Não é apenas impressão de quem faz compras: comer em casa está mais caro no Brasil. Embora algumas sazonalidades tenham seu impacto nos preços de alguns produtos, desta vez há um registro de aumento forte no ano em cima de itens essenciais da cesta básica. Arroz, feijão e óleo de soja são alguns dos alimentos que registram maior alta na inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE. As carnes – especialmente frango, porco e cortes mais básicos de bovinos – tiveram aumentos superiores à média da inflação. Leite e ovos também engrossam a lista dos preços que avançaram mais em 2020.
Os dados do IBGE, divulgados na quarta-feira (9), só confirmaram uma tendência que já era sentida há mais tempo pelo consumidor final. O grupo de alimentação foi um dos que puxou o avanço da inflação – comer em casa está 11,39% mais caro no acumulado dos últimos 12 meses encerrados em agosto ou 6,1% apenas em 2020. Para se ter ideia, o índice geral do IPCA acumulado nos últimos 12 meses é de 2,44% e no ano, 0,7%. Esse aumento expressivo acabou desencadeando forte reação política, com o governo tomando medidas para tentar equalizar a situação, como a suspensão de tarifas de importação.
Pedro Kislanov, gerente do Sistema Nacional de Índices de Preços do IBGE, citou como razões do encarecimento da comida o aumento nas exportações brasileiras, a valorização do dólar ante o real e também a pressão doméstica – o pagamento do auxílio emergencial impulsionou o consumo. Ele ainda frisou que alguns alimentos estão caindo e que não há uma subida conjunta de preços.
De fato, não são todos os produtos que estão com os preços em elevação em 2020, mas os itens mais básicos, sim. O preço do arroz variou 19,25% este ano. O feijão também subiu: o preto teve alta de 28,92% e o carioca, 12,12%. O óleo de soja subiu 18,63% nos oito primeiros meses de 2020.
Entre as proteínas, o grupo de carnes teve redução de 1,89% no custo médio. Mas, esse decréscimo foi impulsionado pela desaceleração do preço de cortes nobres – o filé mignon ficou 18,44% mais barato. Por outro lado, cortes mais básicos de carne subiram, como o fígado (25,86%), costela (8,99%) e músculo (6,96%). Cortes de porco também tiveram aumento de preço (4,24%) – a proteína tem sido muito exportada desde 2019, por causa da peste suína que atingiu o mercado asiático.
O grupo de aves e ovos também viu os preços acelerarem – o aumento acumulado no ano é de 5,93%. A mesma situação se repete com leites e derivados, que avançou 11,22%. O leite longa vida, por exemplo, está 22,99% mais caro em 2020.
Por que a comida está mais cara?
A formação dos preços dos alimentos não depende apenas de custos de produção. Analistas consultados pela Gazeta do Povo concordam que há fatores do cenário macroeconômico e externo que pressionam esses preços. Mas também há especificidades de cada setor que influenciam o cenário, como diminuição das áreas de plantio e até mesmo quebra de safra. Veja, na sequência, os principais fatores que pressionaram essa alta.
Taxa de juros e o câmbio
Há algum tempo a política monetária nacional contempla ações para redução da taxa de juros, processo que foi impulsionado para contenção da crise causada pelo coronavírus em todo o mundo. Atualmente, a Selic – taxa básica de juros da economia brasileira – está no menor patamar da história, com 2% ao ano.
“Quando há esse corte, o câmbio aumenta e o real se desvaloriza”, lembra Douglas Xavier, especialistas em investimentos da Speed Invest. Além disso, esse movimento de alta na inflação dos alimentos está intrinsecamente ligado à queda de juros e à injeção de capital na economia.
Exportações em alta
A depreciação do real – em torno de 34% no ano – acaba estimulando a venda das commodities para o mercado internacional, observa Patrícia Krause, economista da Coface para América Latina. “Ele vai exportar o produto por um valor mais alto, então, tem menos incentivo de vender para cá”, aponta. Patrícia ressalta que o real também sofreu uma depreciação maior em relação a moedas de outros países emergentes – inclusive na comparação com o peso argentino –, o que aumentou a competitividade do produto brasileiro no exterior.
A economista ainda lembra que a demanda da China pela compra de alimentos segue forte, em uma tendência que é anterior à pandemia da Covid-19, sobretudo para itens como proteína animal e soja e seus derivados.
Auxílio emergencial e consumo interno
Para o produtor, a exportação é uma opção mais atraente. Mas isso não significa que o mercado interno não tem demanda. O auxílio emergencial, benefício de R$ 600 pagos por cinco meses a trabalhadores informais e população vulnerável, ganhou mais quatro parcelas de R$ 300 e ajuda a impulsionar o consumo, principalmente de alimentos.
