“Eu sou muito mais do que você vê. Eu sou muito mais que LGBTQIA+. Eu sou também aquele que você não quer enxergar. Eu sou preta, eu sou gordo, eu sou da periferia, eu sou operária, eu sou aquele que você atravessa a rua quando vê.” Esse fragmento não foi retirado do manifesto de uma ONG, mas de uma peça institucional de uma multinacional brasileira, a Natura. Trata-se do texto de apresentação do coletivo Natura em Cores, uma iniciativa que a empresa mantém dentro de sua estrutura para funcionários falarem sobre temas LGBT, subordinado ao departamento de diversidade.
“Reforçamos no nosso código de conduta a importância de respeitar todes”, diz o texto no site da Natura, seguindo a regra da neutralidade de gênero. “Estamos abertes a somar mais e mais, sempre.”
A realidade dentro da Natura não é exceção, mas parte de uma tendência. No Brasil, multinacionais e empresas de grande porte têm cedido ao lobby da diversidade. A recente polêmica com a Magazine Luiza, que fez um programa de trainee exclusivo para negros (a iniciativa foi reproduzida pela Bayer alguns dias depois), é manifestação de um fenômeno em crescimento. Influenciados por ideias de consultores, opiniões dos departamentos de marketing e pela pressão das redes sociais, executivos têm aberto cada vez mais espaço a discursos ideológicos dentro de empresas – em alguns casos, por falta de convicções pessoais claras.
“Os donos dos negócios, os principais tomadores de decisão, não têm posição nenhuma. Aí entram no modismo da área de marketing, que impõe um valor que não necessariamente é o valor da organização ou não está na massa do sangue da empresa. Em alguns casos, a cultura empresarial pode ir de encontro a essa visão”, afirma consultor empresarial Alex Pipkin, doutor em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Multinacionais abrigam grupos de afinidade LGBT
No último Guia Exame de Diversidade – uma avaliação que a revista Exame publica anualmente em parceria com o Instituto Ethos –, 71% das 96 empresas participantes afirmaram abrigar em sua estrutura grupos de afinidade LGBTI+, ao estilo do Natura em Cores. A própria pesquisa é um sinal dos tempos: a diversidade de pessoas LGBT é um dos quatro âmbitos avaliados (junto com mulheres, grupos raciais e deficientes), mas a diversidade geracional, relacionada à inclusão de idosos no mercado de trabalho, não é nem sequer um quesito da avaliação.
Empresas como Itaú, Avon, Bradesco, Basf, Sodexo e Microsoft são consideradas acima da média no tratamento a grupos LGBTI+ pelo guia. Todas elas, aliás, fazem parte do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, um movimento voltado para a “promoção aos direitos humanos LGBT+ no ambiente empresarial e na sociedade”, conforme o site do grupo. A página conta com uma cartilha explicando como as pessoas LGBT devem ser tratadas dentro das empresas.
No Carrefour, que também faz parte desse fórum, há um setor dedicado à “gestão da diversidade”, que inclui o grupo TODXS+, para promover “o respeito aos direitos das pessoas LGBTI+” e propor “ações práticas para promover um ambiente mais acolhedor” para essas pessoas. A empresa também tem o Carrefour por Elas, que busca assegurar no Brasil o compromisso global do Carrefour de ter 40% das posições de diretoria ocupadas por mulheres até 2025.
Outra empresa que integra o fórum é a Ambev, que, em junho, fez uma campanha com caminhões das cores da bandeira LGBT desfilando pela Avenida Paulista.
Diversidade aumenta performance? O que dizem as pesquisas
Para embasar a recomendação de que as empresas precisam levantar certas bandeiras, algumas consultorias recorrem ao argumento de que empresas mais diversas têm melhor desempenho financeiro. São frequentes as notícias sobre estudos sugerindo que diversidade é sinônimo de lucro.
Um estudo publicado em julho de 2020 pela consultoria McKinsey, por exemplo, afirmou que empresas da América Latina mais diversas em aspectos como gênero, raça e orientação sexual tiveram melhor performance financeira.
Mas também há estudos acadêmicos dizendo o contrário. “Não encontramos uma relação significativa entre a diversidade de gênero ou étnica do conselho diretor ou de conselhos importantes e o desempenho financeiro de uma amostra das principais corporações dos Estados Unidos”, diz um estudo de 2010 da revista acadêmica Corporate Governance. “A relação entre representatividade feminina no conselho diretor e o desempenho no mercado é quase zero”, afirma um artigo publicado em 2014 no Academy of Management Journal, em que se aplicou o método da meta-análise, isto é, o cruzamento dos resultados de vários estudos sobre o assunto. O que motivou a meta-análise, segundo os pesquisadores, foi que havia “uma grande quantidade de literatura examinando a relação entre mulheres em conselhos e desempenho financeiro de empresas”, e que as evidências dessa literatura eram conflitantes.
