Quando as coisas parecem estar indo mal no Brasil, e em geral é assim que elas parecem na maior parte do tempo, sempre é um consolo olhar um pouco para Argentina. Raramente ali, o governo deixa de lado alguma chance para errar – e o resultado é que eles estão sempre piorando o que já é o pior.
Justo agora, com o país metido na crise sem tamanho que o coronavírus trouxe para o continente e para o mundo em geral, o presidente da República e as forças políticas a quem serve decidiram estatizar, para efeitos práticos, os serviços de internet, telefonia celular e televisão paga. É a Argentina querendo ficar igual à Venezuela, Cuba e outros paraísos da igualdade.
Oficialmente não foi utilizada a palavra “estatização”, mas é disso que se trata na vida real. O governo declarou que a internet, o celular e a TV a cabo são “serviços públicos essenciais”, cujo acesso deve ser garantido para “todos e para todas” – bem, só por esse “todas” já dá para se sentir muito bem para onde está indo a procissão. O centro da questão é simples: a partir de agora, é o Estado quem realmente manda em toda essa área. Para começo de conversa, já congelaram as tarifas “até o fim do ano”.
Num país que acumulou quase 16% de inflação apenas nos sete primeiros meses de 2020, não é preciso ser nenhum Prêmio Nobel de Economia para ver o que o peronismo de novo reinante na Argentina vai fazer com a comunicação eletrônica. Operar com prejuízo permanente e sem limites é prerrogativa exclusiva do Estado.
A decisão vai exatamente na mesma direção do resto: confisco fiscal nas exportações, taxação dos produtos agrícolas como se fossem artigos de luxo, tabelamento de preços, 330 bilhões de dólares de dívida externa, confusão com o FMI, calote à vista.
Lembram-se do Brasil de 30 ou 40 anos atrás, com “as missões do FMI”, os “empréstimos-ponte”, os clubes de credores e outras maravilhas? Pois é. A Argentina continua nessa mesma balada, convencida de que quanto pior a situação, mais o Estado deve se meter em tudo. A estatização da internet e do celular não tem nada a ver, é claro, com garantir “acesso” à coisa nenhuma; destina-se unicamente a aumentar o poder dos que controlam a máquina pública.
A maioria dos argentinos acha que assim é melhor. Não há, desse jeito, nenhuma possibilidade de esperar algo diferente. É cada vez mais do mesmo.
J.R. Guzzo
J.R.Guzzo é jornalista. Começou sua carreira como repórter em 1961, na Última Hora de São Paulo, passou cinco anos depois para o Jornal da Tarde e foi um dos integrantes da equipe fundadora da revista Veja, em 1968. Foi correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita pioneira do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Foi diretor de redação de Veja durante quinze anos, a partir de 1976, período em que a circulação da revista passou de 175.000 exemplares semanais para mais de 900.000. Nos últimos anos trabalhou como colunista em Veja e Exame. **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.
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