O Brasil vai sair da crise da Covid-19 em uma situação fiscal bastante fragilizada e o modo como o país conduzirá essa recuperação trará impactos não apenas econômicos, mas, sobretudo, políticos. Depois de um movimento “fura-teto” ganhar força dentro do governo e da má reação do mercado, o presidente Jair Bolsonaro convocou seus principais ministros e os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), para um pronunciamento conjunto, nesta quarta-feira (12), em que reafirmaram o compromisso com o teto de gastos.
“Nós respeitamos o teto dos gastos, queremos a responsabilidade fiscal, e o Brasil tem como realmente ser um daqueles países que melhor reagirá à questão da crise”, declarou Bolsonaro. Maia aproveitou o pronunciamento para reafirmar “o compromisso com o teto de gastos e a boa qualidade do gasto público”. Alcolumbre também ressaltou que “a agenda de responsabilidade fiscal” é prioridade na Casa.
O teto de gastos, que limita o crescimento das despesas da União, marcou os debates das últimas semanas. Algumas alas do governo defendiam uma flexibilização das regras para que o governo pudesse gastar acima dessa linha, aproveitando brechas abertas pelo estado de exceção causado pela pandemia do novo coronavírus. A questão é que uma eventual flexibilização das regras para gastar mais ou mesmo a adoção de artimanhas para burlá-las têm efeitos potencialmente nocivos para a economia e podem até motivar um pedido de impeachment do presidente por crime de responsabilidade.
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Breque do movimento fura-teto
A convocação de última hora para o pronunciamento foi tanto um aceno para o mercado quanto um afago para o ministro da Economia, Paulo Guedes. Com a fala conjunta – e a ausência da ala militar – Bolsonaro também mandou um recado mais firme para os governistas que buscavam alternativas para o governo descumprir o teto de gastos.
O presidente demonstrou consonância com Guedes, que foi afetado por baixas em seu time e um aparente enfraquecimento da agenda liberal. O ministro vinha defendendo reiteradamente o cumprimento do teto de gastos e alertando para o risco de Bolsonaro ser mal aconselhado e acabar em uma situação delicada, sob risco de enfrentar um impeachment.
Os primeiros sinais do mercado, incomodado também com a debandada da equipe econômica, já tinham sido captados pelo alto escalão do governo. Antes mesmo do pronunciamento conjunto, presidente, vice-presidente e ministros-chave vieram a público defender o teto de gastos como âncora fiscal do país e se comprometer em respeitá-lo. O não cumprimento do teto pode azedar de vez a retomada da economia brasileira, fazendo com que o país perca credibilidade e aumente o risco a investidores, além da provável elevação da taxa de juros e do nível do câmbio.
A saída de integrantes importantes do Ministério da Economia também mostrou como o time do ministro Paulo Guedes está sujeito à pressão da ala mais populista do governo. Aí aparecem tanto os ministros militares – que querem emplacar o plano Pró-Brasil mesmo à revelia de Guedes – e a turma que defende o aumento do investimento público federal, principalmente em grandes obras, para impulsionar a economia – é o caso dos ministros Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional).
Os riscos de furar o teto de gastos para a economia
A pressão que pairava sob Bolsonaro para furar o teto de gastos agitou o mercado e movimentou o governo, que passou a quarta-feira (12) reiterando o compromisso com a medida. É justificável. Em caso de rompimento, a Constituição já prevê o acionamento de alguns gatilhos para redução de gastos com pessoal: não haveria mais reajuste para o funcionalismo, tampouco seriam feitos concursos públicos.
Mas, para o economista Silvio Campos Neto, sócio da Tendências Consultoria, o principal risco é da flexibilização das regras. “Em tese, vocês está ‘legalizando’ um descumprimento. O fato de furar o teto por si só não é o maior dos problemas, porque isso vai acionar gatilhos corretivos que existem para recolocar o país nos trilhos”, analisa.
