As viagens de Dilma e Temer: mordomias, cancelamentos e a guerra do impeachment

As viagens da presidente Dilma Rousseff custaram R$ 3 milhões em 2015| Foto: Roberto Stuckert Filho/Presidência da República

A gastança com viagens da presidente Dilma Rousseff e do seu vice, Michel Temer, foi mantida no ano do impeachment que parou o governo e o país, em 2016. Foram gastos R$ 4,7 milhões com diárias e passagens. No ano anterior, eles haviam gasto R$ 5 milhões. E houve ainda as despesas com deslocamentos dos familiares de Dilma – R$ 564 mil – e dos seguranças da residência de Temer em São Paulo – R$ 790 mil. Em 2018, já presidente, Temer gastou sozinho R$ 4,1 milhões. Em 2017, todos os ex-presidentes torraram R$ 1,5 milhão em viagens. Todos os valores foram atualizados pela inflação.

O blog acessou dados oficiais da Presidência da República – que paga a conta – com as despesas dos presidentes, dos vice-presidentes e dos ex-presidentes de 2014 a 2020. A era petista foi batida pelo governo Jair Bolsonaro em 2019, quando o presidente e o vice, Hamilton Mourão, gastaram juntos R$ 9 milhões. As viagens do presidente e dos seus familiares custaram R$ 5 milhões, como mostrou reportagem do blog. Em 2015, último ano completo de Dilma, suas viagens custaram R$ 2,5 milhões, valor pouco abaixo das despesas de Temer – R$ 2,57 milhões.

A Câmara dos Deputados aprovou a proposta de impedimento de Dilma em 17 de abril de 2016, mas somente em 12 de maio ela foi afastada pelo Senado. Bem antes disso, de meados de janeiro a início de março, o vice-presidente percorreu 22 capitais em jatinhos oficiais. Formalmente, estava em campanha pela reeleição ao cargo de presidente do PMDB, mas o clima era de pré-impeachment, que teve o processo iniciado em 12 de dezembro do ano anterior.

O custo dessa caravana chegou a R$ 520 mil em passagens e diárias, sem contar a despesa com a utilização de jatinhos da Força Aérea Brasileira (FAB). Só as passagens para seguranças e equipe de apoio de Temer custaram R$ 400 mil. O vice-presidente não defendia abertamente o impeachment, mas seus aliados deixavam escapar o projeto do partido.

Em Campo Grande, já em 4 de março, a senadora Simone Tebet disse que Temer era vice-presidente da República e não do governo: “Esse governo não nos representa. Não representa os interesses do povo brasileiro”, afirmou. O deputado federal Carlos Marum, defendeu o imediato rompimento com Dilma. “Temos que entregar de imediato todos os cargos no governo. E o senhor tem que estar preparado para qualquer eventualidade, para ajudar o Brasil”, completou, dirigindo-se a Temer.

Dilma cancela viagens, mas não gastos

Enquanto Temer articulava com o PMDB e aliados país afora, Dilma via o seu mandato minguando. Fez apenas duas curtas viagens internacionais no início daquele ano, para Santiago e Quito. A visita a Grécia, onde acompanharia a cerimônia de acendimento da tocha dos Jogos Olímpicos do Rio na cidade de Olímpia, no dia 17 de abril, foi cancelada no dia 8. Mas o governo já havia gasto de R$ 64 mil com o escalão avançado.

Dilma cancelou também a viagem que faria para Washington (EUA), em 31 de março, onde participaria da Cúpula de Segurança Nuclear. O cerco do impeachment se fechava. Caso Dilma participasse do compromisso, Temer assumiria a Presidência. O escalão avançado, que preparou a viagem, já tinha consumido mais R$ 140 mil.

A presidente foi a Nova York, em 22 de abril, após a decisão da Câmara sobre o impeachment, para assinar a Convenção das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, o Acordo de Paris. Prometeu alcançar o “desmatamento zero” na Amazônia: “Nosso desafio é restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas”. Ela também mencionou o “grave momento” que o Brasil vivia, mas destacou: “Nosso povo é trabalhador e com grande apreço pela liberdade. Saberá impedir quaisquer retrocessos”. A viagem custou R$ 145 mil.

