O Poder sem voto pauta a nação

Trata-se, creio, de um paradoxo que a estrutura dos modernos estados democráticos apresentam. O único dos três poderes da República que não consulta, diretamente, a vontade e a soberania popular, frequentemente desempenha um papel decisivo nas questões fundamentais que vão influenciar a vida dos cidadãos, desde comportamentos religiosos, sexuais, econômicos até mesmo adentrando em temáticas de alta relevância filosófica como, por exemplo, a dramática celeuma sobre o direito ao aborto que elenca todo este universo.

Para ilustrar com distanciamento e neutralidade alguns aspectos desta realidade vamos citar o impacto extraordinário que implicou na maior democracia ocidental os E.U.A. a escolha de um ministro para a sua Suprema Corte.

De 1953 a 1969 o homem que deixou de disputar o voto popular exerceu na presidência do Tribunal uma influência que ficou, sociologicamente, caracterizada como “Corte Warren”.

As decisões então tomadas sobre assuntos os mais relevantes para a formatação do processo social pela Corte emprestaram, definitivamente, muitas das determinantes do mapa psicológico da nação.

O tribunal arrolou na questão racial, no exercício da liberdade religiosa, cidade e outros, estabeleceram regras que podem ser consideradas, na prática, pétreas no cotidiano e nos horizontes do americano comum.

Um caso paradigmático foi o chamado “Gideon” em que um preso, Clarence Gideon de sua cela apresentou uma petição à lápis que sacudiu todo o Poder Judiciário, numa demonstração extraordinária do perfil individualista que acaba por se tornar uma conquista da cultura “self made man” ou a lembrança do l’uomo qualunque italiano, ou o nosso Zé Ninguém.

Lembrar que Gideão na Bíblia não quis ser rei optando por permanecer como juiz embora tenha sido um herói na guerra dos israelenses contra os midianiatas: 300 contra 130 mil.

Neste turbulento instante em que os 3 poderes de nossa República se chocam, a escolha de um ministro pode alterar o rumo até da vontade expressa pelo eleitorado composto por milhões de votantes, cabe ponderar sobre esta vivência que a História pinta com cores tão obvias.

Se o regime democrático deve traduzir claramente os desejos políticos da maioria da população brasileira algo precisa ser ajuizado (literalmente) no sentido constitucional para que não se deturpe o próprio “status” da liberdade de escolha, as urnas que não podem ser desprezadas como alguns pretendem com um sacudir de ombros, “não se deve ouvir o rumor das ruas”.

Não ultrapassar o princípio do chamado “judicial review”, controle da constitucionalidade, sujeita à legitimidade democrática.

Ainda agora Trump sugere contestar decisão nas urnas indo à Suprema Corte. Já o nosso STF é cortejado pelo que já impera…

*Flavio Goldberg, advogado e mestre em Direito

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