Era época de Guerra Fria, e a União Soviética representava a grande ameaça ao mundo livro. Uma ameaça que vinha não só fora, pelo poder bélico do império comunista, como de dentro, pela quantidade de agentes comunistas, oficiais ou atraídos pela ideologia, no próprio Ocidente.
Mas a URSS não contava com duas barreiras humanas: Ronald Reagan e o Papa João Paulo II. Ambos encaravam o comunismo como um problema moral acima de tudo, e estavam dispostos a combate-lo. Margaret Thatcher fecha o trio de heróis da liberdade, que mudou a história da humanidade.
Em seu livro sobre os três gigantes, John O’Sullivan resgata o clima daqueles anos e mostra como foi crucial a clareza moral apresentada por eles. No caso específico da Polônia, o papel de Reagan e do Papa foi definidor e alterou o destino de milhões de indivíduos. O movimento Solidariedade só sobreviveu e prosperou graças aos dois.
A CIA chegou a gastar milhões para colaborar com o grupo de Lach Walesa, e o apoio moral do Papa, que visitou a Polônia e mobilizou milhares de católicos, fez toda diferença do mundo. “Tanto [o Papa] como Reagan concordavam que a Polônia era a chave para destrinçar a divisão injusta da Europa”, escreve o autor. E Reagan concordava: “Ambos sentimos que um grande erro tinha sido cometido em Ialta, e que alguma coisa devia ser feita. O Solidariedade foi a arma para o conseguir”.
Reagan e João Paulo II eram anticomunistas convictos, até porque Woytila, antes de se tornar Papa, viveu na Polônia comunista e conhecia os resultados concretos da nefasta ideologia. Não era uma união de interesses apenas, portanto, mas de visões de mundo. O que fica claro no relato de George Weigel:
Quando Reagan fez um longo discurso em Westminster, para o Parlamento britânico e a primeira-dama Thatcher, sem qualquer ajuda de teleprompter, o que mais chamou a atenção foi a firmeza moral de seus ataques ao regime comunista. Ele repetiria o tom depois, na Associação Nacional dos Evangelistas na Flórida, para choque da intelligentsia.
“Não é provável que os russos participem no seu próprio suicídio”, disse Tom Brokaw. Logo, por que irrita-los, “negando ao seu sistema qualquer presunção de legitimidade política?”. Anthony Lewis, no New York Times, chamou o discurso de Reagan, que levou os evangélicos ao delírio, de “primitivo”. Tom Wicker, do mesmo jornal, atribuiu uma “mentalidade de guerra santa” ao presidente.
Reagan era tratado como cowboy beligerante e ignorante pela mídia. Seus ataques à própria legitimidade e existência do regime soviético eram vistos como excessos retóricos alucinados e perigosos. O que não entendiam é que Reagan, assim como o Papa, levava a sério as ideias, os princípios e a ideologia como frentes de combate equiparáveis às mais tangíveis frentes de combate econômicas, militares e territoriais da Guerra Fria. Ele travava, enfim, uma guerra cultural.
Os soviéticos acusavam o Ocidente de racista, imperialista, colonialista, e o Ocidente não retaliava. Com Reagan isso mudaria de vez. A URSS virou o “império do mal”. E a “diplomacia do megafone”, apoiada pela ameaça militar crível com a “Guerra nas Estrelas” (aumento de gastos militares), por mais que fosse alarmante para os europeus e muitos americanos da elite, surtiu efeito e abalou as estruturas do regime inimigo.
O Papa tinha ajudado a rachar a fachada de poder imperturbável do regime na Polônia, e Reagan deu a munição extra que faltava. Os dois, em resumo, tinham “criado as condições sociais para o clandestino Solidariedade sobreviver e desafiar o regime”. Ter clareza moral e coragem para externar tais convicções é fundamental para defender o mundo livre e ajudar dissidentes de regimes opressores.
Rodrigo Constantino
Economista pela PUC com MBA de Finanças pelo IBMEC, trabalhou por vários anos no mercado financeiro. É autor de vários livros, entre eles o best-seller “Esquerda Caviar” e a coletânea “Contra a maré vermelha”. Contribuiu para veículos como Veja.com, jornal O Globo e Gazeta do Povo. Preside o Conselho Deliberativo do Instituto Liberal. **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.
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