O STF impede o Estado de economizar

A medida estava prevista na redação original da Lei de Responsabilidade Fiscal, mas foi considerada inconstitucional pelo Supremo.| Foto: Dorivan Marinho/SCO/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, na última terça-feira (23), um dos pontos centrais da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que tem funcionado como freio ao crescimento irresponsável nos gastos públicos desde o ano 2000. A corte declarou inconstitucional o trecho da LRF que permitia a redução de salário de servidores públicos nos casos extremos em que o ente federado, seja ele federal, estadual ou municipal, ultrapasse os limites legais de gasto com a folha de pagamento. Foram sete votos pela inconstitucionalidade e quatro no sentido oposto. Apenas os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Dias Toffoli votaram pela manutenção desse trecho da LRF. A corte julgava nesta ocasião, de forma conjunta, diversas ações contestando esse dispositivo.

A corrente majoritária entendeu que o artigo questionado viola a Carta Magna. Numa leitura isolada e restritiva, a decisão do STF parece de fato ser adequada. A Constituição afirma, em seu artigo 37, que “o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis.” Mas esta é apenas parte de um todo. A boa doutrina jurídica compreende a interpretação sistêmica das leis. A mesma Constituição prevê a estabilidade dos servidores em seus cargos e, entretanto, abre exceções a esta regra. Uma delas consta do artigo 169, que trata de situações nas quais as despesas dos entes federados com pessoal superarem os limites legais (50% da receita corrente líquida para a União e 60% para estados e municípios). Neste caso, o cargo fica extinto e só pode ser recriado por um novo concurso público, com um intervalo mínimo de quatro anos. Como indagou o ministro Alexandre de Moraes na primeira parte do julgamento, em agosto do ano passado: “A Constituição estabeleceu o mais radical. A lei não poderia, de forma absolutamente razoável, estabelecer algo menos radical e temporário?”. Como versa a antiga máxima do Direito: “Quem pode o mais pode o menos”.

A título de comparação, o Tribunal Constitucional de Portugal se viu diante de uma situação semelhante em 2011. No ano anterior, em meio a uma grave crise econômica, o Congresso daquele país aprovou uma redução de até 10% nos salários dos funcionários públicos. Provocada, a Corte Suprema do país reconheceu que, dadas as circunstâncias excepcionais e o limite temporal da redução (que duraria um ano), a medida não feria os direitos dos servidores. É a simples aplicação do princípio jurídico da razoabilidade, que parece ter faltado ao STF na decisão em tela.

O serviço público existe como um meio e não um fim. Sempre que houver debate entre a necessidade de ajuste nas contas públicas e o pretenso direito adquirido dos servidores, é preciso olhar o fim. E o fim é o bem comum na forma da prestação de serviços ao público, não a concessão de garantias trabalhistas ou salariais aos servidores – que, na média, têm vencimentos muito superiores aos dos trabalhadores da iniciativa privada.

É razoável que, apesar das normas desenhadas para condições normais, haja flexibilidade para medidas econômicas mais extremas em condições excepcionais. Como qualquer organização no setor privado, o Estado não está imune a oscilações em suas finanças, muitas vezes causadas por infortúnios. A crise do novo coronavírus é um desses casos. A decisão do STF vem, portanto, em má hora: por causa dos efeitos da pandemia, um milhão de brasileiros perderam seus empregos apenas no mês de maio. Acertadamente, autoridades públicas como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, defenderam que o funcionalismo desse sua parcela de sacrifício e corte os próprios salários. A ideia, infelizmente, não progrediu. Um estudo feito pelo economista Matheus Garcia, do Movimento Livres, estimou que um corte de 30% no salário de todos os funcionários públicos seria suficiente para bancar uma renda básica para 55 milhões de pessoas, com um impacto mensal de 11 bilhões de reais.

O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, na última terça-feira (23), um dos pontos centrais da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que tem funcionado como freio ao crescimento irresponsável nos gastos públicos desde o ano 2000. A corte declarou inconstitucional o trecho da LRF que permitia a redução de salário de servidores públicos nos casos extremos em que o ente federado, seja ele federal, estadual ou municipal, ultrapasse os limites legais de gasto com a folha de pagamento. Foram sete votos pela inconstitucionalidade e quatro no sentido oposto. Apenas os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Dias Toffoli votaram pela manutenção desse trecho da LRF. A corte julgava nesta ocasião, de forma conjunta, diversas ações contestando esse dispositivo.

