Pedido de impeachment e foco na primeira-dama: caso Witzel provoca abalo político no RJ

Deflagrada na terça-feira (26) para apurar desvio de dinheiro que deveria ser usado no enfrentamento à pandemia de coronavírus no Rio de Janeiro, a Operação Placebo da Polícia Federal (PF) tem entre os alvos o governador Wilson Witzel (PSC) e a primeira-dama Helena Witzel. As investigações causaram um abalo político no estado, inclusive com pedidos de impeachment do governador, enquanto a PF aprofunda investigações sobre um possível envolvimento da primeira-dama no escândalo.

A operação investiga uma suspeita de desvio de recursos públicos para construção de hospitais de campanha no esforço para atender aos pacientes da Covid-19. O estado do Rio de Janeiro já passou a China no número de mortes por coronavírus. Até esta quinta-feira (28), de acordo com o governo do estado, tinham sido registrados 4.856 óbitos.

Segundo a PF, há indícios de um esquema de corrupção envolvendo uma organização social contratada para a instalação emergencial dos hospitais e servidores da cúpula da gestão do sistema de saúde do estado do Rio.

Foram cumpridos 12 mandados de busca e apreensão. Entre os alvos da PF estava o Palácio Laranjeiras, residência oficial do governador, e endereços ligados ao governo fluminense. A casa em que Witzel morava antes de assumir o governo do Rio, no Grajaú, zona norte, e o Palácio da Guanabara, sede oficial do estado, também foram alvos de buscas e apreensões.

Witzel teve três celulares e três computadores apreendidos na operação. A primeira-dama também teve aparelhos eletrônicos apreendidos pela PF.

Por que a primeira-dama também está na mira 

O Ministério Público Federal (MPF) enxergou “vínculo bastante estreito e suspeito” entre o escritório de advocacia da primeira-dama Helena Witzel e a empresa DPAD Serviços Diagnósticos Limitada, de Alessandro de Araújo Duarte. Ele é apontado na investigação como suposto operador do empresário Mário Peixoto, preso na Operação Favorito, deflagrada no dia 14 de maio.

Firmado em 2019, o contrato resultou em pagamentos mensais à banca de Helena. Segundo a decisão do ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que autorizou as buscas e apreensões da Placebo, a investigação até agora não encontrou comprovação de que os serviços referentes às entradas de dinheiro foram efetivamente prestados.

“O escritório de advocacia da primeira-dama do Estado do Rio de Janeiro H.A.B.W. [Helena Alves Brandão Witzel] supostamente realizou contratos com empresas investigadas, sem que a investigação, até o momento, encontrasse provas da prestação do respectivo serviço, o que explicita possível exercício profissional de atividade delitiva”, escreveu o ministro.

Helena foi internada de emergência na manhã desta quinta-feira (28). Ela teria tido um pico de pressão — em nota, o governo disse que ela sentiu um “mal-estar”. A primeira-dama foi levada ao Hospital Central Aristarcho Pessoa, no Rio Comprido, zona norte do Rio. Witzel a acompanhou. Segundo o Palácio Guanabara, ela foi examinada, liberada e passa bem.

Impeachment de Witzel foi apresentado na Alerj 

Dois deputados estaduais protocolaram pedidos de impeachment contra Witzel na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) Os documentos se ancoram nas denúncias de corrupção que resultaram na operação da PF contra o governador, na terça-feira (26).

Um dos pedidos foi apresentado pelo deputado estadual do PSDB Luiz Paulo, parlamentar mais antigo da Alerj e que já foi vice-governador durante a gestão Marcello Alencar (1995-1999). Ele assina o texto em parceria com a deputada estadual Lucinha, também do PSDB. Ambos são críticos ao atual diretório do partido no Rio, comandado pelo empresário Paulo Marinho e próximo a Witzel.