Patrícia Krause, economista da Coface, lembra que algumas culturas, como o arroz, tiveram redução na área de plantio. “Temos uma oferta um pouco menor com demanda que cresce bastante, porque o mundo todo está procurando alimentos básicos e não perecíveis”, lembra. Isso também acaba aumentando os preços. Para a economista, algumas ações recentes do governo tendem a pressionar por uma diminuição dos preços no varejo, principalmente nos mercados, mas no atacado eles também estão altos.
Sem estoques regulatórios
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) tem uma estratégia de formação de estoques públicos para poder intervir no mercado, garantindo tanto renda do produtor quanto preço para o consumidor final. Mas, não há estoques no caso de alguns alimentos, como o feijão. Dados da Conab apontam que não há formação de estoque público desde 2017. No caso do arroz, há 758 toneladas do alimento no estoque público – patamar que é mantido desde fevereiro de 2019.
Em junho deste ano, a companhia divulgou um relatório sobre os estoques privados de arroz consolidando os dados da safra 2018/19, que teve consumo de 10.278,1 mil toneladas e redução anual da demanda nacional de 8,5%. “Para a atual Safra 2019/2020, a atual conjuntura indica uma expansão do consumo brasileiro em virtude de todo o contexto de pandemia. Entretanto, apesar do quadro de suprimento ajustado entre a oferta e demanda, a recuperação produtiva no Sul do país será importante fator garantidor do abastecimento nacional. Ademais, destaca-se a significativa valorização dos preços internos, que refletirá na redução do volume exportado de arroz brasileiro e, consequentemente, levará a balança comercial do grão ao equilíbrio”, apontava o documento.
Área de plantio do arroz diminuiu e país chegou a exportar
A área destinada ao plantio de arroz no Brasil vem diminuindo ao longo dos últimos anos. Levantamento da Conab disponível no documento “Perspectivas para a agropecuária Safra 2020/21 – Edição grãos”, aponta que houve redução de 40,9% entre a área plantada de arroz na safra 2019/20 em comparação a 2010/11.
José Santos, corretor de mercado da Correpar, lembra que esses produtores acabaram migrando para o cultivo de soja porque os preços do arroz não compensavam mais os custos de produção. O país, que não tem uma tradição de exportar o cereal, acabou vendendo para fora este ano – Costa Rica, Chile, África, Irã e Iraque foram alguns dos países que compraram o arroz brasileiro.
Com a pandemia e as pessoas ficando mais em casa, o consumo aumentou e a indústria passou a buscar mais cereal, precisando até mesmo importar. Tradicionalmente, o Brasil compra arroz de países do Mercosul – Argentina, Uruguai e Paraguai, principalmente –, mas este ano já teve de importar dos Estados Unidos e da Tailândia. Com o câmbio valorizado, tudo isso pressionou para um aumento nos preços.
Agora, o produtor está se preparando para plantar a futura safra, entre fins de setembro e outubro, e administrar o estoque que ainda está disponível. No Rio Grande do Sul, responsável por 70% da produção nacional, uma saca de 50 quilos de arroz com casca chegou a ser vendida por R$ 50 a R$ 60 no início do ano. Agora, o mesmo produto está saindo por R$ 105 a R$ 110, de acordo com Santos.
“A gente não vê motivos para reduzir os preços agora. Quem poderia? O governo, se a Conab tivesse produto para substituir em momento de crise nos preços, mas não tem. Os preços altos impactam o consumidor, principalmente de renda mais baixa, mas os produtores que detêm matéria-prima não estão disponibilizando para comercialização, porque tem pouco produto e até a próxima safra para comercializar, que é só a partir de fevereiro”, explica.
Feijão impactado por quebra de safra
A razão pelo preço mais elevado de alguns tipos de feijão começa no ano passado, conforme aponta Marcelo Eduardo Lüders, diretor da Correpar e presidente do Instituto Brasileiro do Feijão e dos Pulses (Ibrafe). Quando o produtor foi plantar a primeira safra, a ser colhida no primeiro trimestre deste ano, diminuiu a área de plantio fazendo uma troca do feijão pela soja. Com área menor, a segunda safra, a ser colhida a partir de abril, sofreu com intempéries – estiagem no Paraná, chuva em excesso em Minas Gerais e Goiás. “Menos área na primeira safra, quebra na segunda e aumento no consumo do brasileiro… tudo isso pressionou o preço, não é só porque o dólar subiu”, observa.
Lüders lembra que houve uma diminuição geral na produção de feijão no mundo, mas o consumo da leguminosa cresceu. A China, por exemplo, produz menos e consome mais, precisando importar. O problema é que a oferta mundial não está tão boa assim. Nos Estados Unidos, também houve quebra de safra. O Brasil mesmo está comprando feijão da Argentina e Bolívia. Além disso, ele observa uma nova tendência de alimentação que busca consumir menos carne e opta por proteína das plantas. “A [dieta] plant based impacta diretamente feijão, lentilha, grão de bico. Mundo afora, o feijão deixou de ser um produto final para ser uma matéria-prima”.
