Militarização da Apex garante renda de até R$ 84 mil para generais e almirantes aposentados

O presidente da Apex, Sérgio Segovia, levou mais nove militares para a agência| Foto: José Cruz/Agência Brasil

A entrega do comando da Agência de Promoção de Exportações (Apex) a militares resultou na nomeação de 10 generais, almirantes e capitães de mar e guerra para cargos de direção, gerência e coordenação. Eles acumulam a aposentadoria de militar com o salário da agência, chegando à renda de R$ 76 mil no caso do seu presidente, o contra-almirante da Marinha Sérgio Segovia – 146% a mais do que o salário do presidente da República. O general Mauro Lorena Cid recebe um total de R$ 84 mil. Não há abate-teto.

O diretor de Gestão Corporativa, vice-almirante Ederaldo Teixeira de Abreu, acumula um total de R$ 70,5 mil. A renda do gerente de Relações Institucionais e Governamentais, general de exército Gerson Menandro Freitas, chega a R$ 66 mil. O gerente de investimentos, general de divisão Roberto Escoto, tem remuneração total de R$ 63 mil.

Há outros militares menos aquinhoados. O general de divisão Elias Rodrigues Martins é coordenador de Relações Governamentais, com renda total de R$ 53,7 mil. Assessor da Presidência, o vice-almirante Roberto Gondim da Cunha acumula um total R$ 50,4 mil. Além das altas remunerações, outro ponto em comum entre os diretores e gerentes: escassa ou nenhuma experiência em comércio internacional.

O general de exército Mauro Lorena Cid, ex-chefe do Departamento de Educação e Cultura do Exército, é agora chefe do escritório da Apex em Miami (EUA). No cargo de principal officer, ele tem salário de US$ 9,6 mil – ou R$ 51,5 mil. A sua renda acumulada fica em torno de R$ 84 mil. A agência informou que os valores são pagos no Brasil, em reais, com desconto de 27,5% do Imposto de Renda. O general é pai do major Cid, ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro que foi infectado pela Covid-19 na viagem da comitiva presidencial a Miami, em março.

Sem abate-teto

Nenhum dos militares sofre abate-teto porque a Apex é uma entidade de direito privado e não está submetida ao teto constitucional remuneratório. Mas é controlada pelo governo e mantida quase que exclusivamente por contribuições sociais. A renda total de cada militar da reserva foi calculada com base nos valores médios da aposentadoria e dos salários de diretores, gerentes e coordenadores. A Apex confirmou os valores e cargos levantados pelo blog.

Escoto é um caso especial. Ele tinha uma empresa com atuação no exterior. Oferecia treinamento e apoio operacional a governos, embaixadas, organizações internacionais e empresas que atuavam em ambientes de instabilidade, crise, altos índices de criminalidade, terrorismo ou conflito armado. A empresa contava com profissionais com muitos anos de experiência nas Forças Armadas brasileiras. Em outras palavras, mercenários. O general teve que fechar a empresa para ser nomeado.

A Apex também abriga capitães de mar e guerra – cargo correspondente aos coronéis do Exército. O capitão da Marinha Odilon de Andrade Neto é gerente do gabinete da Presidência – assessor direto de Segovia – com remuneração de R$ 51,5 mil. Com a mesma renda acumulada, o capitão Marcelo Santiago Garcia é gerente de Gestão Corporativa. O capitão de mar e guerra Arthur Mendes de Oliveira é coordenador de Viagens Corporativas, com vencimentos totais de R$ 42 mil.

Há ainda parente de militar aposentado empregado em cargo de confiança da agência. A coordenadora de Aquisições da Diretoria de Gestão, Fátima Mathuiy, é esposa do capitão de mar e guerra aposentado Flávio Haruo Mathuiy, com remuneração de R$ 25 mil.

Espírito militar na Apex

Servidores da agência reclamam das regras rígidas e até das solenidades ao estilo dos militares na gestão de Segovia. No início de março deste ano, Odilon Neto preparou uma festa surpresa de aniversário para o presidente, recém-chegado de Miami, onde fez parte da comitiva presidencial. Todos desceram para o hall de entrada e os funcionários foram colocados em fila para cumprimentar Segovia. Ele brincava com alguns: “Vocês foram obrigados a vir?”. O chefe de gabinete afirma que eles foram convidados.

No dia seguinte, o presidente da agência foi avisado de que o secretário de Comunicação da Presidência da República, Fábio Wajngarten, havia testado positivo para Covid-19. A Apex afirmou ao blog que o presidente Segovia retornou de viagem no dia 11 de março. No dia 12 de março, fez o teste e teve o resultado negativo. No dia 18 de março refez o teste e, no dia seguinte, saiu o resultado positivo. Nessa mesma data (19) foi iniciado o home-office na Apex-Brasil. E, em dois meses do início desse sistema, não foi confirmado nenhum caso de Covid na Apex-Brasil.

