‘Caixinha de propinas’ na Saúde do Rio arrecadou R$ 50 milhões para Witzel e Pastor Everaldo, diz PGR

O esquema da ‘caixinha de propinas’ instituída por Pastor Everaldo dentro da gestão Witzel, segundo a PGR. Foto: Procuradoria-Geral da República / Reprodução

Empresário Edson Torres, apontado como operador de Pastor Everaldo, confessou que cinco organizações sociais pagaram vantagens indevidas que abasteceram a ‘caixinha’ distribuída ao ‘núcleo político’ da suposta organização criminosa que desviou recursos do Rio

O empresário Edson Torres, apontado como operador do presidente do PSC Pastor Everaldo, afirmou à Procuradoria-Geral da República (PGR) que a ‘caixinha de propinas’ instituída dentro da Secretária de Saúde do governo Wilson Witzel (PSC) arrecadou R$ 50 milhões entre janeiro de 2019 e junho de 2020.

As revelações basearam a nova denúncia apresentada pela subprocuradora Lindôra Araújo nesta segunda, 14, contra Witzel e o presidente do PSC, Pastor Everaldo – desta vez, por associação criminosa. Ambos fariam parte do ‘núcleo político’ do grupo, responsável por lotear e direcionar verbas públicas em troca de propinas.

O esquema, segundo a Procuradoria, repete o que havia sido feito nas gestões anteriores de Sérgio Cabral (MDB) e Luiz Fernando Pezão (MDB), presos da Lava Jato. Witzel seria ‘o novo rosto’ do grupo e teria contado com apoio de Pastor Everaldo, um ‘veterano da corrupção’, segundo a PGR, antes mesmo da eleição.

Em 2017, antes de Witzel deixar a magistratura, dois operadores do pastor repassaram R$ 980 mil para garantir que ele ‘se mantivesse’ por cerca de dois anos caso largasse o cargo de juiz federal e perdesse a eleição. O apoio precoce, segundo a PGR, se traduziu em poder do Pastor Everaldo dentro da secretaria de Saúde após a vitória de Witzel nas urnas.

“Esse controle teve início com a indicação de Edmar Santos ao cargo de secretário de Saúde do governo de Wilson Witzel, que somente foi possível ante a proximidade de Edson Torres e Pastor Everaldo e ao pleno domínio que ambos exercem sobre o partido do governador, o PSC, considerando-se como os ‘donos do partido’”, apontou a PGR.

“Iniciado o mandato de Wilson Witzel, e, por conseguinte, a gestão de Edmar Santos, o grupo liderado pelo Pastor Everaldo e pelo empresário Edson Torres iniciou o seu projeto de ‘privatização’ da secretaria de Saúde”, continuou a Procuradoria.

A ‘caixinha de propinas’ instituída por Everaldo, segundo confissão de Edson Torres, foi abastecida por repasses feitos por cinco organizações sociais: Solidário, Nova Esperança, Mahatma Gandhi, Gnosis e Idab – a Nova Esperança, inclusive, era administrada por Marcos Pereira, irmão de Pastor Everaldo.

Cada organização pagava ao grupo um percentual que variava de 3% a 6% do valor dos contratos firmados com o governo Witzel. A propina iria para uma ‘caixinha’, que era redistribuída ao governador (20%), Pastor Everaldo (20%), aos operadores Edson Torres (15%) e Victor Hugo (15%), e ao então secretário de Saúde, Edmar Santos (30%), hoje delator.

“Segundo confessado por Edson Torres, no período de 01/01/2019 a junho de 2020, essa caixinha da propina na Secretaria de Saúde arrecadou vantagens indevidas no valor de aproximadamente R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais”, apontou a PGR.

A operacionalização e controle da arrecadação era feita em reuniões entre Edmar Santos, Edson Torres e Victor Hugo, operadores de Pastor Everaldo, em ao menos três endereços: Avenida Rio Branco nº 109 (até março de 2019), na Rua Rodrigo Silva, nº 18, 10º andar (de março a dezembro de 2019), e na Praça Mahatma Gandhi, 20º andar (a partir de janeiro de 2020).

“As constantes mudanças de endereços demonstram a preocupação da organização criminosa em não chamar a atenção para as reuniões, assim como a determinação de que os telefones celulares ficassem acautelados em um recipiente bloqueador de sinais e a comunicação realizada através de aplicativos de mensagens autodestrutivas Wickr”, afirmou a Procuradoria.

Segundo a PGR, a manutenção da ‘caixinha de propinas’ por parte das organizações sociais era feita para garantir contratos de gestões hospitalares e de unidades de pronto atendimento ou manter acordos já firmados com o governo. Os valores eram pagos em espécie a Victor Hugo, que ficava responsável pela operacionalização dos repasses aos agentes públicos abastecidos pela caixinha.

“O que se viu, a partir de então, foi uma repetição do que já havia sido revelado pela ‘Operação Lava Jato’ no Rio de Janeiro nos governos anteriores: empresários comandando as contratações da Secretaria de Saúde, arrecadando enormes quantias de dinheiro de fornecedores e negociando a saúde pública como se mercadoria fosse”, afirmou a PGR.

O governador afastado do Estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, realiza um pronunciamento à imprensa no Palácio da Guanabara. Foto: Wilton Júnior / Estadão

A Procuradoria ressaltou, mais uma vez, que o ‘esquema Witzel’ planejava arrecadar R$ 400 milhões cobrando propina de 5% sobre contratos de organizações de saúde ao longo dos quatro anos de mandato do governador, visto que o montante anual com contratações era de, aproximadamente, R$ 2 bilhões.

“Nesse diapasão, a organização criminosa, somente com esse esquema criminoso de contratação de organizações sociais na área de Saúde, tinha por pretensão angariar quase R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais) de valores ilícitos, ao final de quatro anos, na medida em que objetivava cobrar 5% de propina de todos os contratos”, registrou.

Witzel e Pastor Everaldo são apontados como integrantes do ‘núcleo político’ da organização voltada para desvios de recursos públicos do Estado. O presidente do PSC teve a prisão preventiva decretada no último dia 5 e o governador foi afastado do cargo.

Em nota, Witzel classificou as acusações como ‘mentiras’ e negou participação em irregularidades. “Todo o meu patrimônio se resume à minha casa, no Grajaú, não tendo qualquer sinal exterior de riqueza que minimamente possa corroborar essa mentira”, afirmou.

A defesa do Pastor Everaldo disse que ‘não comentará trechos de processo que corre em segredo de Justiça’.

COM A PALAVRA, O GOVERNADOR AFASTADO WILSON WITZEL
“Mais uma vez, trata-se de um vazamento de processo sigiloso para me atingir politicamente. Reafirmo minha idoneidade e desafio quem quer que seja a comprovar um centavo que não esteja declarado no meu Imposto de Renda, fruto do meu trabalho e compatível com a minha realidade financeira. Todo o meu patrimônio se resume à minha casa, no Grajaú, não tendo qualquer sinal exterior de riqueza que minimamente possa corroborar essa mentira. O único dinheiro ilícito encontrado, até agora, estava com o ex-secretário Edmar Santos.”

COM A PALAVRA, O PASTOR EVERALDO
“A defesa do Pastor Everaldo esclarece que ainda não teve acesso à íntegra da investigação e da delação que embasaram sua prisão, ocorrida há 20 dias. A defesa informa que a nova de denúncia não está juntada aos autos processo e que não comentará trechos de processo que corre em segredo de Justiça. O Pastor Everaldo, que sempre esteve à disposição das autoridades, reitera sua confiança na Justiça e na sua libertação.”

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