A Segunda Turma do STF e os riscos para a Lava Jato

A ausência por licença médica do ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal e integrante da Segunda Turma da corte, que julga casos relativos à Operação Lava Jato, já levou a estragos consideráveis que anularam conquistas do combate à corrupção e transformou o empate no resultado mais almejado pelas defesas dos acusados no petrolão. Isso porque a turma tem dois ministros mais duros com a ladroagem – Edson Fachin, relator dos casos da Lava Jato no STF, e Cármen Lúcia –, enquanto Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski costumam sempre votar a favor dos réus. Neste cenário, Celso de Mello acaba sendo o responsável pelo voto de minerva: apesar de ser conhecido pela postura dita “garantista”, também costuma ser inflexível com os corruptos, como já demonstraram alguns de seus votos no julgamento do mensalão.

regra que beneficia os réus no caso de empate é a grande esperança, por exemplo, de livrar o ex-presidente Lula da condenação imposta a ele em 2017 pelo então juiz federal Sergio Moro no caso do tríplex do Guarujá. A defesa do petista alega suspeição da parte de Moro – o juiz não teria julgado de forma imparcial, afirmam os advogados, mas teria a intenção clara de condenar o réu, o que, ainda por cima, retiraria Lula da disputa pelo Planalto em 2018 caso a sentença fosse confirmada em segunda instância, o que acabou ocorrendo. A defesa de Lula argumentou que a motivação política era confirmada pelo fato de Moro ter aceito o convite de Jair Bolsonaro para ser ministro da Justiça – uma tese que, como já afirmamos neste espaço, só poderia ser acolhida caso alguém estivesse disposto a levar ao extremo a falácia do post hoc ergo propter hoc, que cria uma falsa relação de causalidade entre dois acontecimentos que se sucedem no tempo. Em outras palavras, a condenação de julho de 2017 e o convite de novembro de 2018 seriam ambos parte de uma única trama com o objetivo de levar Bolsonaro à Presidência, sendo o Ministério da Justiça a “recompensa” a Moro pelo “serviço” feito ao condenar Lula.

A Lava Jato só tem sofrido derrotas sucessivas no STF porque vários ministros, ainda que estejam certos da retidão de seus votos, adotam interpretações equivocadas da Constituição e das leis

Fachin e Cármen Lúcia não se deixaram levar pelas falácias e já votaram pela manutenção da sentença. Gilmar Mendes pediu vista em dezembro de 2018 e até hoje não recolocou a ação na pauta, mas pode fazê-lo a qualquer momento, sendo praticamente certo que ele, crítico contumaz da Lava Jato, e Lewandowski votarão pela suspeição de Moro. Se Celso de Mello não estiver presente, o empate – que, no fim, representará a vitória de Lula e a derrota da Lava Jato – é certo. Foi o que ocorreu em outra ação envolvendo Moro, desta vez no caso Banestado, em que a condenação do doleiro Paulo Krug foi anulada, ainda que o então juiz tivesse seguido à risca tudo o que está previsto no Código de Processo Penal.

Celso de Mello tinha adiado o retorno de sua licença médica, que deveria ter ocorrido em 11 de setembro e estava prevista para este dia 26, mas o ministro acabou voltando ao trabalho já nesta sexta-feira, dia 25. Ainda que ele esteja recuperado, no entanto, não poderá participar de julgamentos por muito mais tempo. O decano completa 75 anos em 1.º de novembro, quando se aposentaria compulsoriamente; no entanto, nesta sexta-feira o ministro solicitou a antecipação de sua saída para 13 de outubro. Isso deixa a Segunda Turma com quatro membros até que ele seja substituído, em um processo que pode levar meses, já que o presidente Jair Bolsonaro precisa indicar um nome, que será submetido à aprovação do Senado.

As regras do STF permitem outros meios de recompor uma turma quando existe vacância. O artigo 19 do Regimento Interno do Supremo dá ao ministro o direito de pedir transferência, que não tem como ser recusada pelo presidente da corte. Foi o que ocorreu com o próprio Fachin, que era da Primeira Turma e solicitou a transferência em fevereiro de 2017. No entanto, existem regras de preferência para tais pedidos, que privilegiam os membros mais antigos. O ministro mais antigo da Primeira Turma é Marco Aurélio Mello, que jamais pediu semelhante mudança. Na sequência vem Dias Toffoli, que assumiu o lugar de Luiz Fux, novo presidente do Supremo. Se Toffoli retornasse à Segunda Turma (de onde saiu quando se tornou presidente da corte, em 2018), estaria recomposto o trio que já tinha ficado conhecido por votos favoráveis aos réus da Lava Jato – e tudo isso sem que Fux, defensor da operação a ponto de exaltá-la em seu discurso de posse, possa fazer qualquer coisa a respeito.

O mais absurdo em tudo isso é que essa discussão nem precisaria estar ocorrendo. Não é nossa intenção analisar as intenções que movem cada ministro, muito menos atribuir-lhes a intenção de aliviar a vida dos corruptos; mesmo assim, ainda que os magistrados estejam sinceramente convictos a respeito da retidão de seus votos, sua interpretação tem, sim, se distanciado do que determinam a Constituição e os códigos que regem os processos, bem como dos fatos presentes nos autos, e este é o grande problema que afeta os julgamentos da Lava Jato na corte. Pois a operação só tem sofrido derrotas sucessivas, seja na Segunda Turma, seja no plenário, graças a essas interpretações equivocadas. Foi assim, por exemplo, que o Supremo anulou várias condenações da Lava Jato em que réus delatores e delatados apresentaram alegações finais simultaneamente, mesmo que tudo estivesse perfeitamente de acordo com o CPP e sem que as defesas tivessem comprovado dano algum aos réus delatados. É assim que há a possibilidade real de se considerar Moro suspeito e, com isso, criar um efeito dominó de anulação de sentenças na primeira instância.

Já afirmamos recentemente que é inexplicável o silêncio da opinião pública diante do que é, hoje, a maior ameaça à Lava Jato. Não que os ministros tenham de votar segundo o clamor das ruas, mas eles precisam, sim, guiar-se pela melhor interpretação da Constituição e das leis infraconstitucionais, atendo-se aos fatos, sem atribuir aos demais intenções impossíveis de comprovar, como fez Gilmar Mendes a respeito de Moro no caso do doleiro Krug. E isso a sociedade tem o direito de pedir àqueles que ocupam os mais altos cargos do Judiciário brasileiro.

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