O documento cita como crime de responsabilidade o mau uso do dinheiro público, que configuraria improbidade administrativa. “O fundamento está na própria exposição de motivos do Superior Tribunal de Justiça. Estão listados indícios muito robustos de que o governador está envolvido em crimes contra o erário público estadual, e quem diz isso é o ministro Benedito Gonçalves, do STJ, e o Ministério Público Federal”, aponta Luiz Paulo.

Na justificativa para a abertura do processo, os parlamentares dizem ainda que “gostariam” que o governador tivesse condições de finalizar seu mandato. “No entanto, a situação se revela alarmante, com a existência de corrupção governamental em pleno período de pandemia, crime que poderia ser considerado como hediondo.”

Outro pedido vem de uma oposição que, durante a eleição e no início do governo, era aliada de Witzel: os bolsonaristas. Atualmente no Republicanos, o ex-líder do PSL na Casa Dr. Serginho afirma que os fatos apontados pelo Ministério Público são gravíssimos e exigem o afastamento do governador. “O governador não possui condições morais e políticas para permanecer à frente do Executivo”, diz o deputado, autor do pedido.

Cabe ao presidente da Alerj, André Ceciliano (PT), autorizar a abertura de um eventual processo de impeachment. Petista pragmático, ele exerceu papel importante na recomposição da base governista após o desembarque do PSL, em setembro do ano passado, quando o atrito entre Witzel e a família Bolsonaro se acirrou.

Helena Witzel recebeu dinheiro do fundo partidário

Desde janeiro de 2019, a mulher do governador recebeu R$ 350 mil brutos para prestar serviços ao PSC. Os recursos foram pagos com verba do fundo partidário — dinheiro público que financia o funcionamento de partidos políticos no Brasil.

Helena foi contratada em janeiro de 2019, quando o marido assumiu o cargo de governador, para exercer a atividade que era de Wilson Witzel desde 2018, quando deixou de ser juiz. Em 2019, Helena recebeu R$ 207,4 mil em valores brutos do partido. O salário mensal bruto da primeira-dama foi de R$ 21,5 mil em 2019 e subiu para R$ 22,4 mil neste ano.

Segundo o jornal Folha de S. Paulo, Helena tem pouca experiência como advogada. Ela está inscrita na OAB desde 2015 e atuou em poucos processos — quase todos envolvendo o marido ou o PSC.

Segundo o levantamento da Folha, no Tribunal de Justiça do Rio constam apenas sete processos dos quais Helena participou como advogada — seis deles na defesa da família Witzel. No Tribunal Regional Federal da 2ª Região, ela figura como advogada em apenas um caso, como representante do governador. Já no Tribunal Superior Eleitoral, ela aparece como uma das advogadas do PSC.

O PSC afirma que Helena representa o partido em cerca de 12 processos e que ela será mantida como advogada da legenda por “desempenhar suas funções de forma satisfatória”.

Outros investigados pela PF

A investigação é um braço da Lava Jato no Rio de Janeiro, em parceria com investigações conduzidas pelo Ministério Público Estadual. Um dos indícios que embasa as investigações é o depoimento do ex-subsecretário estadual de Saúde Gabriell Neves, preso no Presídio José Frederico Marques, em Benfica. As investigações também trazem indícios colhidos na operação Favorito, fase da Lava Jato no Rio, deflagrada há duas semanas.

Em depoimento ao MPF, Neves reconheceu as irregularidades investigadas na Operação Placebo e afirmou que o ex-secretário da pasta, Edmar Santos, tinha conhecimento das contratações. Segundo o jornal O Globo, Neves negou ter participado de reuniões com Witzel para tratar de contratações na área da Saúde.

A Operação Placebo é um desdobramento da Operação Favorito, deflagrada no dia 14 de maio. A operação apurava desvios em contratos, inclusive para a instalação de hospitais de campanha no estado. A operação levou à prisão o ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) Paulo Melo e o empresário Mário Peixoto.