O Brasil não corre risco de desabastecimento de feijão. A tendência é de que produtores antecipem o plantio da próxima safra e já há colheitas à vista para os próximos meses. “Não vai gerar excedente, mas vai permitir que nesse nível de preço o mercado siga abastecido”, pontua.
Pedro Kislanov, gerente do Sistema Nacional de Índices de Preços do IBGE, citou como razões do encarecimento da comida o aumento nas exportações brasileiras, a valorização do dólar ante o real e também a pressão doméstica – o pagamento do auxílio emergencial impulsionou o consumo. Ele ainda frisou que alguns alimentos estão caindo e que não há uma subida conjunta de preços.
De fato, não são todos os produtos que estão com os preços em elevação em 2020, mas os itens mais básicos, sim. O preço do arroz variou 19,25% este ano. O feijão também subiu: o preto teve alta de 28,92% e o carioca, 12,12%. O óleo de soja subiu 18,63% nos oito primeiros meses de 2020.
Entre as proteínas, o grupo de carnes teve redução de 1,89% no custo médio. Mas, esse decréscimo foi impulsionado pela desaceleração do preço de cortes nobres – o filé mignon ficou 18,44% mais barato. Por outro lado, cortes mais básicos de carne subiram, como o fígado (25,86%), costela (8,99%) e músculo (6,96%). Cortes de porco também tiveram aumento de preço (4,24%) – a proteína tem sido muito exportada desde 2019, por causa da peste suína que atingiu o mercado asiático.
O grupo de aves e ovos também viu os preços acelerarem – o aumento acumulado no ano é de 5,93%. A mesma situação se repete com leites e derivados, que avançou 11,22%. O leite longa vida, por exemplo, está 22,99% mais caro em 2020.
Por que a comida está mais cara?
A formação dos preços dos alimentos não depende apenas de custos de produção. Analistas consultados pela Gazeta do Povo concordam que há fatores do cenário macroeconômico e externo que pressionam esses preços. Mas também há especificidades de cada setor que influenciam o cenário, como diminuição das áreas de plantio e até mesmo quebra de safra. Veja, na sequência, os principais fatores que pressionaram essa alta.
Taxa de juros e o câmbio
Há algum tempo a política monetária nacional contempla ações para redução da taxa de juros, processo que foi impulsionado para contenção da crise causada pelo coronavírus em todo o mundo. Atualmente, a Selic – taxa básica de juros da economia brasileira – está no menor patamar da história, com 2% ao ano.
“Quando há esse corte, o câmbio aumenta e o real se desvaloriza”, lembra Douglas Xavier, especialistas em investimentos da Speed Invest. Além disso, esse movimento de alta na inflação dos alimentos está intrinsecamente ligado à queda de juros e à injeção de capital na economia.
Exportações em alta
A depreciação do real – em torno de 34% no ano – acaba estimulando a venda das commodities para o mercado internacional, observa Patrícia Krause, economista da Coface para América Latina. “Ele vai exportar o produto por um valor mais alto, então, tem menos incentivo de vender para cá”, aponta. Patrícia ressalta que o real também sofreu uma depreciação maior em relação a moedas de outros países emergentes – inclusive na comparação com o peso argentino –, o que aumentou a competitividade do produto brasileiro no exterior.
A economista ainda lembra que a demanda da China pela compra de alimentos segue forte, em uma tendência que é anterior à pandemia da Covid-19, sobretudo para itens como proteína animal e soja e seus derivados.
Auxílio emergencial e consumo interno
Para o produtor, a exportação é uma opção mais atraente. Mas isso não significa que o mercado interno não tem demanda. O auxílio emergencial, benefício de R$ 600 pagos por cinco meses a trabalhadores informais e população vulnerável, ganhou mais quatro parcelas de R$ 300 e ajuda a impulsionar o consumo, principalmente de alimentos.
Patrícia Krause, economista da Coface, lembra que algumas culturas, como o arroz, tiveram redução na área de plantio. “Temos uma oferta um pouco menor com demanda que cresce bastante, porque o mundo todo está procurando alimentos básicos e não perecíveis”, lembra. Isso também acaba aumentando os preços. Para a economista, algumas ações recentes do governo tendem a pressionar por uma diminuição dos preços no varejo, principalmente nos mercados, mas no atacado eles também estão altos.
