Prisão em 2ª instância retorna aos holofotes da Câmara sob risco de ser enfraquecida

Anseio popular, a PEC da prisão em segunda instância volta a ser discutida na Câmara dos Deputados.| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

A Câmara dos Deputados promete votar em agosto a proposta de emenda à Constituição (PEC) que estabelece a prisão de condenados após julgamento em segunda instância judicial. A discussão representa a retomada de um assunto que figurou entre os mais debatidos pelo Congresso no fim de 2019 e no começo de 2020, mas que acabou excluído das prioridades com a deflagração da pandemia de coronavírus. Apesar do otimismo em relação à aprovação, defensores da emenda reconhecem haver articulações para enfraquecer a proposta.

O presidente da comissão que avalia a PEC, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), disse à Gazeta do Povo que quer concluir os trabalhos do colegiado no início do próximo mês. “Chamarei reunião da comissão para fazermos os debates e a votação”, afirmou Ramos. Autor da proposta, o deputado Alex Manente (Cidadania-SP) reforça o otimismo: “sim, o projeto vai ser votado. A comissão vai retomar os seus trabalhos e vamos levar a PEC ao plenário”.

A confiança dos deputados é estimulada por declarações do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Em entrevistas recentes, Maia disse que quer conduzir as discussões sobre o tema em agosto. O presidente disse que a proposta representa uma “demanda da sociedade” e que espera que o assunto seja solucionado pelo próprio Congresso – ou seja, que não acabe definido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como ocorreu em outras ocasiões.

A prisão dos condenados em segunda instância havia entrado na agenda política principalmente por causa do posicionamento que o STF emitiu em novembro do ano passado, quando entendeu que o encarceramento após condenação em segunda instância é inconstitucional. A decisão do STF permitiu a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que deixou a cadeia em Curitiba um dia após o Supremo concluir o julgamento.

A partir dali, uma série de projetos sobre o assunto foi apresentado no Parlamento. Antes da pandemia, a expectativa era de que o Congresso concluiria a análise sobre o tema ainda no primeiro semestre.

O que diz o texto em debate

A PEC apresentada pelo deputado Alex Manente possibilita a prisão dos condenados após o julgamento em segunda instância por alterar, na Constituição, o momento do chamado “trânsito em julgado”.

Atualmente, considera-se que uma ação transitou em julgado (ou seja, não tem mais possibilidade de recurso) após ser avaliada pelo STF ou pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) – no caso do Supremo, se o recurso argumenta que o julgamento desrespeitou a Constituição; no caso do STJ, se houve infração a alguma lei.

Com a proposta em tramitação na Câmara, o trânsito em julgado ocorreria após a decisão dos juízes de segunda instância – uma abaixo do STJ. Os recursos às instâncias superiores (STJ e STF) seriam considerados um novo processo. Isso faria com que uma pessoa que receba uma condenação emitida pela segunda instância deixe de ser inocente; e possa, portanto, ser presa.

O texto de Manente ganhou força no Congresso e superou outras propostas, como uma elaborada pelo senador Lasier Martins (Podemos-RS), que não modifica a Constituição, e sim o Código de Processo Penal. “A emenda à Constituição é a medida mais segura. Um projeto de lei pode ser positivo, mas tenderia a ser contestado. Com a emenda, garantimos a ideia no texto da Constituição”, declarou Manente.

Apesar de ter ficado conhecida como a proposta da “prisão em segunda instância”, a PEC não em efeitos apenas no campo penal. Como determina restrições a recursos a STF e STJ, também fará com que decisões sejam cumpridas com mais velocidades em outras esferas, como trabalhista e penal. “Não estamos falando apenas de prisão em segunda instância, mas de condenação em segunda instância. Porque os efeitos da PEC não estão restritos ao âmbito penal. A proposta é importante para evitar também a protelação e os intermináveis recursos em outras áreas”, diz o deputado Aliel Machado (PSB-PR), vice-presidente da comissão da Câmara que debate a PEC.

PEC da segunda instância enfrenta articulação para enfraquecê-la

Segundo defensores da PEC, existem em curso movimentações para diminuir a efetividade da proposta. A acusação foi feita pelo relator da PEC, o deputado Fábio Trad (PSD-MS).

Em entrevistas à Folha de S. Paulo e à TV Globo, o parlamentar disse que deputados buscam modificar a proposta para fazer com que seus efeitos valham apenas para delitos cometidos após a promulgação da PEC. Ou seja, mesmo com a modificação na Constituição, condenados apenas na segunda instância poderiam continuar em liberdade. Trad disse que a PEC está sob ameaças e que a iniciativa precisa de “apoio da sociedade” para prosperar no Legislativo.

Embora considere “natural” a busca pela atenuação dos efeitos da proposta, Manente critica a articulação para enfraquecer a PEC e também reforça a necessidade do apoio da sociedade. O deputado disse que pressões pelo enfraquecimento da medida existiram desde os primeiros passos de sua tramitação.

Já o presidente da comissão que avalia a PEC, Marcelo Ramos, acredita que a manobra não prosperará. “Isso não tem nenhuma chance de passar. Não concordamos com a ideia de aplicar os efeitos da PEC aos processos já em curso, porque isso seria mudar as regras com o jogo em andamento. Mas também não podemos aceitar a ideia de aplicá-la apenas aos fatos ocorridos após a aprovação da PEC, porque isso seria perpetuar a impunidade”, destacou Ramos.

Discussão será polarizada?

Os debates travados no Congresso em 2019 sobre a prisão em segunda instância foram marcados também por uma polarização clara entre forças de direita e de esquerda, ou entre defensores e adversários do governo de Jair Bolsonaro.

Dois fatores impulsionavam a polarização: a libertação do ex-presidente Lula e o fato de a reclusão dos condenados em segunda instância figurar entre as propostas do pacote anticrime proposto por Sergio Moro, ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro.

Com Lula solto há cerca de oito meses e Moro rompido com o bolsonarismo, o debate prosseguirá polarizado? Os deputados que conversaram com a Gazeta do Povo sobre o tema acreditam que não.

“Ao menos não deveria ser assim. A questão do Lula influenciou parte da mídia, mas o debate da segunda instância tem que ser feito independentemente de quem quer que seja. É uma discussão que precisa estar acima disso de esquerda ou direita”, declarou Alex Manente. O deputado disse que parte da esquerda tem manifestado apoio à iniciativa. Em entrevista à Globo News, o deputado José Guimarães (PT-CE) disse que seu partido busca um “entendimento” em torno do assunto.

Já Aliel Machado opina que, hoje, os principais opositores da iniciativa seriam governistas. “A maior força contrária ao projeto é o Bolsonaro, por causa do filho”, afirmou o deputado do PSB, em referência ao senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que enfrenta acusações de corrupção. Líder do governo na Câmara, o deputado Vitor Hugo (PSL-GO) declarou, também em entrevista à Globo News, ser favorável à proposição.

“Um bom caminho para uma lei ser ruim é fazê-la pensando em prender ou soltar alguém. A PEC não pensa nem em Lula nem em Flávio Bolsonaro. O que se pensa é em entregar ao Brasil um Poder Judiciário mais célere”, afirmou Marcelo Ramos.

Para ser aprovada pela Câmara, a proposta precisa passar por duas votações e ter o “sim” de no mínimo dois terços dos deputados. Se ratificada pelos deputados, vai para o Senado, onde terá que ser submetida a votação semelhante.

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