Dos 26 réus, 23 são advogados, um deles ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), além de um auditor fiscal do Tribunal de Contas da União (TCU)
RIO – O novo desdobramento da operação Lava-Jato aponta para a participação de escritórios de advocacia ligados a políticos que ocupam ou já ocuparam cargos majoritários. Roberto Teixeira e Cristiano Zanin, responsáveis pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva; Frederick Wassef, ligado à família Bolsonaro; e Ana Tereza Basílio, que advoga para o governador afastado do Rio, Wilson Witzel, estão entres os principais alvos de buscas e apreensão.
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O Ministério Público Federal (MPF) denunciou sócios de escritórios de advocacia que receberam pelo menos R$ 151 milhões da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Rio de Janeiro (Fecomércio-RJ) entre 2012 e 2018, sem comprovar o serviço prestado. O objetivo era montar uma blindagem que mantivesse o empresário Orlando Diniz no comando da entidade.
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A denúncia, oferecida ao juiz Marcelo Bretas, titular da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, sustenta que os envolvidos cometeram crime federal por usar na manobra verbas do Sistema S (no caso Sesc e Senac), provenientes de contribuição social compulsória incidente sobre a folha salarial dos empresários do comércio. Portanto, dinheiro público.
No mesmo momento em que denuncia o grupo, o MPF, em parceria com a Polícia Federal (PF) e com a Receita Federal, promove nesta quarta-feira operação de busca e apreensão em 50 endereços, incluindo as firmas dos envolvidos e outros escritórios e empresas, porque além dos valores desviados há suspeita de malversação de mais R$ 200 milhões. A denúncia, que atinge um total de 26 pessoas, já foi recebida pela Justiça e agora os alvos são réus no processo.
Dos 26 denunciados, 23 são advogados, um deles ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), além de um auditor fiscal do Tribunal de Contas da União (TCU), do ex-governador Sérgio Cabral e o próprio Diniz. O chamado “núcleo duro” do esquema é acusado pelo MPF de peculato — pelo desvio de dinheiro público do Sistema S —, tráfico de influência e exploração de prestígio e de organização criminosa. Os demais escritórios são acusados de peculato, alguns deles também de exploração de prestígio.
Um dos dos advogados denunciados é Eduardo Filipe Alves Martins, filho do recém-empossado presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins. De acordo com a investigação, o escritório de Eduardo, Escritório de Advocacia Martins, teria recebido R$ 40 milhões da Fecomércio. Diniz acreditava, diz a denúncia, na influência de Martins junto a ministros das Cortes de Brasília. Martins teria pedido mais R$ 40 milhões para distribuir para outros escritórios.
Para fixar a competência do juiz Bretas, a força-tarefa da Lava-Jato argumentou que o esquema de Diniz se uniu ao esquema do ex-governador Sérgio Cabral no desvio do dinheiro do Sistema S. Outro dos alvos da investigação é o escritório Teixeira, Martins Advogados, do advogado Roberto Teixeira, sócio de Cristiano Zanin Martins, o responsável pela defesa criminal do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Esse escritório, contratado pela influência que exercia junto ao governo petista, recebeu sem comprovar serviço R$ 12 milhões, sustenta o MPF.
A denúncia é resultado do cruzamento de provas obtidas pela investigação da Lava-Jato com as delações premiadas de Orlando Diniz e do doleiro Álvaro Novis, que operou para a organização comandada por Sérgio Cabral e para empresários de ônibus no escândalo que ficou marcado pela “caixinha da Fetranspor”.
Além das delações, a denúncia se baseia em buscas e apreensões, extração de dados de smartphones, quebras judiciais de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático e representação fiscal para fins penais da Receita Federal, os quais foram, segundo o MPF, “aptos a corroborar a delação de Diniz”.
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A investigação sustenta que, por intermédio do escritório de Eduardo Martins, Diniz teria subornado um auditor fiscal do Tribunal de Contas da União (TCU), Cristiano Rondon Prado De Albuquerque, para que ele passasse informações sigilosas sobre as auditorias em andamento, envolvendo a Fecomércio, e orientasse a defesa da entidade.
A força-tarefa apurou que o esquadrão jurídico foi montado por Diniz em 2012, quando o Conselho Fiscal do Sesc, na época presidido por Carlos Gabas, ex-ministro da Previdência Social e da Aviação Civil (governos Lula e Dilma), encontrou irregularidades da gestão do Serviço Social do Comércio no Rio de Janeiro, o Sesc-RJ, no ano anterior. Como a Fecomércio geria o Sesc-RJ, que recebia recursos federais, Diniz passou a correr o risco de afastamento, Para permanecer no cargo, foi convencido a procurar pessoas que tivessem influência junto aos governos petistas. Foi assim que chegou a Roberto Teixeira e os demais escritórios indicados por ele, diz a denúncia.
Por trás da decisão do Conselho Fiscal, estava a Confederação Nacional do Comércio (CNC), disposta a travar uma queda-de-braço com Diniz até a sua destituição. O inquérito apurou que Teixeira teria dito a Diniz que os custos para se manter no comando da Fecomércio, evitando que a auditoria do conselho fiscal do Sesc tivesse desdobramentos na Justiça. ficariam em R$ 10 milhões. Ele conseguiu juntar R$ 1 milhão com economias pessoais e completou o resto com recursos públicos do sistema S. O dinheiro, de acordo com a denúncia, foi entregue pelo doleiro Alvaro Novis a Teixeira em São Paulo.
