A pandemia causada pelo coronavírus levou a uma situação inusitada nas contas públicas no primeiro semestre de 2020. Ao mesmo tempo em que a arrecadação despencou e as despesas aumentaram, levando o governo a esperar um rombo de cerca de R$ 800 bilhões para o ano, o investimento público federal nos seis primeiros meses foi o maior em seis anos.
Segundo o Tesouro Nacional, o governo investiu R$ 39,1 bilhões no primeiro semestre de 2020. Trata-se do maior valor desde 2014, último ano do primeiro mandato do governo de Dilma Rousseff (PT), quando foram gastos R$ 55,1 bilhões, em valores já corrigidos pela inflação.
Engana-se, no entanto, quem observa os dados e vê neles uma explosão do gasto federal com obras, máquinas e equipamentos – o investimento “clássico”. O que houve foi uma espécie de efeito contábil.
Isso porque, na estatística de pagamentos do Tesouro Nacional, os investimentos tradicionais são somados a uma outra despesa de capital, as chamadas “inversões financeiras” – caso, por exemplo, do dinheiro que o governo repassou na forma de garantias para empréstimos a pequenas e médias empresas durante a pandemia. Esses repasses explicam a forte alta do investimento no primeiro semestre (leia mais abaixo).
Situação fiscal limita o investimento federal há anos
Desde 2017, pressionado pela deterioração da situação fiscal, o investimento público federal tem ficado entre R$ 18 bilhões e R$ 22 bilhões. Em 2019, por exemplo, foram R$ 18,7 bilhões.
Os dados foram levantados pela Gazeta do Povo a partir do resultado primário das contas do governo central, divulgado mensalmente pelo Tesouro. Os valores foram reajustados pela inflação até junho de 2020 para efeitos de comparação.
O resultado fora da curva dos seis primeiros meses deste ano foi puxado por junho. No último mês do primeiro semestre, o investimento federal foi de R$ 26,8 bilhões. Foi o melhor resultado para um único mês de toda a série histórica iniciada em 2007 e medida pelo Tesouro Nacional.
Desse total investido em junho, R$ 21,5 bilhões foram pelo Ministério da Economia (ME) – que não é um “investidor” tradicional, ao contrário de pastas como a da Infraestrutura. Para efeitos de comparação, o ME investiu menos de R$ 3 bilhões em todo o ano de 2019.
Investimento federal no primeiro semestre
Ano | R$ bilhões* |
2007 | 14,7 |
2008 | 18,8 |
2009 | 21,6 |
2010 | 34,7 |
2011 | 40,9 |
2012 | 50,6 |
2013 | 48,1 |
2014 | 55,1 |
2015 | 35,2 |
2016 | 30,8 |
2017 | 18,7 |
2018 | 22,7 |
2019 | 18,7 |
2020 | 39,1 |
* Valores corrigidos pela inflação até junho de 2020. Fonte: Tesouro Nacional.
O que explica a forte alta do investimento no primeiro semestre
A explicação para o maior investimento dos últimos seis anos está na própria pandemia do novo coronavírus. Para combater os efeitos da Covid-19 na economia, o governo teve que destinar bilhões de reais para aumentar o dinheiro disponível em fundos garantidores que foram vinculados a programas de crédito.
O dinheiro parado nesses fundos é usado como garantia pelos bancos ao emprestar dinheiro às pequenas e médias empresas que se enquadram dentro dos critérios dos programas de crédito do governo. É uma forma de o governo garantir que os bancos vão emprestar dinheiro a taxas baratas, já que há a garantia do fundo em caso de inadimplência.
Em junho de 2020, mês em que os investimentos bateram recorde, o Ministério da Economia repassou R$ 15,9 bilhões para o Fundo Garantidor de Operações (FGO), que dá suporte ao Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe). E mais R$ 5 bilhões para o Fundo Garantidor para Investimentos (FGI), ligado ao Programa Emergencial de Acesso a Crédito (Paec).
O Pronampe oferece crédito barato (taxa Selic mais 1,25% ao ano) para capital de giro, ou seja, para que os pequenos negócios possam custear suas operações do dia a dia. A linha está disponível para negócios com receita bruta anual de até R$ 4,8 milhões.
O Paec concede garantias a empréstimos para empresas com receita bruta entre R$ 360 mil e R$ 300 milhões. O crédito pode ser contratado via “maquininha” e o valor para cada empresa é de até R$ 50 mil, com taxa de juro de 6% ao ano.
Segundo o Tesouro Nacional, esse valor do investimento público federal inclui tanto os investimentos “clássicos” – como gastos com obras e aquisição de máquinas e equipamentos – como também as chamadas “inversões financeiras”, como são os casos de repasse de dinheiro da União para cotas de fundos garantidores. Esse repasse é chamado tecnicamente de integralização de cotas.
Ou seja, o investimento do primeiro semestre de 2020 foi inflado por um resultado contábil – o repasse de dinheiro para cotas de fundos garantidores. Os dados mostram que o nível de gasto com obras, máquinas e equipamentos continua muito baixo, devido à restrição fiscal.
Orçamento pré-pandemia previa apenas R$ 22,4 bilhões em investimentos no ano todo
Neste ano, antes da pandemia, o Orçamento de 2020 aprovado pelo Congresso previa cerca de R$ 120 bilhões para as chamadas despesas discricionárias, ou seja, aquelas de livre manejo. Só que essas despesas incluem tanto os investimentos quanto o custeio da máquina pública, como pagamento passagens, diárias, energia elétrica, entre outros itens.
Para investimento, o Orçamento de 2020 pré-pandemia previa apenas R$ 22,4 bilhões. Por causa da pandemia, foi aprovado o chamado “Orçamento de Guerra”, que autorizou o governo a gastar além do permitido pelo Congresso, desde que seja para combate à pandemia e seus efeitos.
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