Apesar das “semanas de vantagem”, o Brasil falhou em conter o avanço da Covid-19 pelo interior e se vê agora em situação delicada à medida que a doença se interioriza. Nesta segunda-feira (22), São Paulo divulgou que pela primeira vez mais casos da doença foram registrados fora da Grande São Paulo do que na metrópole. “O interior passou a capital em número de novos casos neste fim de semana, com 14,5% a mais de casos”, afirmou o secretário de Desenvolvimento Regional, Marco Vinholi, em entrevista coletiva. Em algumas destas cidades interioranas, a ocupação de UTIs já está perto do limite.
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Não são só os paulistas que encaram essa realidade. Nos últimos dias, o Rio Grande do Sul restabeleceu medidas restritivas por conta da alta na ocupação em leitos de UTI do interior do estado. Aumentou 40% em apenas uma semana.
Em pelo menos seis estados, as mortes causadas pela Covid-19 no interior já ultrapassam as registradas nas regiões metropolitanas. Além de toda a região Sul – Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul –, Tocantins, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul compõem a lista. E mais. Analisando o país todo, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) indica que, nas duas últimas semanas, houve um aumento de 50% nos casos em municípios pequenos, de até 20 mil habitantes.
O problema é que com estrutura médica deficitária e logística mais complexa, boa parte dos municípios brasileiros terá de contar com muita ajuda de centros urbanos maiores para não assistir a uma explosão no número de infecções e óbitos. A própria Fiocruz, em estudo divulgado em maio, indicava que 7,8 milhões de brasileiros vivem a quatro horas de distância de um hospital com UTI, médicos especializados e equipamentos adequados. Estados como Amazonas, Pará e Mato Grosso são onde a situação é mais complicada. Somados, eles têm mais de 3 milhões de pessoas distantes destes centros de alta complexidade.
“Um dos grandes problemas para a rede de saúde brasileira é a acessibilidade geográfica. O Brasil possui dimensões continentais e, por isso, algumas regiões mais remotas impõem à sua população o deslocamento de enormes distâncias para busca de atendimento (…) É evidente que nem todos os municípios do país devem ter um centro de tratamento intensivo, mas é necessário definir serviços de referência e contrarreferência no atendimento à saúde, evitando vazios de atendimento, bem como deslocamentos longos, que podem afetar o estado de saúde do indivíduo”, dizia nota técnica relacionada ao estudo.
A preocupação poderia ter sido amenizada ou até anulada, na percepção do professor doutor Raul Borges Guimarães, do Departamento de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Pesquisador do avanço da doença, ele indica que uma ação nacional poderia ter ajudado a conter a ramificação da Covid-19.
“Como estamos sem uma coordenação nacional, o que fica é só o esforço de cada estado. Mas, uma parte do Paraná tem uma forte relação com Santa Catarina; outra, com São Paulo. Tem todas as ligações por BRs. Uma flexibilização em um estado impacta o outro. As economias são bastante integradas. É complexo falar de flexibilização sem uma coordenação nacional”, defende.
Para ele, a interiorização da doença é, em parte, reflexo desse conjunto de ações desencontradas. “Quanto menor o município, menor a chance de ter equipes [médicas]. Há uma dificuldade em fazer projeções, plano de contingenciamento, acompanhar a situação dos leitos. Municípios pequenos não têm hospital, precisam buscar centros regionais. As cidades precisam fazer o isolamento social. Mas esse isolamento tem variado de cidade para cidade. No interior, [a adesão] tem sido muito baixa. Agora estamos vendo a consequência. Isso falando em linhas gerais”, aponta o professor.
Mas há mais em jogo. Soma-se a isso a demora na liberação dos recursos emergenciais a estados e municípios, que atrasou ações que pudessem retirar os municípios do afogadilho. Ainda no início de maio, com a lentidão do Executivo em emitir uma medida provisória garantindo repasses aos estados e cidades, que foram fortemente afetados pela queda nas arrecadações, o Congresso por si só decidiu movimentar a matéria em forma de projeto de lei. Mesmo depois de aprovada nas Casas legislativas, o repasse dormiu duas noites na gaveta de Jair Bolsonaro (sem partido) antes de ser sancionado.
Essa demora foi tida como um dos motivos para que as cidades do interior atrasassem ou relaxassem em ações de combate à pandemia.
Ainda assim, o dinheiro está longe de resolver os problemas. Os recursos já liberados – na ordem de R$ 23 bilhões para os municípios – são considerados insuficientes. “A arrecadação será menor neste ano, e as despesas se manterão elevadas. Há grande chance de uma segunda, terceira ondas de contágio. Então esses recursos dão um fôlego, mas as prefeituras vão continuar com muitas dificuldades”, descreve o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Glademir Aroldi, no boletim de junho da instituição.
No início deste mês, o presidente vetou o repasse de R$ 8,6 bilhões para estados e municípios. O dinheiro estava descrito na Medida Provisória 909, de 2019, aprovada pelo Congresso em maio. Ela extingue o Fundo de Reservas Monetárias, que é abastecido pelo Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). O dinheiro seria aplicado em ações de combate à Covid-19. Metade dele iria para os municípios.
A Covid-19 já infectou mais de um milhão de brasileiros e causou a morte de cerca de 50 mil.
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