“Eventos privados” com dinheiro público

Já como presidente afastada, a partir de maio, foi a vez de Dilma viajar pelo país em busca de apoio, em atos públicos e reuniões de articulação. Esteve em 12 capitais, fazendo uma despesa de R$ 1,25 milhão, sendo R$ 866 mil apenas com passagens para os seguranças pagos pela Presidência. A maior parte dos deslocamentos foi para Porto Alegre, onde fez carreira política e tem familiares. Essas despesas somaram R$ 540 mil. Em várias viagens, os registros informam que se tratava de “evento privado”. Só eles custaram R$ 326 mil.

Até o momento em que foi afastada do cargo, à espera do julgamento no Senado, Dilma havia gasto R$ 580 mil com viagens. Somando todos os períodos, como titular ou presidente afastada, as despesas somaram R$ 1,77 milhão. Os gastos com viagens dos seus familiares somaram R$ 160 mil. Eles usufruíram suas mordomias até os últimos momentos. Estiveram nos Jogos Olímpicos, em agosto, fazendo uma despesa de R$ 44 mil com as equipes de segurança. Dilma perdeu definitivamente o mandato em 31 de agosto.

As despesas com os deslocamentos de Temer até o Rio de Janeiro, na condição de presidente interino, em reuniões preparatórias e durante o evento, chegaram a R$ 288 mil – tudo com a equipe de segurança e de apoio. Os familiares do presidente também pegaram a sua beirada, mas gastaram menos: R$ 17 mil. Até um ex-presidente aproveitou a boquinha. O nome não foi divulgado, mas a conta ficou em R$ 5 mil.

Presidência sonega “informações sensíveis”

O desperdício de dinheiro público não aconteceu apenas na gestão de Dilma. Temer marcou uma viagem para quatro países do Sudeste Asiático, Cingapura, Timor Leste, Vietnã e Indonésia, de 5 a 13 de janeiro de 2018. Em cima da hora, a viagem foi adiada por causa de problemas médicos do presidente. Mas a Presidência já havia feito uma despesa de R$ 490 mil com escalão avançado e a missão precursora.

A visita foi remarcada para maio. Porém, novamente em cima da hora, teve que ser cancelada definitivamente. O inquérito da Polícia Federal sobre corrupção no Porto de Santos havia marcado o depoimento de um familiar do presidente. Os gastos com essa “segunda” viagem já estavam em R$ 850 mil. O prejuízo total ficou em R$ 1,34 milhão.

O blog perguntou às Presidência da República nesta semana se houve reembolso parcial ou total das passagens. A Secretaria de Comunicação afirmou que “as informações pedidas são consideradas sensíveis por envolverem informações pessoais de ex-presidentes da República”.

Mas Temer fez outras viagens em 2018. A mais cara foi para Nova York, para participar da Assembleia das Nações Unidas, em setembro. Os custos foram de R$ 374 mil. Para a Suíça, onde participou do Fórum Econômico Mundial de Davos, as despesas ficaram em R$ 190 mil. Ele também esteve em Buenos Aires, Guatemala, Lima, Lisboa e Marraqueche, fechando a conta das viagens em R$ 4,1 milhões.

Em 2017, o roteiro mais caro foi para a Moscou e Varsóvia, onde ficou de 13 a 18 de setembro, com despesas de R$ 427 mil.

Os gastos com os ex-presidentes da República em 2017, no total de R$ 1,5 milhão, não estão detalhados nos registros da Presidência. Não dá para saber quanto cada um gastou. No que se refere a Dilma, dá para identificar uma viagem. Ela fez um roteiro de causar inveja, incluindo Sevilha, na Espanha; Província de Brindisi, na Itála; e finalizando em Paris. Mais R$ 166 mil na conta do contribuinte. Mas os demais dados podem ser checados em reportagem publicada pelo blog sobre gastos com ex-presidentes, previstos em lei. Eles já torraram R$ 60 milhões até agora.

Lúcio Vaz

Lúcio Vaz é jornalista e cobre a política em Brasília há 30 anos, revelando mordomias, privilégios, supersalários, desvios de recursos públicos e negociatas nos três poderes. Com passagens por O Globo, Folha de S. Paulo e Correio Braziliense, ganhou os prêmios Embratel e Latinoamericano de Jornalismo Investigativo ao descobrir a Máfia dos Sanguessugas. Autor dos livros “A Ética da Malandragem – no submundo do Congresso” e “Sanguessugas do Brasil”. **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.

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