“Surgiram provas de que a organização criminosa persiste nas práticas delituosas, inclusive se valendo da situação de calamidade ocasionada pela pandemia do coronavírus, que autoriza contratações emergenciais e sem licitação, para obter contratos milionários de forma ilícita com o poder público”, afirmou a PF em comunicado à imprensa.

Durante a deflagração, a polícia apreendeu R$ 2 milhões com os investigados. Com o empresário Luiz Roberto Martins, presidente do Conselho de Administração do Instituto Data Rio (IDR), a PF encontrou R$ 1,5 milhão em dinheiro vivo. Martins é apontado pelo MPF como chefe do esquema.

Ainda no Rio de Janeiro, a PF também prendeu dois ex-subsecretários executivos da Secretaria Estadual de Saúde: Gabriell Neves e Gustavo Borges. A suspeita é de fraudes na compra de respiradores, que teriam sido adquiridos com superfaturamento de cerca de R$ 4,9 milhões, segundo o Ministério Público.

STJ investiga vazamento de operação

O ministro Benedito Gonçalves, do STJ, solicitou ao Ministério Público Federal a apuração sobre o suposto vazamento de diligências de busca e apreensão realizadas contra Wilson Witzel.

Segundo o ministro, caso seja confirmado o vazamento, será necessário responsabilizar penalmente o autor da conduta ilícita como forma de não prejudicar a integridade das instituições.

A deputada federal bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP), em entrevista à Rádio Gaúcha, indicou, na segunda-feira (25), que a PF estava prestes a deflagrar operações para investigar irregularidades cometidas por governadores durante a pandemia.

“A gente já teve algumas operações da Polícia Federal que estavam ali, na agulha, para sair, mas não saíam. E a gente deve ter, nos próximos meses, o que a gente vai chamar, talvez, de ‘Covidão’ ou de não sei qual vai ser o nome que eles vão dar mas já tem alguns governadores sendo investigados pela Polícia Federal”, disse a parlamentar.

Defesa do casal Witzel 

Em nota, Helena Witzel afirmou ter prestado os serviços de advocacia, disse que a diligência não encontrou nada que pudesse comprovar irregularidades, e classificou a operação como “imbuída de indisfarçada motivação política”.

“A HW Assessoria Jurídica prestou serviços para a empresa apontada pelo MPF, tendo recebido honorários, emitido nota fiscal e declarado regularmente os valores na declaração de imposto de renda do escritório”, diz o texto. “A advogada Helena Witzel reitera seu respeito às instituições, mas lamenta que a operação tenha sido imbuída de indisfarçada motivação política, sendo sintomático, a esse respeito, que a ação foi antecipada na véspera por deputada federal aliada do presidente Jair Bolsonaro”, conclui a nota, referindo-se à deputada Carla Zambelli.

Wilson Witzel também alegou perseguição política. “Não há absolutamente nenhuma participação ou autoria minha em nenhum tipo de irregularidade nas questões que envolvem as denúncias apresentadas pelo Ministério Público Federal”, garantiu o governador.

Witzel também disse estranhar o fato de deputados bolsonaristas terem conhecimento das investigações da PF. “Estranha-me e indigna-me sobremaneira o fato absolutamente claro de que deputados bolsonaristas tenham anunciado em redes sociais nos últimos dias uma operação da Polícia Federal direcionada a mim, o que demonstra limpidamente que houve vazamento, com a construção de uma narrativa que jamais se confirmará”, disse.

Em outro trecho, Witzel diz que “a interferência anunciada pelo presidente da república está devidamente oficializada”. “Estou à disposição da Justiça, meus sigilos abertos e estou tranquilo sobre o desdobramento dos fatos. Sigo em alinhamento com a Justiça para que se apure rapidamente os fatos. Não  abandonarei meus princípios e muito menos o Estado do Rio de Janeiro”, finalizou o governador.

Confira matéria do site Gazeta do Povo.

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