Vidas negras importam, mas só elas?

Nos Estados Unidos de hoje as coisas estão assim: se um policial branco atira num homem negro, não importa por qual motivo e em quais circunstâncias, o “movimento antirracista”, que no momento opera sob a marca genérica “Black Lives Matter”, começa imediatamente a tocar fogo nas cidades, saquear lojas e exigir que o orçamento das polícias seja cortado. (Não se sabe qual seria a posição do movimento em relação aos atos praticados pelos milhares de policiais negros que trabalham em todos os 50 estados norte-americanos, mas não é permitido perguntar nada a respeito; a simples pergunta, em si, já é racismo.) Ao mesmo tempo, uma manchete única circula na mídia mundial: “Polícia mata homem negro nos Estados Unidos”.

“Homem negro”? No último delírio deste tipo, a polícia de uma cidade de interior foi chamada por uma mulher negra para deter um indivíduo, também negro, que a estava ameaçando em sua casa. Esse cidadão era um ex-namorado da mulher; por ordem da Justiça, estava proibido de chegar perto dela. Tinha contra si um mandado de prisão e um histórico de violência agravada contra mulheres. Quando a polícia chegou, estava armado.

Não há nenhuma dúvida de que se tratava de um criminoso. Mas nada disso tem a menor importância. O incidente, no qual o agressor acabou morto ao resistir à prisão, já está devidamente registrado como mais um marco na história do “racismo”, da “resistência à brutalidade branca” e do heroísmo da raça negra na luta contra a opressão policial.

Pelo jeito, a única maneira de contentar o “movimento negro” e seus servidores na esquerda branca dos Estados Unidos — ou, pelo menos, de tentar alguma coisa parecida — seria obrigar a polícia, daqui para diante, a seguir um regulamento de ação inteiramente novo. Como sugere um vídeo de humor que corre a internet, a polícia só deve mandar para a cena de um crime policiais que, comprovadamente, não são racistas, violentos ou discriminatórios.

Os cidadãos, ao fazerem um pedido de socorro, ficam obrigados a informar a raça, a orientação sexual, o “gênero”, a idade, a folha corrida e outros detalhes sobre o agressor; têm de se certificar de que ele está armado, e que tipo de arma, exatamente, está portando consigo. Caso o criminoso seja “não-caucasiano”, a polícia está proibida de enviar policiais brancos para socorrer a vítima, mesmo que ela seja negra – como aliás foi o caso neste último episódio. Se alguma dessas observações não for seguida, nada feito: a polícia não se mexe.

É o antirracismo acima de todos e as “vidas negras” acima de tudo. Quem sabe, assim, param de saquear as lojas da Apple ou da Nike — desde, é claro, que os novos mandamentos para a polícia sejam acompanhados da renúncia imediata de Donald Trump, de “salários iguais para os negros” e da extinção do “racismo sistêmico”.

J.R. Guzzo

J.R.Guzzo é jornalista. Começou sua carreira como repórter em 1961, na Última Hora de São Paulo, passou cinco anos depois para o Jornal da Tarde e foi um dos integrantes da equipe fundadora da revista Veja, em 1968. Foi correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita pioneira do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Foi diretor de redação de Veja durante quinze anos, a partir de 1976, período em que a circulação da revista passou de 175.000 exemplares semanais para mais de 900.000. Nos últimos anos trabalhou como colunista em Veja e Exame. **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.

Gazeta do Povo

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