Saída de Dallagnol traz um recado importante para a sociedade: o valor da família. Diante do grande desafio de ajudar no desenvolvimento da filha bebê, que apresenta problemas no desenvolvimento e vai precisar de pais mais presentes a partir de agora, o coordenador da maior investigação de crimes de corrupção que o Brasil já viu não hesitou em priorizar a família.
A notícia da saída de Dallagnol da coordenação e da investigação da Lava Jato provocou surpresa dupla. Primeiro, porque ninguém esperava, embora alguns desejassem e até estivessem trabalhando por isso. Depois, por causa do componente pessoal revelado pelo procurador.
Entristece saber que um pai e uma mãe estão vivendo o drama de lidar com problemas de saúde de um filho, motivo apresentado por ele para abandonar o trabalho que vinha exercendo com sucesso há quase seis anos e meio.
É claro que teve gente comemorando e até espalhando a narrativa falsa de que ele está fugindo de punição junto ao Conselho Nacional do Ministério Público, onde havia um pedido para que o procurador fosse afastado do comando das investigações – pedido esse feito por ninguém menos que os senadores Renan Calheiros e Katia Abreu, dois dos investigados pela própria Lava Jato.
Queriam ver Deltan Dallagnol fora da operação de busca por provas de corrupção, com alegações como aquela história de que ele dava palestras e que isso era antiético e incompatível com o trabalho de investigador do Ministério Público Federal.
Os que pensam que a saída de Dallagnol foi uma tentativa de escapar de um processo interno do MPF são justamente aqueles que aplaudem quando corruptos condenados conseguem, eles sim, fugir de punição, não em julgamentos administrativos, mas criminais. Aliás é essa gente que comemora como vitória qualquer decisão que atrase as investigações.
Engana-se quem acha que os corruptos terão mais espaço a partir de agora. A força-tarefa já tem um novo coordenador. Sofre, sim, ataques. Sempre há riscos, porque a luta do bem contra o mal é assim mesmo. Mas a sociedade está vigilante e já demonstrou que apoia a operação.
Foi emblemático que no mesmo dia da saída de Dallagnol da Lava Jato a Câmara dos Deputados tenha aprovado um projeto de lei dobrando a pena para quem comete crimes de corrupção em períodos de calamidade pública como esse que nós estamos vivendo, da pandemia de Covid-19.
Isso é uma prova de que a sociedade está atenta, sabe se posicionar, faz pressão sobre seus representantes e não vai permitir que os corruptos e os que passam a mão na cabeça deles vençam essa guerra, porque isso é uma guerra.
Saída de Dallagnol e o valor da família
Não me causa estranheza que a menção ao problema da filha como justificativa para a saída de Dallagnol tenha sido ignorada justamente pela turma que se diz sempre “cheia de empatia”, preocupada com os mais fracos, mas que na verdade se une mesmo é para defender ideologia, ainda que essa defesa acoberte criminosos.
Nas redes sociais, esse ambiente cada vez mais poluído de raiva e rancor, chegaram a insinuar que o procurador tenha usado a saúde da filhinha de um ano como desculpa para se livrar de uma possível punição administrativa em acusações para lá de questionáveis.
Mais que leviano, isso é de uma falta de humanidade sem tamanho. Revela, mais uma vez, a hipocrisia que orienta os adversários da Lava Jato e adeptos do saque ao Estado em nome de um projeto de poder.
No vídeo que divulgou, explicando o motivo da decisão de abandonar a operação Lava Jato, Dallagnol está em frente a uma estante, com um porta-retrato que mostra um casal unido, num momento de carinho, provavelmente ele e a esposa. Num recado curto, de 3 minutos, o procurador conta que a filha, de 1 ano e 10 meses, começou a apresentar retrocessos no desenvolvimento, está passando por exames, mas já demanda mais atenção dos pais.
Com certeza não fui a única a perceber a emoção de Dallagnol, a voz ficando mais trêmula ao falar da espera angustiante que tem pela frente. Serão nove semanas até sair o diagnóstico apontando o problema real do bebê.
Ainda assim, chama a atenção no vídeo a tentativa de manter o controle emocional e seguir firme, porque por mais doído que aquilo seja há a convicção de que este era o caminho certo a seguir: cuidar da família no momento em que presença é fundamental.
