Se depender dos sindicatos, volta às aulas presenciais pode demorar mais de um ano no Brasil

Sindicatos de professores se mobilizam para que volta às aulas ocorra somente após vacina ou com medidas de segurança mais amplas| Foto: Gazeta do Povo / Arquivo

Se depender das exigências dos sindicatos que representam os professores brasileiros, o país pode permanecer sem aulas presenciais durante boa parte ou todo o ano de 2021. A maioria das entidades de classe só aceita a volta às aulas quando a comunidade escolar estiver imunizada por meio de uma vacina ou quando houver garantia de segurança para profissionais de educação e alunos. E, para evitar desigualdades, defende que as escolas particulares permaneçam fechadas – se for necessário, por via judicial – enquanto as públicas não voltarem a funcionar.

Essa posição vai na contramão do esforço mundial de retorno às atividades escolares. Estudos científicos que analisam a volta às aulas dividem opiniões, mas recomendam o retorno assim que for possível – o que não significa, necessariamente, a existência de uma vacina. Parte da comunidade médica também se manifestou a favor da retomada, como é o caso da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Na semana passada, a entidade lançou um documento com orientações para a volta às aulas e abordou os prejuízos de manter as aulas suspensas por mais tempo.

Por outro lado, apesar da reabertura bem-sucedida de escolas, como ocorreu em Manaus, há médicos que concordam com os sindicatos brasileiros e entendem que, ainda que grande parte dos estados apresente estabilidade ou queda no número de contágios, como os números de contaminações permanecem em um patamar elevado, reabrir as instituições de ensino poderia contribuir para elevar o número de contaminados com a Covid-19.

O Sindicato dos Professores de São Paulo (SinproSP), por exemplo, declarou que é contra a volta de qualquer atividade presencial em 2020, tanto em escolas particulares quanto públicas. Já o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG) entende que o retorno nesse momento da pandemia colocaria em risco a vida dos profissionais da educação, dos estudantes e seus familiares. O Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato) definiu que não retornará as atividades em 2020 e que, caso o governo do estado decida pela volta às aulas, a categoria entrará em greve. A situação se repete em entidades similares em todo o Brasil.

Além da imunização da comunidade escolar por vacina para a Covid-19, os sindicatos querem testagem permanente dos alunos e profissionais da educação; ampliação do número de salas de aula e de professores; mais recursos financeiros para melhor estruturar as escolas e análise da taxa de transmissão (indicador conhecido como RT) para abertura ou fechamento das instituições.

Se a melhor estruturação das escolas depende de recursos públicos que podem demorar – ou sequer chegar –, a disponibilização de uma vacina pode levar meses. Além disso, o processo de vacinação deve se estender, em uma perspectiva otimista, até o segundo semestre do ano que vem, conforme explica Renato Kfouri, pediatra infectologista e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

“Há diversas vacinas em desenvolvimento, algumas já na fase três, etapa que irá demonstrar sua eficácia. Depois disso, passaremos à produção, com algumas vacinas sendo produzidas mais rapidamente (as sintéticas) e outras em ritmo mais lento. Só depois disso é que as vacinas, de fato, passarão a estar disponíveis”, afirma.

Quanto ao processo de vacinação, o pediatra infectologista explica que há grupos prioritários para receber as vacinas, como idosos, profissionais da saúde e grupos mais vulneráveis, sendo que as crianças e os adolescentes – principal faixa etária em idade escolar –, além dos adultos saudáveis, serão os últimos a serem vacinados. “Tudo isso depende de vários fatores, mas é possível que esses grupos não prioritários sequer sejam vacinados em 2021. Antes do segundo semestre do próximo ano é muito improvável”, observa.

Outro ponto em discussão é quanto à taxa de transmissão (RT) considerada segura para o retorno das atividades presenciais nas escolas. De forma simples, quando a taxa se encontra em 2, por exemplo, significa que cada pessoa infectada transmitirá o vírus para mais duas pessoas. Quando a RT é menor do que 1 em determinada região, pode-se dizer que naquele local a epidemia perdeu força e entrou em desaceleração. Por outro lado, quando se encontra acima de 1, a epidemia está em expansão.

O Brasil vinha oscilando desde agosto entre um pouco acima e um pouco abaixo de 1, segundo a Imperial College de Londres, que avalia semanalmente as taxas de transmissão em diferentes países. Na terceira semana de setembro, o país reduziu a RT a 0,9. No entanto, na semana seguinte o número voltou a 1.

Justificativas dos sindicatos para manter as escolas fechadas

As principais justificativas pelas quais os sindicatos de professores de diferentes estados são contrários ao retorno às aulas presenciais são: possível aumento das contaminações; falta de estrutura e recursos, especialmente por parte das escolas públicas; instituições de ensino particulares “colocando o lucro acima da saúde”; embates com o governo federal e aumento da desigualdade.

1) Aumento de contaminações e falta de estrutura

De acordo com Elson Simões de Paiva, diretor jurídico do Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro e Região (SinproRio) – entidade que ajuizou, no início de setembro, uma ação na Justiça do Trabalho responsável por proibir a volta às aulas nas escolas e faculdades particulares do Rio de Janeiro – “como a escola é um local de aglomeração, mesmo que os protocolos sejam seguidos, inevitavelmente haverá contato, o que poderia colocar mais vidas em risco”.

“O isolamento social feito pelas escolas mantém dentro de casa 55 milhões de pessoas no nosso país – são dezenas de milhões de pessoas a menos nas ruas. A categoria dos professores é uma das mais responsáveis nesse momento, é a que mais está resistindo a isso”, declara Paiva. O diretor acredita que o país verá crescimento dos casos até que a vacina esteja disponível a menos que os governos decretem um novo lockdown extremamente restritivo.

