Texto tem apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, mas é alvo de críticas pela falta de uma definição mais concreta sobre ‘fake news’
BRASÍLIA – Alvo de um inquérito no Supremo Tribunal Federal, a disseminação de fake news e a utilização dos chamados robôs nas redes sociais poderão resultar em multas ao Twitter, Facebook e Google. Um projeto que prevê responsabilizar as empresas, não só os usuários, deve ser votado na próxima terça-feira, 29, pelo Senado. A medida tem o apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), mas enfrenta resistência das empresas e entre aliados do presidente Jair Bolsonaro, foco das investigações da Corte.
O avanço do projeto acontece na esteira da operação desta quarta-feira, 27, que apreendeu documentos, celulares e computadores em endereços ligados a empresários, blogueiros e youtubers apoiadores do governo. Eles são suspeitos de integrar uma rede de ataques a ministros da Corte e seus familiares e disseminar notícias falsas para atingir instituições. Seis deputados federais e dois estaduais também são alvo e foram convocados a prestar depoimento nos próximos dias.
A ideia de responsabilizar as empresas que controlam os sites de redes sociais em que as fake news são propagadas foi defendida por Maia ao comentar a operação. “A Câmara vai dar a celeridade necessária. Temos que organizar essa questão das fake news sem olhar passado, do meu ponto de vista, e, sim, olhando daqui para frente. As plataformas precisam ter responsabilidade e as pessoas que usam informações falsas de forma absurda para contestar, desqualificar as nossas instituições democráticas, a honra das pessoas, precisam ter respostas mais fortes da Justiça, mas também uma responsabilização maior das plataformas”, disse Maia nesta quinta-feira.
De autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), a proposta estabelece que as empresas que controlam as redes sociais com milhões de usuários devem identificar contas com comportamento “inautêntico e redes artificiais de distribuição de mensagens”, deixando essa informação clara para todos os usuários. Ou seja, os sites terão de avisar seus usuários sobre a atuação dos chamados robôs.
“Não tem censura, não tem remoção compulsória, não tem cadeia. No caso da plataforma não adotar as medidas indicadas, caberá imposição de multa”, afirmou Vieira. O valor da multa não é definido pelo projeto, mas, segundo o senador, será de acordo com o faturamento. “Provavelmente vamos colocar um teto para evitar devaneios. E as medidas só são compulsórias para as grandes plataformas, com 2 milhões de usuários ou mais. Para pequenos e startups ficam como recomendação de boas práticas”, disse.
Nos Estados Unidos, o debate está sendo conduzido pelo presidente, Donald Trump, que ameaçou regulamentar ou fechar as companhias de mídia social por “silenciarem totalmente as vozes conservadoras”. A declaração foi dada um dia depois do Twitter colocar uma advertência em alguns tuítes de Trump, recomendando que os leitores verificassem a procedência das afirmações do mandatário.
Em março deste ano, o Twitter e o Facebook apagaram publicações das contas oficiais do presidente Jair Bolsonaro por entender que as divulgações criavam desinformação e poderiam causar danos às pessoas. Uma das postagens foi de um dos vídeos do passeio que o presidente fez no entorno de Brasília, em que criticou o isolamento social e defendeu a cloroquina como solução para pacientes de covid-19, contrariando as recomendações da comunidade médica.
A proposta encontra resistência nas empresas de tecnologia. Um dos receios é que elas sejam obrigadas a regredir a um cenário pré-marco civil da internet, quando removiam conteúdos problemáticos após notificações. Hoje, a remoção depende de ordens judiciais.
Há também queixas sobre a falta de um debate amplo com a sociedade sobre os textos em tramitação e sobre possíveis riscos à liberdade de expressão. O trecho que trata dos robôs é visto com ressalvas pelo setor. Há exemplos de inteligência artificial usada para promover conteúdos verificados e bem elaborados, o que gera dúvidas sobre a abrangência e sobre conceitos do texto.
Fontes do setor de tecnologia ressaltam que, embora a ideia possa ter a melhor das intenções, não é simples identificar “fake news” e definir quais devem ser removidas. Memes, sátiras, montagens e opiniões podem desinformar sem que sejam exatamente “notícia falsa”.
Parlamentares da base do governo Bolsonaro também são contra o projeto. “O maior problema é alto grau de subjetividade dado ao qual o termo ‘desinformação’ está sujeito. Na prática, teremos plataformas como Facebook e Twitter decidindo o que é ‘conteúdo inequivocamente falso’ ou não”, afirmou o deputado Filipe Barros (PSL-PR), um dos alvos do inquérito das fake news que terão de depor ao Supremo.
“O texto também cria uma espécie de ‘lista negra’ de pessoas que foram acusadas de espalhar desinformação, o que, na prática, mais uma vez, vai punir as formas de pensamento que diferem daquelas defendidas pelos donos das plataformas que julgarão esses conteúdos”, disse o deputado.
A deputada Bia Kicis (PSL-DF), outrou alvo do inquérito, vai na mesma linha. “O projeto exclui do controle publicações voltadas ao desenvolvimento intelectual, individual, religioso, ficcional, artístico, literário, satírico e outros, exceto os de conteúdo político. Fica muito clara aqui a restrição ao livre desenvolvimento da política”, disse.
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