A corrente majoritária entendeu que o artigo questionado viola a Carta Magna. Numa leitura isolada e restritiva, a decisão do STF parece de fato ser adequada. A Constituição afirma, em seu artigo 37, que “o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis.” Mas esta é apenas parte de um todo. A boa doutrina jurídica compreende a interpretação sistêmica das leis. A mesma Constituição prevê a estabilidade dos servidores em seus cargos e, entretanto, abre exceções a esta regra. Uma delas consta do artigo 169, que trata de situações nas quais as despesas dos entes federados com pessoal superarem os limites legais (50% da receita corrente líquida para a União e 60% para estados e municípios). Neste caso, o cargo fica extinto e só pode ser recriado por um novo concurso público, com um intervalo mínimo de quatro anos. Como indagou o ministro Alexandre de Moraes na primeira parte do julgamento, em agosto do ano passado: “A Constituição estabeleceu o mais radical. A lei não poderia, de forma absolutamente razoável, estabelecer algo menos radical e temporário?”. Como versa a antiga máxima do Direito: “Quem pode o mais pode o menos”.

A título de comparação, o Tribunal Constitucional de Portugal se viu diante de uma situação semelhante em 2011. No ano anterior, em meio a uma grave crise econômica, o Congresso daquele país aprovou uma redução de até 10% nos salários dos funcionários públicos. Provocada, a Corte Suprema do país reconheceu que, dadas as circunstâncias excepcionais e o limite temporal da redução (que duraria um ano), a medida não feria os direitos dos servidores. É a simples aplicação do princípio jurídico da razoabilidade, que parece ter faltado ao STF na decisão em tela.

O serviço público existe como um meio e não um fim. Sempre que houver debate entre a necessidade de ajuste nas contas públicas e o pretenso direito adquirido dos servidores, é preciso olhar o fim. E o fim é o bem comum na forma da prestação de serviços ao público, não a concessão de garantias trabalhistas ou salariais aos servidores – que, na média, têm vencimentos muito superiores aos dos trabalhadores da iniciativa privada.

É razoável que, apesar das normas desenhadas para condições normais, haja flexibilidade para medidas econômicas mais extremas em condições excepcionais. Como qualquer organização no setor privado, o Estado não está imune a oscilações em suas finanças, muitas vezes causadas por infortúnios. A crise do novo coronavírus é um desses casos. A decisão do STF vem, portanto, em má hora: por causa dos efeitos da pandemia, um milhão de brasileiros perderam seus empregos apenas no mês de maio. Acertadamente, autoridades públicas como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, defenderam que o funcionalismo desse sua parcela de sacrifício e corte os próprios salários. A ideia, infelizmente, não progrediu. Um estudo feito pelo economista Matheus Garcia, do Movimento Livres, estimou que um corte de 30% no salário de todos os funcionários públicos seria suficiente para bancar uma renda básica para 55 milhões de pessoas, com um impacto mensal de 11 bilhões de reais.

A Justiça, em especial, deveria puxar a fila. Com carga horária menor (sete horas em vez das oito do Executivo e do Legislativo), o Judiciário Federal paga os maiores salários: R$ 16 mil, em média, segundo levantamento feito pelo Ipea no fim de 2018.

A decisão do STF também se soma a uma série de decisões polêmicas e fortemente questionáveis da corte. Em vigor há duas décadas, a Lei de Responsabilidade Fiscal foi o resultado de um longo e aprofundado debate no Parlamento, e é um recurso importante para os bons gestores públicos país afora e que contribuiu muito para o equilíbrio das contas públicas. Quando houver um conflito de entendimentos, desde que a Constituição não esteja flagrantemente sendo violada, é sempre melhor que prevaleçam as decisões do Legislativo e do Executivo, Poderes dotados de mandato popular e, por isso mesmo, representantes mais apropriados da vontade do povo de quem o poder emana. E essa vontade, expressa em lei, preconiza que esforços econômicos em períodos excepcionais, como nessa pandemia, sejam compartilhados por trabalhadores públicos e privados. Infelizmente, o STF, numa interpretação literal e simplista, decidiu o contrário.

Gazeta do Povo.

Be the first to comment on "O STF impede o Estado de economizar"

Leave a comment

Your email address will not be published.


*