Os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), estão empenhados – este, abertamente; aquele, nos bastidores – em manter-se no cargo até 2022, a despeito do que diz a Constituição Federal. Em seu artigo 57, § 4.º, a Carta Magna afirma que, dentro de uma mesma legislatura, está “vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”. Em outras palavras: no ano que vem, nem Maia, nem Alcolumbre poderiam tentar mais dois anos à frente das respectivas casas legislativas. A única exceção, aberta pelo STF em 1999, permitia a reeleição na mudança entre legislaturas – foi assim, por exemplo, que Maia se reelegeu em 2019.
A disputa já chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), graças a uma ação do PTB solicitando, basicamente, que a Constituição seja cumprida e os dois parlamentares sejam impedidos de disputar a reeleição. Uma redundância que pareceria desnecessária, caso a Constituição fosse realmente cumprida à risca no Brasil – o que ocorre com frequência abaixo da desejada, às vezes graças ao próprio STF, como quando o artigo 52 da lei maior foi rasgado na votação do impeachment de Dilma Rousseff, com o aval do então presidente da corte, Ricardo Lewandowski. Para contribuir com a confusão, a Advocacia do Senado enviou manifestação ao STF alegando que, como as mesas diretoras exercem uma função de “Executivo do Legislativo”, a elas deveria ser aplicado não o artigo 57, mas o artigo 14, § 5.º da Constituição, que trata da reeleição do presidente da República, governadores e prefeitos – uma interpretação absurdamente forçada das atribuições de cada autoridade e que ignora totalmente o fato de as regras para os chefes das casas legislativas estarem explicitamente previstas no texto constitucional.
Ainda que a alteração constitucional possa fazer sentido, o tema está longe de ser prioridade neste momento
Para resolver a questão sem recorrer a acrobacias hermenêuticas, a senadora Rose de Freitas (Podemos-CE) apresentou proposta de emenda à Constituição abolindo a restrição à reeleição para cargos de mesas diretoras dentro da mesma legislatura, mas mantendo o limite de mandatos consecutivos a dois – a iniciativa chegou a valer uma suspensão, já que seu partido havia fechado questão contra a recondução de Maia e Alcolumbre. O texto conta, ainda, com a assinatura de algumas dezenas de senadores, mas já foi criticado por vários outros parlamentares como casuísta.
A própria autora da PEC admite que, em sua visão, a alteração beneficiaria Alcolumbre, mas não Maia, que já teve uma reeleição e, por isso, precisaria deixar a presidência da Câmara para outro deputado. Este caráter casuísta é um dos problemas que permeiam toda a discussão, mas poderia ser facilmente eliminado com uma emenda. Mais complicado é convencer o Congresso de que, ainda que a alteração possa fazer sentido, o tema está longe de ser prioridade neste momento.
O país continua sofrendo os efeitos sanitários e econômicos da Covid-19, e há inúmeras reformas em tramitação no Congresso – a tributária, a administrativa, as PECs dos Fundos, Emergencial e do Pacto Federativo, marcos regulatórios –, todas muito mais importantes que a ambição da dupla de presidentes. Ambição, aliás, que poderia desgastá-los e prejudicar seu papel de articuladores e fiadores dessas mesmas reformas, prejudicando todo o país.
Este segundo semestre já deve ser mais curto no Congresso, graças ao “recesso branco” das eleições municipais. Acrescentar um tema interno do parlamento à já extensa pauta do Legislativo é desperdiçar tempo que não está sobrando na agenda dos parlamentares; que Maia e Alcolumbre usem seu capital político para apoiar aliados em 2021, se assim o desejarem; e, se o Congresso realmente julgar importante a mudança nas regras de reeleição, que o faça em momento mais propício, e sem casuísmos.
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