A falta de estrutura e de recursos por parte das escolas públicas, que impediria essas instituições de terem acesso a álcool em gel e demais recursos para evitar o contágio, é outro fator que, na visão dos sindicatos, inviabiliza o retorno às aulas. A categoria entende que a definição dos protocolos de higiene e distanciamento não garante a segurança dos professores e alunos, uma vez que nem todas as instituições seriam capazes de providenciar os itens necessários para preservar a segurança da comunidade escolar.

2) “Interesses” de escolas particulares na volta às aulas

Na quarta-feira (30), a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) promoverá uma live com o tema “O que sustenta e a quem interessa o discurso do retorno às aulas presenciais”. Para a mediadora do evento e coordenadora da secretaria de assuntos educacionais da entidade, Adércia Hostin, a resposta à pergunta-tema da live é: os empresários da educação.

Ela declara que, graças ao número significativo de alunos – sobretudo do ensino infantil – que cancelaram suas matrículas desde o início da pandemia, o movimento dessas instituições pela volta às aulas teria o objetivo de sustentar matrículas para o próximo ano. Adércia considera que a maior parte das escolas particulares não tem condições de manter protocolos rígidos de higiene e segurança para evitar novos contágios de Covid-19.

“Apesar de a educação não ser mercadoria, essas instituições vão buscar lucro. Temos alguns segmentos com maiores possibilidades de manter protocolos rígidos, que são as instituições que atendem a elite. Só eles dariam conta de garantir esses protocolos. É impossível que as intuições privadas sustentem a volta às aulas de forma segura”, avalia.

Além de não existir problema em buscar lucro (escolas particulares são empresas privadas), a Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) já apresentou um protocolo de volta às aulas, baseado em experiências internacionais. Nenhum país afirma que esses procedimentos são infalíveis, mas que vale a pena tentar pela importância da aprendizagem de crianças e jovens.

3) Guerra ideológica-política

Outro fator que tem aumentado o “volume” das discussões quanto à retomada das atividades presenciais é o fator político: em uma live transmitida no dia 17 de setembro, o presidente Jair Bolsonaro criticou a forma como os sindicatos de professores vêm se posicionando contra a volta às aulas, recorrendo à justiça para proibir o retorno. Na ocasião, Bolsonaro afirmou que “para eles (sindicalistas), está muito bom o pessoal ficar em casa”.

Por outro lado, os sindicatos criticam a pressão para o retorno às atividades por parte do governo federal e tecem numerosas críticas ao presidente da República. “Os movimentos sindicais são radicalmente contra a toda essa forma de governar. Nesse sentido, o que temos como concepção é que somos professores e precisamos ser tratados com dignidade e, acima de tudo, levando em consideração a vida”, afirma Adércia.

Quando questionada pela reportagem da Gazeta do Povo sobre pais que não trabalham em home office e não têm onde deixar os filhos durante o período em que estão horário de trabalho, Adércia afirmou que esse é um problema gerado pelo governo, e a resposta caberia ao governo, não aos movimentos sindicais. “Com um controle de pandemia coeso teríamos um processo menor de quarentena. Poderíamos ter feito um isolamento com mais qualidade e o retorno seria melhor, teríamos outra realidade, sem tantas perdas”, ressalta.

Elson também acredita que a posição do governo federal estaria colocando as pessoas em risco. Segundo ele, “as escolas que que estão insistindo em abrir são alinhadas ideologicamente ao governo Bolsonaro”.

4) Desigualdade com a volta às aulas na rede privada

Outro ponto em comum entre os sindicatos de docentes é que as aulas da rede pública e privada não podem retornar em momentos separados. Ou seja, ainda que haja escolas capazes de oferecer condições mais amplas de higiene e segurança, elas não poderão reabrir até que todas possam retomar as atividades. O motivo alegado pelas entidades é que reabrir de forma separada provocaria aumento da desigualdade no país.

“Não aceitamos retorno das aulas presenciais nas escolas privadas antes ou depois da escola pública. Todos têm que voltar juntos, mesmo que gradativamente, porque do contrário o abismo social aumenta”, ressalta Elson, do SinproRio. A coordenadora do Contee concorda: “O retorno só do setor privado, que diz que pode voltar, com a rede pública assumindo que não pode, deixaria os alunos em diferentes condições. Vai abrir um leque ainda maior de desigualdade social no país. Como preparar os alunos da rede pública para o Enem?”, observa.

Ensino remoto também não é o ideal, afirmam sindicalistas

Enquanto parte significativa dos sindicatos de docentes acredita que o ensino remoto é o único caminho viável enquanto as aulas presenciais não retornam, há segmentos que são igualmente contrários às aulas on-line. A justificativa é que há locais mais pobres em que as crianças e adolescentes não possuem tecnologia (smartphones, computador e conexão de internet de qualidade satisfatória) para acessar as aulas.

O SinproRio é, por princípio, contra o ensino remoto, de acordo com o diretor jurídico da entidade. Elson explica que as perdas são grandes, já que as aulas presenciais nunca serão equiparadas às aulas on-line. Porém, apesar disso, o diretor afirma que esse é “o único caminho disponível para a preservação de vidas”.

“Mesmo o ensino remoto sendo uma ferramenta para garantir a educação de milhões de crianças e jovens, é preciso que as autoridades olhem para os alunos que estão excluídos do processo por não ter acesso às ferramentas”, conclui Adércia.

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