Saber que um profissional desse nível está abrindo mão de uma causa pela qual dedicou anos de trabalho e que trouxe resultados expressivos para o país, é de paralisar. Ao mesmo tempo traz muita inspiração ver um um homem, com carreira de sucesso, percebendo que nada é maior e mais importante que a dedicação à própria família.
E que vem a público revelar algo tão pessoal sem fazer drama, apenas explicando o motivo real de sua saída para não dar margem a especulações.
Alertas aos pais e aos cidadãos
Dallagnol ainda aproveitou o momento da gravação do vídeo para alertar outros pais que tenham bebê em casa e que, eventualmente, possam estar diante de problema semelhante ao de sua filha sem ter percebido.
“Nós identificamos que ela passou a ter uma série de sinais de regressão no seu desenvolvimento. Ela parou de falar algumas palavras que ela já falava, ela deixou de olhar pra gente quando é chamada e passou a parar de olhar nos nossos rostos e nos nossos olhos. Se você tem bebês na sua família fique atento a esses tipos de sinais, porque essa atenção, a identificação disso, pode mudar uma vida.”
Deltan Dallagnol, procurador do MPF, descrevendo os problemas da filha bebê que o fizeram pedir para sair da Lava Jato
Dallagnol também diz no vídeo que a filha está passando por vários exames, mas que antes mesmo do diagnóstico ele e a esposa já receberam orientação de especialistas para implantarem imediatamente uma série de terapias e de tratamentos, o que vai exigir dedicação intensa dos pais, motivo pelo qual não poderia seguir com a carga de trabalho que tinha antes.
“Isso não pode esperar. Nessa idade o cérebro ainda é muito versátil e uma intervenção precoce em problemas de desenvolvimento pode fazer toda a diferença no presente e no futuro do desenvolvimento da nossa filhinha.”
Deltan Dallagnol
Quem já admirava o procurador de Justiça, o investigador, o coordenador de uma equipe profissional e extremamente dedicada, que conseguiu vitórias inéditas contra a corrupção, agora tem também um modelo de pai como inspiração.
E mesmo tendo certeza de que não havia como fugir dessa responsabilidade agora, ele não deixou de mencionar que seguirá trabalhando pela Justiça. Agradeceu o apoio que teve da população e pediu que a sociedade continue atenta.
Futuro da Lava Jato
É importante lembrar que nos próximos dias o procurador-geral da República, Augusto Aras, vai decidir o destino da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba e isso não tem nada a ver com a saída de Dallagnol.
Isso é algo que é feito todo ano. Ele pode prorrogar por mais doze meses como vinha sendo feito por seus antecessores, diante da quantidade de documentos e depoimentos ainda por analisar, ou pode dissolver a equipe que há seis anos e meio vem se dedicando exclusivamente a essa investigação e, assim, deixar muitos corruptos impunes.
Não à toa o recado final de Deltan Dallagnol foi um apelo à sociedade. “Se você apoia a Lava Jato, continue a apoiar. A operação vai continuar fazendo seu trabalho, vai continuar firme, mas decisões que estão sendo tomadas e serão tomadas em Brasília afetarão seus trabalhos. A força-tarefa tem muito por fazer; e ela precisa de seu suporte.”
“Isso que eu estou fazendo não é uma despedida. Eu não vou desistir, não vou deixar de sonhar com um país menos corrupto, um país mais justo, um país melhor. Eu vou priorizar a minha família nesse momento, mas seguirei lutando como procurador e como cidadão. E é isso que o Brasil precisa que você faça, como profissional e como cidadão.”
Bem, acabei de fazer minha parte como profissional e como cidadã. Se você concorda que mais gente precisa demonstrar apoio à Lava Jato para que ela continue firme na busca pelos criminosos do colarinho branco e pela devolução do que roubaram do país, compartilhe esse texto e o vídeo do topo da página.
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Cristina Graeml
Cristina Graeml é jornalista formada pela UFPR (1992). Trabalhou como repórter de TV por 26 anos, fazendo coberturas nacionais e internacionais. Em 2010 fez parte da equipe que ganhou o Prêmio Esso e o Prêmio Tim Lopes de Jornalismo Investigativo, entre outros, pela série Diários Secretos da Assembleia Legislativa do Paraná. Está na Gazeta do Povo desde 2018. **Os textos da colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.
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