Por isso, a preocupação é a aprovação de medidas que permitam “driblar” o teto por mais tempo, para além de 2020, em que a situação já é diferente por causa da PEC do Orçamento de Guerra e em decorrência do aumento de gastos causados pela pandemia.
“As questões para 2021 estão bastante claras: se houver alguma tentativa de estender para o ano que vem uma parte grande dessas despesas extraordinárias que exijam uma mudança na regra do teto, isso certamente terá uma repercussão muito grande nos mercados”, avalia Campos Neto. O economista ainda lista três principais efeitos na economia do país: maior prêmio de risco, taxa de câmbio mais elevada e pressão nas taxas de juros futuras.
“São situações que certamente tornam mais difícil o cenário econômico, porque pressiona juros, câmbio, perde confiança, dificulta investimentos, a própria retomada da economia. A princípio, seria uma saída muito prejudicial para o cenário econômico”, analisa.
Impactos no curto e longo prazo
A economista da Coface para América Latina, Patricia Krause, aponta que o risco soberano é o que seria mais impactado em um curto prazo. Mas ela lembra que a depreciação do real, saídas de capital, que já ocorreram esse ano, além do aumento da dívida pública, provocam um freio no potencial crescimento da economia.
Para a economista, a baixa taxa de juros – atualmente a Selic está em 2% ao ano – pode mudar, já que o risco fiscal é sempre mencionado pelo Copom e, num caso de rompimento de teto, ele estaria mais do que materializado. “A gente já tinha um crescimento aquém do esperado, e não recuperamos o que foi perdido da recessão de 2015/2016”, aponta.
O comprometimento da trajetória de crescimento de longo prazo foi apontado por Juliana Inhasz, professora de economia do Insper, como um dos maiores riscos do rompimento do teto. “O investidor que hoje olha com desconfiança sabe que as metas de médio e longo prazo serão cumpridas, porque temos políticas críveis. O governo consegue ter credibilidade em suas políticas porque as pessoas acreditam que as outras reformas vão passar e hoje é uma situação de exceção”, analisa.
Para Juliana, além da percepção do mercado, o risco de furar o teto é prejudicar a capacidade do governo de ficar dentro das metas. Isso implicaria em déficits maiores, manutenção da dívida pública em patamar elevado e toda uma sequência de acontecimentos – como pressão sobre a taxa de juros e elevação do risco Brasil – que pioraria as condições estruturais para que a economia cresça. “Seria como escolher se você topa diminuir o tombo no curto prazo para ter um crescimento medíocre no médio e longo prazos”, avalia.
Orçamento para 2021 ganha mais peso e força discussão sobre teto
O governo tem até o final de agosto para enviar o projeto de lei orçamentária para 2021, e o debate sobre cumprimento do teto de gastos chama ainda mais a atenção para a proposta. “O orçamento vai estar no centro das atenções nas próximas semanas, porque a gente vai ter uma dimensão mais real da intenção do governo em relação ao cumprimento ou não das metas fiscais para o ano que vem”, avalia Silvio Campos Neto, sócio da Tendências Consultoria.
Mas é também por causa do engessamento do Orçamento que uma eventual discussão sobre a revisão do teto possa vir à tona. Na avaliação da economista-chefe da Reag Investimentos, Simone Pasianotto, qualquer decisão ou transição abrupta de mudanças nas regras do teto vai gerar algum desgaste, mas do jeito como ele está posto, não se sustenta – nem para o lado de quem defende a medida pelo viés de controle da despesa pública, nem para quem se opõe e argumenta que o governo precisa gastar para estimular a economia.
“A gente precisa ter controle das contas públicas para não incorrer em inflação e aprofundar o aspecto acessório. E precisamos tentar alinhavar uma forma equilibrada de reformar o orçamento público, preservando gastos discricionários como investimento e tendo mais flexibilidade de alocação de recursos. A contração fiscal expansionista prevista pela politica de teto dos gastos não se sustenta na atual conjuntura”, pontua.
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