“Debandada” na equipe econômica

Nas palavras do ministro da Economia, Paulo Guedes, foi uma “debandada”. Talvez não tanto pelo número de secretários especiais que deixaram o governo ao mesmo tempo, pois foram apenas dois, mas pela sua qualidade e pela relevância das tarefas que vinham executando. Salim Mattar era secretário de Desestatização e Privatização; Paulo Uebel, de Desburocratização, Gestão e Governo Digital. Eram figuras-chave da equipe econômica, derrotadas pela frustração de não enxergar seus esforços frutificarem como esperado, em uma demonstração muito clara das dificuldades que a pauta liberal encontra para se tornar realidade no Brasil.

E isso considerando que Mattar e Uebel têm o que mostrar quando analisam sua passagem pelo governo em pouco mais de um ano e meio. O pente-fino de Mattar e sua equipe escancarou o tamanho do Estado-empresário brasileiro, muito maior do que se imaginava, e no ano passado o governo bateu a meta do programa de desestatização, levantando R$ 105,5 bilhões. Já a secretaria de Uebel foi responsável pela MP (posteriormente convertida em lei) da Liberdade Econômica, e que já pode ser contada entre os legados mais importantes do governo Jair Bolsonaro na economia. Isso já é muito mais do que vinha sendo feito até então, mas não o suficiente para colocar definitivamente um país como o Brasil no rumo certo, com um governo enxuto e eficiente. Mattar e Uebel sabiam disso e continuavam dispostos a atingir objetivos mais ambiciosos.

A hesitação do governo em colocar na mesa a reforma administrativa mostra a força do corporativismo

pandemia da Covid-19 já tinha levado Mattar a adiar para 2021 todas as privatizações previstas para este ano, considerando que os ativos estariam depreciados demais para o governo se desfazer deles agora, sem contar que a crise mundial também afetou o poder de fogo da iniciativa privada. Mas o então secretário percebeu que os obstáculos que ele enfrentava não se limitavam a episódios imprevisíveis como o coronavírus, mas a uma estrutura incrustada no aparato estatal brasileiro: “o establishment composto diretamente pelos empregados públicos, sindicatos, fornecedores, comunidades, políticos locais, partidos de esquerda e lideranças políticas tem sido uma barreira natural para a privatização”, escreveu Mattar em um artigo no site Brazil Journal. Acrescente-se, ainda, o ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal, que, em uma decisão equivocada, exigiu aval do Legislativo para toda e qualquer privatização, com exceção das subsidiárias; e o apetite por cargos de políticos do Centrão, os mais novos aliados de Bolsonaro no Congresso, e está montada uma barreira quase intransponível à venda de empresas estatais, especialmente as “joias da coroa”.

No caso de Uebel, o estopim para sua saída foi a decisão do governo de adiar – mais uma vez – o envio da reforma administrativa ao Congresso Nacional. E, aqui, a maior parte da responsabilidade cabe, infelizmente, ao próprio Poder Executivo. Desde o segundo semestre do ano passado, o texto já esteve a ponto de ser levado ao Legislativo em algumas ocasiões, mas sempre esbarrou na falta de aval de Bolsonaro. Reforma, agora, só em 2021, conforme afirmou o próprio presidente – o timing é político, justificou Paulo Guedes. O adiamento ocorre apesar de o governo já ter descartado alterações para os servidores da ativa, mudando as regras apenas para aqueles que vierem a ser contratados no futuro, uma decisão que evitaria a judicialização da reforma e amenizaria resistências entre os parlamentares que têm no funcionalismo sua base eleitoral.

A hesitação do governo em colocar na mesa a reforma administrativa, mesmo poupando os atuais servidores e apesar das enormes distorções que o serviço público introduz na economia brasileira, mostra a força do corporativismo. Essa força foi percebida claramente durante a tramitação da reforma da Previdência, com direito a intervenções pessoais de Bolsonaro em benefício de determinadas classes do funcionalismo com as quais ele tem mais afinidade. No fim, o texto acabou mantendo uma série de privilégios que iam muito além de necessárias diferenciações para carreiras que têm características especiais e, por isso, mereciam regras próprias. O corporativismo não descansou nem mesmo enquanto milhões de brasileiros perdiam o emprego ou parte da renda como consequência da paralisação da atividade econômica graças à Covid-19: enquanto o STF impedia o governo de reduzir salários e jornadas do funcionalismo, o mesmo governo deixava a porta aberta para reajustes em vários estados.

As forças que impediram Mattar e Uebel de atingir seus objetivos, a ponto de quebrar sua louvável força de vontade na intenção de melhorar o Brasil, cobram um preço caríssimo do país. O funcionalismo continuará a ser um indutor de desigualdade, conforme um estudo já clássico do Ipea, e sugando cada vez mais recursos do contribuinte, enxergando-se como fim em si mesmo, e não como meio de servir o cidadão. Segundo Mattar, o rombo de estatais ineficientes em dez anos consumiu recursos que poderiam ter reduzido em um terço o déficit habitacional brasileiro.

A realidade tem ficado aquém das expectativas realistas para esta primeira metade de mandato

A vitória eleitoral de Bolsonaro havia dado esperanças aos brasileiros em muitos campos, inclusive o econômico. Evidentemente, afirmações como a intenção de “privatizar uma estatal por semana” estavam mais para o exagero retórico que para uma meta factível, e ninguém na formidável equipe econômica que Paulo Guedes montou era ingênuo o suficiente para supor que velhos vícios seriam facilmente derrotados e o Brasil viraria um paraíso do liberalismo em quatro anos. Mesmo assim, havia muitos motivos para acreditar que as reformas macroeconômicas viriam, que o Estado seria enxugado, que o empreendedor teria mais liberdade. A realidade, no entanto, tem ficado aquém das expectativas realistas para esta primeira metade de mandato, mesmo considerando os efeitos da pandemia.

Guedes afirmou que a resposta à saída dos secretários seria “avançar com as reformas”, e Bolsonaro tuitou em defesa das privatizações e do teto de gastos, reforma importantíssima realizada ainda no governo de Michel Temer e que está na mira dos gastadores. São manifestações bem-vindas, mas a essa altura apenas palavras não bastarão para manter nem a esperança do brasileiro que votou em Bolsonaro contando com a implementação da agenda de reformas econômicas, nem o estímulo daqueles que permanecem em uma equipe econômica que vai lentamente se desfazendo.


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