Sem estoques regulatórios
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) tem uma estratégia de formação de estoques públicos para poder intervir no mercado, garantindo tanto renda do produtor quanto preço para o consumidor final. Mas, não há estoques no caso de alguns alimentos, como o feijão. Dados da Conab apontam que não há formação de estoque público desde 2017. No caso do arroz, há 758 toneladas do alimento no estoque público – patamar que é mantido desde fevereiro de 2019.
Em junho deste ano, a companhia divulgou um relatório sobre os estoques privados de arroz consolidando os dados da safra 2018/19, que teve consumo de 10.278,1 mil toneladas e redução anual da demanda nacional de 8,5%. “Para a atual Safra 2019/2020, a atual conjuntura indica uma expansão do consumo brasileiro em virtude de todo o contexto de pandemia. Entretanto, apesar do quadro de suprimento ajustado entre a oferta e demanda, a recuperação produtiva no Sul do país será importante fator garantidor do abastecimento nacional. Ademais, destaca-se a significativa valorização dos preços internos, que refletirá na redução do volume exportado de arroz brasileiro e, consequentemente, levará a balança comercial do grão ao equilíbrio”, apontava o documento.
Área de plantio do arroz diminuiu e país chegou a exportar
A área destinada ao plantio de arroz no Brasil vem diminuindo ao longo dos últimos anos. Levantamento da Conab disponível no documento “Perspectivas para a agropecuária Safra 2020/21 – Edição grãos”, aponta que houve redução de 40,9% entre a área plantada de arroz na safra 2019/20 em comparação a 2010/11.
José Santos, corretor de mercado da Correpar, lembra que esses produtores acabaram migrando para o cultivo de soja porque os preços do arroz não compensavam mais os custos de produção. O país, que não tem uma tradição de exportar o cereal, acabou vendendo para fora este ano – Costa Rica, Chile, África, Irã e Iraque foram alguns dos países que compraram o arroz brasileiro.
Com a pandemia e as pessoas ficando mais em casa, o consumo aumentou e a indústria passou a buscar mais cereal, precisando até mesmo importar. Tradicionalmente, o Brasil compra arroz de países do Mercosul – Argentina, Uruguai e Paraguai, principalmente –, mas este ano já teve de importar dos Estados Unidos e da Tailândia. Com o câmbio valorizado, tudo isso pressionou para um aumento nos preços.
Agora, o produtor está se preparando para plantar a futura safra, entre fins de setembro e outubro, e administrar o estoque que ainda está disponível. No Rio Grande do Sul, responsável por 70% da produção nacional, uma saca de 50 quilos de arroz com casca chegou a ser vendida por R$ 50 a R$ 60 no início do ano. Agora, o mesmo produto está saindo por R$ 105 a R$ 110, de acordo com Santos.
“A gente não vê motivos para reduzir os preços agora. Quem poderia? O governo, se a Conab tivesse produto para substituir em momento de crise nos preços, mas não tem. Os preços altos impactam o consumidor, principalmente de renda mais baixa, mas os produtores que detêm matéria-prima não estão disponibilizando para comercialização, porque tem pouco produto e até a próxima safra para comercializar, que é só a partir de fevereiro”, explica.
Feijão impactado por quebra de safra
A razão pelo preço mais elevado de alguns tipos de feijão começa no ano passado, conforme aponta Marcelo Eduardo Lüders, diretor da Correpar e presidente do Instituto Brasileiro do Feijão e dos Pulses (Ibrafe). Quando o produtor foi plantar a primeira safra, a ser colhida no primeiro trimestre deste ano, diminuiu a área de plantio fazendo uma troca do feijão pela soja. Com área menor, a segunda safra, a ser colhida a partir de abril, sofreu com intempéries – estiagem no Paraná, chuva em excesso em Minas Gerais e Goiás. “Menos área na primeira safra, quebra na segunda e aumento no consumo do brasileiro… tudo isso pressionou o preço, não é só porque o dólar subiu”, observa.
Lüders lembra que houve uma diminuição geral na produção de feijão no mundo, mas o consumo da leguminosa cresceu. A China, por exemplo, produz menos e consome mais, precisando importar. O problema é que a oferta mundial não está tão boa assim. Nos Estados Unidos, também houve quebra de safra. O Brasil mesmo está comprando feijão da Argentina e Bolívia. Além disso, ele observa uma nova tendência de alimentação que busca consumir menos carne e opta por proteína das plantas. “A [dieta] plant based impacta diretamente feijão, lentilha, grão de bico. Mundo afora, o feijão deixou de ser um produto final para ser uma matéria-prima”.
O Brasil não corre risco de desabastecimento de feijão. A tendência é de que produtores antecipem o plantio da próxima safra e já há colheitas à vista para os próximos meses. “Não vai gerar excedente, mas vai permitir que nesse nível de preço o mercado siga abastecido”, pontua.
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