“Se o árbitro valida um gol de mão do atacante adversário, você aceita?”
A resposta é unânime: “Não!” Ninguém admite semelhante irregularidade.
Agora, se for em benefício do clube do seu coração, a maioria aceita como natural – embora sejam raros os que têm a franqueza de confessá-lo.
Mas não haveria problema em desdenhar princípios e regras do futebol, se essa atitude não refletisse aquilo que, no mais das vezes, o sujeito é na vida. Na média, as pessoas só são rigorosas na observância de princípios e regras enquanto não são contrariadas em suas conveniências.
Foram muitos os que aplaudiram quando, na qualidade de atacante do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Alexandre de Morais fez um “gol de mão”. Mas aplaudiram só porque a defesa vazada é adversária.
O início da jogada foi em abril de 2019, quando o ministro Dias Toffoli matou no peito e mandou apreender edições da revista Crusoé e do site O Antagonista por causa de certa matéria que o atingia pessoalmente.
Ato contínuo, Toffoli instaurou um procedimento para investigar “fake news” que, segundo a sensibilidade dos ministros, ofendem o STF. A iniciativa de Toffoli levou Raquel Dodge, então procuradora-geral da República, a comparar o STF a um “tribunal de exceção”, o que é próprio, asseverou ela, de regimes totalitários.
O procurador da República Bruno Calabrich, como tantos outros, advertiu que, como “vítima” dos supostos ataques e ameaças, o STF está impedido de investigar os crimes de que se queixa.
Com efeito, dizendo-se vítima de “fake news”, o STF está conduzindo o inquérito, fazendo a acusação e, por fim, julgando. Ou seja, ele acumula as funções de delegacia de polícia, de Ministério Público e de julgador, sendo que, num processo regular, um terceiro imparcial é que julga. É óbvio que a “vítima” não tem imparcialidade.
Todo estudante de direito (exceto a maioria…) sabe que a separação desses papéis é o sistema nervoso central de um regime democrático.
Assim, quando Alexandre de Moraes, em 27/05/2020, acumulando as funções de investigador, de acusador e de julgador, mandou apreender computadores de empresários, deputados, jornalistas e, pasmem, até de um comediante, praticou um lance irregular que afrontou o sistema penal brasileiro, desrespeitou fundamentos da Constituição da República, desconheceu o sentido da democracia e ofendeu o próprio STF, instituição permanente e maior que seus ministros, que são temporais.
Saliente-se que não existe “crime de fake news”. O Código Penal prevê, isto sim, os crimes de “injúria”, “calúnia” e “difamação”. E se estes forem praticados, será de bom critério que sejam esclarecidos e punidos, desde que na observância rigorosa da lei vigente.
Ora, admitir que as regras sejam fraudadas para atingir adversários lembra o ensinamento do nefasto Juan Domingo Perón (hoje incensado pelas esquerdas latinoamericanas): “Aos amigos, tudo; aos inimigos, nem a justiça”.
Não foi por nada que o peronismo aniquilou a Argentina, que era a nação mais rica e mais civilizada do hemisfério sul. Hoje é o quê?
O desenvolvimento de um país passa pela afirmação de valores, como a integridade, que é testada em atos como o de ser rigoroso na observância das regras, respeitar adversários, buscar ser justo apesar das próprias conveniências, etc.
Que futuro esperar para o Brasil, enquanto forem numerosos os que, guiados pelo próprio egoísmo, acham natural um “gol de mão”?
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