Os supersalários da Apex

O salário do presidente é de R$ 53 mil. Os diretores de Gestão e de Negócios têm salário de R$ 46 mil. Mas o atual diretor de Negócios, Augusto Pestana, diplomata, recebe pelo Itamaraty. Os 21 gerentes têm renda média de 32,5 mil, – ainda acima dos salários do presidente da República e dos ministros de Estado. As 38 coordenações têm renda média R$ 23,5 mil.

Os cargos de assessores também são muito bem remunerados. O salário dos assessores da presidência pode chegar a R$ 27,8 mil. Um assessor de gerente ganha até R$ 18 mil. Os analistas do nível mais elevado recebem até R$ 25,7 mil. Ao todo, são 375 funcionários, com um custo anual de R$ 46,8 milhões. As receitas da agência chegam a R$ 534 milhões – 96% originado de contribuições sociais.

A Apex mantém escritórios em Bruxelas, Moscou, Pequim, Xangai, Dubai, Miami e Bogotá. O salário base dos empregados na classe mais elevada – principal officer – varia de US$ 8,4 mil a US$ 9,6 mil – ou seja, de R$ 45 mil a R$ 51 mil. O pagamento é feito na moeda oficial do país onde a unidade está localizada, mas, para efeito referencial na tabela salarial, são transformados em dólar americano.

A Apex afirmou ao blog que o acúmulo da aposentadoria de militares com o salário da agência, sem aplicação do abate-teto, é legal e não traz prejuízos aos cofres públicos. Isso porque, se eles não fossem contratados, seria necessário chamar profissionais da iniciativa privada, que receberiam os mesmos salários, enquanto os militares da reserva continuariam recebendo a sua aposentadoria. Sobre a não aplicação do abate-teto, por se tratar de entidade de direito privado, disse que está de acordo com a legislação. E quando chegaram já era assim.

Sobre o fato de os militares da reserva não tem experiência em comércio exterior, a agência argumentou que eles executam atividades meio, deixando as atividades fim para os servidores da casa. Destacou, ainda, que apenas 10 dos 77 cargos comissionados são ocupados por militares. Os demais, por funcionários de carreira.

A agência informou ainda que os salários da entidade não são definidos pelo presidente. São valores pré-fixados, constantes do Plano de Cargos, Carreiras e Salários, que está de acordo com o Estatuto Social e Regimento Interno da Agência e é aprovado pelo seu Conselho Deliberativo.

Privada ou pública?

A Apex é de direito privado, mas sem fins lucrativos e de utilidade pública, mantida por contribuições sociais feitas por empresas. Medida provisória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva autorizou o Poder Executivo a criar a agência em 2003. O presidente da empresa é nomeado pelo presidente da República. O Conselho Deliberativo, composto por cinco representantes do governo federal e quatro de entidades privadas, é presidido pelo ministro das Relações Exteriores.

O Poder Executivo define o contrato de gestão que estipula as metas, os objetivos e os prazos para sua execução. Também aprova anualmente o orçamento da Apex. A agência é fiscalizada ainda pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que faz auditorias nas contas dos órgãos da União.

Bolsonaro colocou militares no comando da Apex supostamente para colocar a casa em ordem, após sucessivas crises na diretoria indicada pelo núcleo ideológico do governo. Os substitutos foram escolhidos porque eram militares, assim como o presidente escolheu o general de divisão Eduardo Pazuello para ministro da Saúde e tem colocado generais na articulação política do governo com o Congresso.

O currículo de Segovia informa que ele “foi responsável pelos processos de logística e de aquisição internacional, quando encarregado do grupo de recebimento de navio no estrangeiro”. Segundo a agência, ele coordenou um grupo que transformou um navio de carga em navio de pesquisa. Parece pouco para uma empresa que pretende promover as exportações, a internacionalização das empresas brasileiras e atrair investimentos estrangeiros.

O diretor de Gestão, Ederaldo de Abreu Filho, serviu na Comissão Naval na Europa, onde trabalhou com contratos e licitações. Comandou Rádio Marinha em Brasília e o Navio de Desembarque Doca Ceará.

Foto de perfil de Lúcio Vaz

Lúcio Vaz

Lúcio Vaz é jornalista e cobre a política em Brasília há 30 anos, revelando mordomias, privilégios, supersalários, desvios de recursos públicos e negociatas nos três poderes. Com passagens por O Globo, Folha de S. Paulo e Correio Braziliense, ganhou os prêmios Embratel e Latinoamericano de Jornalismo Investigativo ao descobrir a Máfia dos Sanguessugas. Autor dos livros “A Ética da Malandragem – no submundo do Congresso” e “Sanguessugas do Brasil”. **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.

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