Político com carreira solidificada sobre forte apoio de grupos conservadores, com participação no legislativo e executivo – sua passagem como presidente do Brasil foi marcada pelas reformas que promoveu e por medidas tidas como antipopulares, que levaram cidadãos às ruas em grandes manifestações – e vítima de uma pandemia de doença respiratória. Esse é Rodrigues Alves, o quinto presidente da história republicana do Brasil e o primeiro a ser eleito duas vezes para o cargo, mas que morreu antes de assumir o segundo mandato por causa da gripe espanhola, em 1919.
Francisco de Paula Rodrigues Alves nasceu em 1848, em Guaratinguetá (SP). Aos 18 anos entrou para a Faculdade de Direito de São Paulo. Segundo o Atlas Histórico do Brasil da Fundação Getúlio Vargas, Rodrigues Alves teve bastante destaque no meio acadêmico, aprovado sempre com o grau máximo. Sua carreira política foi marcada por um início militante na ala conservadora, em oposição aos liberais Rui Barbosa e Afonso Pena, seus contemporâneos na academia. Na época, escrevia artigos em jornais conservadores e falava sobre assuntos internacionais, como a Guerra do Paraguai.
Formado em 1870, voltou a Guaratinguetá, onde dois anos depois foi eleito deputado provincial de São Paulo pelo Partido Conservador. Na década seguinte, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, capital federal, onde exerceu mandato na Câmara dos Deputados. Em 1887 foi nomeado presidente da província de São Paulo (equivalente da época ao cargo de governador).
Uma de suas medidas foi iniciar o combate à epidemia de varíola que assolava a região de Santos, um dos principais pontos de entrada de imigrantes no país. No ano seguinte, em meio à discussão sobre a abolição da escravatura votou favoravelmente à Lei Áurea.
Entre 1891 e 1897, Rodrigues Alves alternou cargos políticos como senador por São Paulo e ministro da Fazenda. Ele voltou à presidência da província de São Paulo em 1900, e no cargo mais uma vez tomou medidas de enfrentamento a doenças como a febre amarela e a peste bubônica – como a criação do Instituto Butantã. Além de problemas de saúde pública, o país enfrentava também uma crise econômica por conta da queda do preço do café nos mercados internacionais.
“Bota abaixo”
Em 1902, Rodrigues Alves foi eleito presidente da República. Agora o alvo de suas medidas era o Rio de Janeiro. A capital do país era tida como insalubre, marcada por epidemias de varíola, peste bubônica e febre amarela – doenças que atingiam principalmente a população de baixa renda por conta das condições precárias de habitação.
O presidente defendia que o Rio precisava passar por uma profunda remodelação urbana, e por isso tomou medidas de desapropriação e demolição de cortiços. Foi o chamado “Bota Abaixo”, que apesar de trazer melhorias no saneamento causou revolta em quem foi retirado de suas casas.
Outra medida importante tomada por Rodrigues Alves foi a nomeação do médico sanitarista Oswaldo Cruz para a chefia do Departamento Nacional de Saúde Pública. O médico, com passagem pelo renomado Instituto Pasteur, da França, decidiu combater os vetores das doenças e instituiu a guarda “mata-mosquitos” e uma verdadeira caça aos ratos que infestavam as ruas e casas dos cariocas. A varíola, transmitida de pessoa para pessoa, foi combatida com a criação de uma lei que tornou a vacinação obrigatória.
Revolta da Vacina
A medida, tomada em 1904, é um dos exemplos de como o Brasil pode ser visto como um país que divide suas leis entre as que pegam e as que não pegam. O Código de Posturas do município do Rio, criado mais de 70 anos antes da lei da vacinação obrigatória, já determinava a imunização obrigatória em todas as crianças, e previa aplicação de multa a quem não a fizesse. Não era cumprido por não ter tido apoio da população.
A oposição a Rodrigues Alves inundou o imaginário popular com as possíveis ameaças representadas pela vacinação. Jornais da época tachavam a medida como inconstitucional e alertavam para o perigo de pessoas estranhas tocarem nas esposas e filhas das famílias. A lei foi aprovada em 31 de outubro, e cinco dias depois foi criada a Liga Contra a Vacina Obrigatória. Em 10 e 11 de novembro houve manifestações nas ruas e prisões provocadas pela revolta contra a imunização. No dia 13 daquele mês, bondes foram destruídos e muitos lampiões da iluminação pública foram quebrados.
A chamada “Revolta da Vacina” estava desencadeada, e de um movimento civil escalou para uma rebelião dos militares. O pico das manifestações ocorreu em 14 de novembro. Um tiroteio entre ambas as partes, revoltosos e tropas do Exército e da Marinha apoiadores do governo, resultou em três mortes. Dois dias depois Rodrigues Alves decretava estado de sítio e retirava a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola, o que acalmou os ânimos.
Apesar da revolta, as medidas do presidente se mostraram efetivas. Dados da FGV mostram que as mortes por febre amarela, que chegaram a 984 em 1902, caíram para 289 após a vacinação obrigatória e chegaram a zero em 1909.
Em 1906 ele deixou a presidência e voltou para São Paulo. Seis anos depois, em 1912, foi indicado novamente para a presidência da província, aos 64 anos. Em seu terceiro mandato, Rodrigues Alves manteve os ideais de que investimentos na educação eram a base para o desenvolvimento. Prova disso foi a criação da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, incorporada posteriormente à Universidade de São Paulo (USP).
Com o fim do mandato, em 1916, Rodrigues Alves foi apoiado pelo Partido Republicano Paulista (PRP) para ocupar novamente uma cadeira no senado. Dentro da política do “Café com Leite”, o paulista foi novamente eleito presidente da República em 1918, com o mineiro Delfim Moreira como vice. O apoio a Rodrigues Alves era tamanho que seu concorrente, Nilo Peçanha, teve apenas 1% dos votos.
A saúde do presidente recém-eleito, porém, já era bastante frágil. Em 1913 ele já havia se afastado do governo de São Paulo, e agora enfrentava a gripe espanhola, disseminada no Brasil desde 1917. Rodrigues Alves não tomou posse em 15 de novembro de 1918 e, em janeiro de 1919, morreu de gripe aos 70 anos.
Antes e depois de Rodrigues Alves
Biógrafos e estudiosos não hesitam em reforçar a importância de Rodrigues Alves para a modernização do Rio de Janeiro. “Não é exagero dizer que há um Rio de Janeiro antes e depois de Rodrigues Alves”, afirma Fernando Figueiredo Mello, autor do livro “Rodrigues Alves – A modernização do Rio de Janeiro”.
Político preocupado com os gastos públicos, quando se reunia com apoiadores e auxiliares Rodrigues Alves pagava do próprio bolso as refeições pedidas na Confeitaria Pascoal, como conta Isabel Lustosa em “Histórias de Presidentes – a República do Catete”.
Democrata convicto, era motivo de piadas por parte da imprensa (alguns periódicos o deram a alcunha de “soneca”) e mesmo assim nunca tomou qualquer medida que cerceasse o trabalho de repórteres e cartunistas. Lutou por toda uma vida pela educação e pela promoção da saúde pública, e deixou como legado o Instituto Butantã e a Fiocruz. Ironia do destino, entrou para a história vítima de um vírus.
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