O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir, nesta quinta-feira (8), se o presidente Jair Bolsonaro deve prestar depoimento de forma presencial ou por escrito no inquérito que investiga se ele tentou intervir indevidamente na Polícia Federal (PF). A investigação, aberta após a demissão do ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, que acusou Bolsonaro de interferência política na corporação, pode levar à cassação do presidente.
O relator do inquérito é o ministro Celso de Mello, que se aposenta na próxima terça-feira (13). O julgamento desta quinta, portanto, é o último com a participação do decano no plenário do Supremo. Após sua aposentadoria, o inquérito pode ser sorteado para um novo relator ou pode acabar nas mãos do ministro indicado por Bolsonaro para substituir Celso de Mello, o desembargador Kassio Nunes Marques.
O que o STF vai julgar
Celso de Mello determinou que o presidente preste depoimento presencialmente, e não por escrito, no inquérito. Ele contrariou parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR), que havia sustentado que o presidente da República tem o direito de optar por enviar uma manifestação por escrito, ir pessoalmente à PF ou mesmo ficar em silêncio.
A Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou um recurso contra a decisão de Celso de Mello, pedindo que o depoimento seja por escrito. A argumentação apresentada ao STF é de que o interrogatório é meio de defesa e portanto “não é desarrazoado afirmar que o direito ao silêncio permite não apenas a ausência de manifestação, mas, caso seja ela feita, autoriza a sua realização na forma que o investigado pretender, desde que lícita. Se é possível silenciar, natural poder manifestar-se de forma diversa da oral”, alegou a AGU.
O pedido é para que seja garantida a isonomia de tratamento em relação ao ex-presidente Michel Temer (MDB) quando ocupava o Planalto. Em 2017, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, autorizou o interrogatório de Temer no inquérito dos portos, em que o então presidente da República foi acusado de influenciar na edição de um decreto que beneficiou empresas do Porto de Santos. Na ocasião, Barroso deixou a cargo de Temer escolher a forma como prestaria o depoimento — o emedebista optou por responder as perguntas da Polícia Federal por escrito.
O artigo 221 do Código de Processo Penal (Lei 3.689/41), em seu primeiro parágrafo, diz que autoridades como o presidente e vice-presidente da República, os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, e o próprio presidente do STF podem “optar pela prestação de depoimento por escrito, caso em que as perguntas, formuladas pelas partes e deferidas pelo juiz, lhes serão transmitidas por ofício.”
Celso de Mello sustenta que o disposto no artigo 221 do CPP não se aplica ao caso de Bolsonaro. E por uma razão simples: o chefe do Executivo figura como parte investigada no inquérito. Na interpretação do ministro, a prerrogativa se aplica somente quando a autoridade for chamada a prestar depoimento na condição de vítima ou testemunha, o que não é o caso de Bolsonaro.
O que o inquérito onde Bolsonaro vai prestar depoimento investiga
O inquérito relatado por Celso de Mello investiga se o presidente Jair Bolsonaro tentou intervir de forma indevida na Polícia Federal. A investigação foi aberta após a saída de Moro do governo. O ex-ministro pediu demissão alegando que Bolsonaro tentava interferir politicamente na PF. Diante das acusações de Moro, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu a abertura de um inquérito no STF.
A saída de Moro do governo ocorreu após Bolsonaro exonerar o ex-diretor-geral da PF Maurício Valeixo. O ex-juiz alegou que o presidente buscava emplacar um nome de sua confiança no lugar com objetivo de obter informações sobre investigações da corporação.
O presidente chegou a indicar para a direção-geral da PF o nome de Alexandre Ramagem, que comanda a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), mas a nomeação foi suspensa pelo Supremo e posteriormente anulada pelo Planalto.
Em que pé está a investigação
O depoimento de Bolsonaro é uma das últimas etapas da investigação. Moro, que também figura como investigado, foi o primeiro a prestar depoimento no caso, na qual revelou as declarações de Bolsonaro na reunião ministerial do dia 22 de abril.
A gravação se tornou peça-chave do caso e foi divulgada publicamente também por ordem do ministro Celso de Mello. Presentes na reunião, os ministros Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, Walter Braga Netto, da Casa Civil, e Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, prestaram depoimento em maio.
Entre palavrões e ameaças, as imagens da reunião ministerial mostram o presidente afirmando que não vai esperar alguém “foder a minha família toda” e que já havia tentado “trocar gente da segurança no Rio”. A versão do Planalto é que Bolsonaro se referia a sua segurança pessoal enquanto Moro alega que se tratava da Superintendência da PF fluminense, foco de interesse do governo. Após a saída do ministro, de fato, houve uma mudança no comando da Polícia Federal do Rio.
Depois do depoimento de Bolsonaro: até onde a investigação pode chegar
Quando o inquérito for concluído, Augusto Aras pode arquivar o caso, se entender que não há provas contra Bolsonaro. Ou pode denunciar o presidente.
Se uma denúncia for formalizada contra Bolsonaro, a Câmara dos Deputados tem de aprovar a autorização para que o presidente seja processado. Para isso, são necessários os votos de dois terços dos 513 parlamentares. Se os deputados não concederem a autorização, a denúncia fica suspensa enquanto Bolsonaro for presidente. E ele só será processado após deixar o comando do país.
Caso os deputados autorizem o processo, ele segue para o STF. Então, o plenário da Corte tem de decidir se aceita ou não a abertura da ação penal. Se não aceitar, o caso é arquivado. Se acatar, Bolsonaro é afastado da Presidência por 180 dias e quem assume é o vice, Hamilton Mourão.
O STF tem esse prazo para julgar o presidente. Em caso de condenação, Bolsonaro seria cassado e deixa em definitivo a Presidência. A absolvição significa que ele retorna ao comando do país. Há ainda a possibilidade de o Supremo não conseguir concluir o julgamento nos 180 dias. Nessa situação, o presidente volta ao cargo. Mas o processo segue até ser concluído.
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