Começaria assim a ciranda de advogados que levou a Fecomércio a desembolsar ao menos R$ 151 milhões para assegurar por meios extrajudiciais a permanência de Diniz a frente da instituição. Esta cálculo, de acordo com as investigações, se fundamenta apenas nas despesas não comprovadas pelos escritórios. Se contabilizados os serviços comprovados, ultrapassa os R$ 200 milhões.
Zanin orientou manobra jurídica
Uma manobra jurídica orientada por Cristiano Zanin possibilitou ao ex-presidente da Fecomércio Orlando Diniz dar o jeito que precisava para continuar drenando os cofres do Sistema S, mesmo depois do esvaziamento do caixa da entidade, aponta a denúncia do Ministério Público Federal (MPF).
O chamado Termo de Cooperação Técnica, criado no final de 2015 logo após Diniz retomar ao comando do Senac por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), implantou um esquema de rateio de despesas entre a Fecomércio, o Senac e Sesc Rio para fins diversos, o que permitiu que fossem utilizadas verbas das entidades para a contratação de serviços advocatícios .
O MPF estima que entre 2015 e 2018 foram desviados R$ 127, 5 milhões com a manobra que era registrada na contabilidade apenas como “repasse Sesc Senac para Fecomércio” e não como prestação de serviços advocatícios, portanto, ficavam de fora das auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU) e Controladoria-Geral da União (CGU). Este saque aos cofres do Sistema S possibilitou, de acordo com a denúncia, o pagamento dos honorários de escritórios envolvidos na vitoria, no STJ.
Para justificar a transferência de valores, Diniz apresentava notas com gastos vultosos em pesquisas e eventos, por exemplo, e fazia o repasse de uma entidade para outra. Como acumulava a presidência de Sesc e Senac, ela assinava as autorizações pelas três entidades. O termo ainda impedia que o movimento de dinheiro chamasse atenção do controle dos conselhos fiscais das entidades.
Diniz afirmou ao MPF que Zanin “cuidou pessoalmente” do termo de cooperação técnica e do termo de rateio de despesas, mas que não se recorda se os aditivos foram redigidos por ele. O termo consistia no repasse de valores das entidades beneficiadas para custear serviços, mas apenas na proporção do benefício obtido por cada uma delas. De acordo com o termo, quando não fosse possível determinar o benefício de cada uma, ficou estipulado que o rateio seria feito na proporção do percentual de receitas compulsórias que cada entidade recebia.
Dessa maneira, Sesc e Senac passaram a arcar com muito mais valores dos contratos de honorários advocatícios do que a própria Fecomércio, que respondia por “no máximo 5% dos valores desses contratos advocatícios, enquanto Sesc e Senac respondiam por todo o resto”.
Outros lados
O advogado Cristiano Zanin divulgou nota em que define a operação como uma ‘tentativa de intimidação’ por seu trabalho, que ’desmascarou arbitrariedades da Lava-Jato’. Ele afirmou ainda que o juiz Marcelo Bretas é ligado ao presidente Jair Bolsonaro e que a decisão ‘está vinculada ao trabalho em favor de um delator assistido por advogados ligados ao senador Flavio Bolsonaro’.
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“A iniciativa do Sr. Marcelo Bretas de autorizar a invasão da minha casa e do meu escritório de advocacia a pedido da Lava-Jato somente pode ser entendida como mais uma clara tentativa de intimidação do Estado brasileiro pelo meu trabalho como advogado, que há tempos vem expondo as fissuras no Sistema de Justiça e do Estado Democrático de Direito”, afirmou Zanin.
Em nota, o presidente do STJ, ministro Humberto Martins, afirmou que não iria se manifestar. O GLOBO não conseguiu contato com Eduardo Martins, filho do presidente do STJ. A assessoria do tribunal informou que o ministro Napoleão Maia não respondeu.
O escritório do advogado Tiago Cedraz, filho do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Aroldo Cedraz, também negou as acusações e afirmou esperar que “a verdade seja restabelecida”. “O escritório tem convicção de que os eventos de hoje são absurdos e reprováveis. Além disso, acredita que a verdade logo será reestabelecida”, diz a nota.
O advogado Caio Rocha afirmou que seu escritório ‘jamais prestou serviços nem recebeu qualquer quantia da Fecomércio ’e que as acusação do Ministério Público ‘são tratativas para um contrato que nunca se consumou’.
Cesar Asfor Rocha alega que ‘as suposições do Ministério Público não têm conexão com a realidade’ e que jamais prestou serviços para a Fecomércio e Orlando Diniz.
O escritório Basilio Advogados informa que atuou entre 2013 e 2017 em mais de 50 processos da Fecomércio, tanto na Justiça Estadual como na Justiça Federal. “Todos os nossos advogados trabalham de forma ética e dentro da legalidade. O escritório confia na Justiça e está à disposição para qualquer esclarecimento”, disse em nota.
Em nota, Frederic Wassef, negou participar do esquema da Fecomércio ou ter trabalhado para a federação e ressaltou que não foi denunciado como os outros advogados. “O delator Orlando Diniz está deliberadamente mentindo a meu respeito a mando de advogados inescrupulosos que estão usando-o como míssil teleguiado para me atingir visando atender o interesse de um outro cliente em comum.
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