De acordo com Pipkin, a diversidade precisa contribuir para algum resultado. “Tem que servir para uma tomada de decisão que leve a empresa a alcançar resultados. Esse é o principal foco, embora muitos falem em missão empresarial. Sem lucro, nós não conseguimos perenizar a nossa missão”, afirma. Segundo o consultor, “pegar alguém de outra etnia, pegar um jovem, pegar um sujeito de outra classe social, que tem outra visão, vive em outra realidade e pode contribuir nessa mescla de visões” pode ser bom “para um processo mais criativo dentro das empresas”.
Por outro lado, para o consultor, o lobby ideológico pode, às vezes, levar a “decisões que querem combater a intolerância e acabam agravando a intolerância”.
Diversidade precisa levar a um senso de comunidade e a um objetivo comum, diz pesquisadora americana
Especialista em diversidade nas corporações, a pesquisadora norte-americana Ilana Redstone, da University of Illinois at Urbana-Champaign, afirma que uma boa política de diversidade deve ajudar a enfatizar aquilo que as pessoas têm em comum. “Lembrar as pessoas sobre como elas são semelhantes pode ser uma forma poderosa de construir um senso de comunidade e orientar as pessoas em direção a um objetivo comum”, destaca.
A política de diversidade não pode se basear somente em como as pessoas se sentem, na visão de Redstone. “Como as sensibilidades variam amplamente, não é realista tratar a sensação de ofensa de alguém como o único fator relevante na tentativa de descobrir como resolver problemas”, diz a pesquisadora.
Para Redstone, algumas controvérsias sobre diversidade que surgem no ambiente de trabalho poderiam ser resolvidas com comunicação e boa vontade. Ela dá um exemplo: “Quando não há dúvida sobre as boas intenções das pessoas, a pessoa que disse algo que outra pessoa considerou ofensiva pode ser informada, sem repreensão, como seu comentário pode ser interpretado. E a pessoa que se sente ofendida pode ser informada de que, embora seus sentimentos sejam importantes, as intenções de quem disse a coisa ofensiva também são relevantes.”
Nesse sentido, segundo Redstone, é preciso que a busca por respeito entre os funcionários não se torne um pretexto para justificar comportamentos hipersensíveis. “É possível criar um local de trabalho onde as pessoas tratem umas às outras com respeito e onde as pessoas não sintam que precisam pisar constantemente em ovos”, afirma.
Nos EUA, site de recrutamento “antilacração” é lançado
Em inglês, a palavra woke – lacração, em tradução livre – tem sido usada para rotular o radicalismo de esquerda, envolvendo especialmente bandeiras feminista e LGBT. A invasão dessa cultura a ambientes corporativos americanos levou à criação de um site de recrutamento que ajuda empresas a evitar a contratação de ativistas ideológicos, o Unwoke.
“Contrate profissionais. Não ativistas”, diz o slogan do Unwoke. “Contrate pessoas trabalhadoras, honestas e competentes, e não ideólogos cuja única agenda é instrumentalizar a sua marca e os seus negócios para promover uma causa radical”, afirma a descrição.
O Unwoke conta com os recursos de uma plataforma de recrutamento comum, como ferramenta de busca, interface para mensagens diretas, espaço para currículos e a possibilidade de negociar projetos de curto prazo, em vez de contratos longos.
Em uma mensagem para donos de negócios interessados no serviço, o Unwoke afirma: “Não interrompa seus concorrentes se eles estão cometendo um erro. Deixe-os preencher suas cotas de diversidade. Deixe-os exaurir seus recursos, esforços e reputação com a lacração. Deixe-os se posicionar sobre suas supostas virtudes. Deixe seus funcionários pisarem em ovos em seus escritórios envoltos em uma bolha. Deixe-os pensar que estão mudando o mundo para melhor. Deixe-os pensar que são a contracultura. Deixe que eles peçam desculpas públicas em comerciais e no Twitter pelo crime de existir. (…) Enquanto isso, você baseia suas decisões de contratação na busca dos melhores, mais brilhantes, mais inteligentes e competentes funcionários que puder encontrar. Pessoas de todas as esferas da vida que, acima de tudo, valorizam a verdade, o trabalho árduo, a liberdade e a busca pela felicidade. Você não tem nada do que se desculpar.”
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