação de Kassio Nunes Marques expôs claramente uma divisão interna na Frente Parlamentar Evangélica. Justamente por essa razão, alguns deputados como Marco Feliciano e Marcos Pereira não criticaram publicamente o presidente da República.
Por trás do silêncio de alguns parlamentares conservadores, conforme integrantes da Câmara, está não somente o respeito ao presidente como também uma sinalização política em favor de Bolsonaro. Marcos Pereira é presidente nacional do Republicanos, sigla que abrigou dois filhos do presidente da República — o senador Flávio Bolsonaro (RJ) e o vereador Carlos Bolsonaro (RJ) — entre outros aliados, como Marco Feliciano.
Apesar de não admitir isso oficialmente, a cúpula do Republicanos gostaria de ter Bolsonaro como seu candidato a presidente da República em 2022, caso o Aliança pelo Brasil não saia do papel. Por esse motivo, conforme membros do partido ouvidos pela Gazeta do Povo, nenhum parlamentar evangélico da sigla teceu críticas públicas a Bolsonaro.
Além disso, conforme membros do governo, o não acolhimento de um nome sugerido por Malafaia e Sóstenes também serviu para mostrar que ambos não têm “tanta influência quanto eles vendem para seus aliados”, conforme admitiu uma fonte governista. O movimento isolou Sóstenes e reforçou a força de Marcos Pereira junto ao presidente e aos membros da Frente Parlamentar Evangélica.
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