O ex-ministro Sergio Moro já contou, pelo menos oficialmente, tudo o que sabe. Nos próximos dias e semanas mais três ministros que despacham no Palácio do Planalto vão contar, eles também, as suas versões. Haverá ainda depoimentos de diversos delegados da Polícia Federal que, por um motivo ou outro, estiveram ligados aos obscuros acontecimentos ocorridos durante os últimos quinze meses dentro e nas vizinhanças das áreas de segurança e informação do governo.
É certo que tudo isso vai provocar um imenso calor no noticiário político, dividindo a frente do palco com as desgraças da Covid-19 – como se elas já não bastassem para preencher nossa atual cota de aflições. Mas será que dessa fornalha sairá alguma luz? Não parece provável.
O monumental inquérito que prometem em torno da recente demissão de Moro do Ministério da Justiça, com atuação simultânea do Supremo Tribunal Federal, da Procuradoria-Geral da República e sabe lá Deus de quem mais ainda, produzirá milhares de páginas, dezenas de horas de gravações e, no fim de todas as contas, uma maçaroca apavorante de documentos de conteúdo incompreensível para o público que está pagando por tudo. Se a verdade sobre o que realmente aconteceu já está escondida agora, imagine-se como estará no futuro.
Inquéritos deste gênero, quanto mais “rigorosos” são, quanto mais gente envolvem e quanto mais tempo levam, só vão tornando os fatos mais vagos, imprecisos e impossíveis de se determinar com um mínimo de clareza. O mais prático, diante disso, é prestar atenção numa outra coisa: o que vai acontecer, na vida real, com o governo Bolsonaro?
O cenário montado é de um desastre praticamente perfeito. Há uma doença cruel que mata pessoas todos os dias. A produção está parada e as pessoas estão perdendo o seu trabalho. Milhões de pequenos e médios negócios estão ameaçados de extinção. A economia caminha para ruína. Há uma produção maciça de pânico. A atitude da maioria das autoridades é a de produzir desespero: fecha tudo, para tudo, prende, multa, castiga.
Num momento como esse, o governo do país, dividido em seus três poderes, deveria estar com um mínimo de harmonia e com a atenção integralmente focada na sobrevivência nacional. Em vez disso, os poderes estão em guerra, o governo federal vive uma crise por dia e ninguém é mais capaz de prever o que vai ser da vida daqui a uma semana. Fim de linha para o presidente, então? Pode ser, mas está ainda longe de ser uma aposta segura.
O governo Bolsonaro, se não tivesse mais apoio efetivo nenhum por parte da população, como ocorreu com Dilma Rousseff e Fernando Collor, estaria com certeza no rumo do cemitério. Mas até agora não é essa a situação real. De um lado, há uma porção de gente que não parece disposta a abandonar o presidente. Bolsonaro, por sua vez, não dá o menor sinal de que estaria disposto a pedir as contas e ir para a casa, em nome da pacificação dos ânimos – ao contrário, quer ficar e vai brigar por isso, mesmo porque tem a lei ao seu lado.
O impeachment, no momento, é uma impossibilidade, pois não há como fazer dois terços do Congresso Nacional concordarem com ele. O STF, frequentemente, interfere nos atos do governo e cria tumulto na segurança jurídica do país, mas não há sinais de que vá depor Bolsonaro através de alguma liminar concedida a pedido do eixo PT-OAB-etc., ou de quem quer que seja.
Deixe-se andar o “inquérito Moro”. Não é daí que vai sair alguma decisão de verdade sobre o futuro do governo – a começar pelo fato de que em suas oito horas de depoimento Moro não produziu nenhuma prova material que ele próprio, como juiz, aceitaria numa denúncia criminal contra o presidente. A única coisa certa é que tudo isso ainda vai dar muito trabalho.
J.R.Guzzo é jornalista. Começou sua carreira como repórter em 1961, na Última Hora de São Paulo, passou cinco anos depois para o Jornal da Tarde e foi um dos integrantes da equipe fundadora da revista Veja, em 1968. Foi correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita pioneira do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Foi diretor de redação de Veja durante quinze anos, a partir de 1976, período em que a circulação da revista passou de 175.000 exemplares semanais para mais de 900.000. Nos últimos anos trabalhou como colunista em Veja e Exame. **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.
Confira matéria do site Gazeta do Povo.
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