Apparício Torelly, o Barão de Itararé, dizia que de onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo. Por mais que o vício da gozação me tente, o apreço à verdade não me permite definir assim a atividade judicante do excelentíssimo ministro José Antonio Dias Toffoli.
Da reputação ilibada e do notório saber jurídico de José Antonio, o Dias Toffoli, brotam ideias extraordinárias, iluminações de escandalizar os ladrilhos da rua e ruborizar os seixos da praia. Dele se pode dizer: de onde tudo se espera, sai tudo e qualquer coisa.
Qualquer coisa como, por exemplo, sua concepção acerca do papel de um ministro do Supremo Tribunal Federal. Já não lhe basta julgar o que tem de julgar, do aborto ao Brasileirão de 87, mas também cuidar dos outros poderes e intrometer-se nas minúcias de que uma nação é feita.
E, why not, fazer as vezes de editor-geral da República.
De fato, sempre estranhei essa liberdade que a Gazeta do Povo me dá. Escrevo o que me vem à cabeça, nem sempre o que me vem à cabeça é crônica que se apresente à mãe, mas não há quem interdite uma frase, uma piada, um título. Sou livre como um existencialista sartreano. Os censores desta Gazeta não trabalham direito. A pátria corre perigo.
Dias Toffoli acredita – pior: acredito mesmo que ele acredite, com a sinceridade dos fanáticos – que é função do STF editar a opinião pública. Eu agradeço a disposição e peço também um revisor para me salvar das eventuais gralhas. Quero ser um comentarista melhor. Quero escrever só o que me deixarem escrever e não mais do que isso. O Brasil? Amo-o, e por isso não o deixo.
Mas, se o ministro, minto, o patrão me permite, gostaria de fazer uma breve ressalva. Que ele por favor não se ofenda e, julgando conveniente, chame o copidesque e edite a ressalva.
Já faz tempo o Supremo tem confundido defesa com ataque, crítica com ameaça, imbecil com criminoso.
Quem me lê sabe o que penso a respeito daqueles que, para justificar o presidente Bolsonaro, avançam as linhas e sugerem – ou explicitamente pregam – qualquer sorte de ditadura do Executivo, além do fechamento do Congresso, do STF e de veículos da imprensa.
Acontece que um erro é um erro, outro erro é outro erro. Que nosso Judiciário proponha o mesmo é de se denunciar e combater. O “inquérito das fake news” é um caso; a suspensão de blogs e sites governistas, outro; o projeto de lei das fake news, um caso ainda pior.
Deus me livre e guarde de defender os personagens (sabemos quem são) que tiveram sua liberdade cerceada. Não ando com gente estranha. Mas a desculpa de combater o discurso de ódio ou proteger as instituições não pode virar desculpa para coibir qualquer discurso e proteger de críticas as instituições.
Sim, eu sei, direito nenhum é absoluto. Isso é uma verdade, mas também é uma platitude.
Porque a liberdade de expressão é um desses direitos cujo limite há de ser posto o mais longe possível da vista dos censores, fora do alcance das mãos do poderosos, sob pena de se estreitar muito rapidamente num piscar dos olhos democráticos.
Seria razoável, além disso, distinguir bem a gravidade dos perigos e o modo correto de lidar com eles, para não cometer o erro do menino que gritava lobo lobo lobo quando não havia lobo nenhum. Até que o lobo apareceu, o menino gritou, mas não houve ninguém que acreditasse nele.
Apelar ao judiciário toda vez que um discurso nos incomoda, por mais detestável que seja o discurso, é gritar lobo lobo lobo à toa. Má política se combate com boa política. O mau uso da liberdade de expressão se corrige com o bom uso dela. Dá trabalho, não dá manchete, mas compensa.
Gustavo Nogy
**Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.
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