Na corrida por uma vacina contra o coronavírus, um grupo de cientistas de Oxford dá um salto

A professora Sarah Gilbert em seu escritório na Universidade de Oxford Foto: Mary Turner/The New York Times

Na corrida por uma vacina contra o coronavírus, um grupo de cientistas de Oxford dá um salto

A maioria das outras equipes teve de começar com pequenos testes clínicos em umas centenas de participantes para demonstrar que se trata de uma vacina segura. Ocorre que os cientistas do Jenner Institute da universidade começaram mais rapidamente os trabalhos em uma vacina porque já haviam provado em testes anteriores que tais inoculações – inclusive uma no ano passado contra um coronavírus inicial – não eram prejudiciais para o ser humano.

Isto lhes permitiu sair na dianteira e marcar os testes com a sua nova vacina contra o coronavírus com mais de 6 mil pessoas até o final do próximo mês, na esperança de demonstrar que não só é segura, como também funciona.

Os cientistas de Oxford agora afirmam que se as autoridades reguladoras concederem uma aprovação de emergência, os primeiros milhões de doses poderão estar disponíveis até setembro – pelo menos vários meses antes de qualquer outro esforço anunciado – desde que se revele eficaz.

Agora, eles receberam a promissora notícia de que isto será possível.

Os cientista dos National Institutes of Health’s Rocky Mountain Laboratory de Montana, inocularam, no mês passado, seis macacos rhesus com doses únicas da vacina de Oxford. Os animais então foram expostos a grandes quantidades do vírus que está causando a pandemia – exposição que fez com que outros macacos no laboratório ficassem bastante doentes. Mas mais de 28 dias mais tarde, todos os seis estavam saudáveis, disse Vincent Munster, o pesquisador que conduziu o teste.

“O macaco rhesus é o ser mais próximo do humano que nós temos”, disse Munster, observando que os cientistas ainda estavam analisando o resultado. Ele agora espera compartilhá-lo com outros cientistas na próxima semana e depois submetê-lo a uma publicação para a revisão de pares.

A imunidade em macacos não garante que uma vacina proporcione o mesmo grau de proteção aos seres humanos. Uma companhia chinesa que começou recentemente um teste clínico com 144 participantes, a Sino Vac, também afirmou que a sua vacina se mostrou eficaz em macacos rheseus. Mas com dezenas de experimentos atualmente em curso para encontrar uma vacina, os resultados apresentados pelos macacos são a mais recente indicação de que o esforço acelerado de Oxford está se destacando como o primeiro indicador de sucesso.

“Trata-se de um programa clínico extremamente rápido”, afirmou Emilio Emini, um diretor do programa de vacinas da Fundação Bill e Melinda Gates, que está dando o suporte financeiro a muitos experimentos concorrentes neste sentido no atual momento.

Saber qual será a vacina potencial que sairá destes esforços todos como a mais bem-sucedida será impossível enquanto não estiverem disponíveis os dados dos testes clínicos.

Em todo caso, será necessária mais de uma vacina, segundo Emini. Algumas poderão funcionar melhor do que outras em grupos como crianças e idosos, ou por custos e dosagens diferentes. Dispor de mais de uma variedade de vacinas em produção ajudará também a evitar gargalos na fabricação, ele afirmou.

Mas sendo a primeira a atingir uma escala relativamente tão ampla, a que será testada em Oxford, mesmo que fracasse, fornecerá lições tais sobre a natureza do coronavírus e sobre as respostas do sistema imunológico  que poderão informar governos, doadores, laboratórios farmacêuticos e ouros cientistas na busca de uma vacina.

“Este amplo estudo britânico”, disse Emini, “se traduzirá na realidade também em um profundo aprendizado sobre algumas das outras”.

Todas as outras enfrentarão os mesmos desafios, inclusive para a obtenção de milhões de dólares em financiamentos, convencendo as autoridades reguladoras a aprovarem testes em humanos, demonstrando a sua segurança e – depois disso – provando a sua eficiência na proteção das pessoas contra o coronavírus.

Paradoxalmente, o crescente sucesso dos esforços para conter o avanço da covid-19, a doença causada pelo vírus, poderá apresentar mais um obstáculo.

“Somos as únicas pessoas do país que querem que o número de novas infecções continue por mais algumas semanas, a fim de podermos testar a nossa vacina,” o professor Adrian Hill, diretor do Jenner Institute, um dos cinco pesquisadores envolvidos na iniciativa, afirmou em uma entrevista em um edifício do laboratório esvaziado pelo fechamento imposto na Grã-Bretanha há um mês.

As normas éticas, como princípio geral, proíbem a tentativa de infectar participantes de testes humanos com uma doença grave. Isto significa que a única maneira de provar que uma vacina é eficaz é inoculando pessoas em um lugar em que o vírus se espalha naturalmente ao seu redor.

Se as medidas de distanciamento social ou outros fatores continuarem reduzindo a taxa de novas infecções no Reino Unido, ele disse, o teste talvez não possa mostrar que a vacina faz uma diferença: os participantes que receberam um placebo poderão não ser infectados mais frequentemente do que os que receberam a vacina. Os cientistas teriam de tentar novamente em outro lugar, um dilema que todos os outros experimentos para a obtenção de uma vacina também terão de enfrentar.

A iniciativa do Jenner Institute contra o coronavírus usa uma tecnologia que se concentra na alteração do código genético de um vírus conhecido. Uma vacina clássica usa uma versão mais fraca de um vírus para desencadear a resposta imunológica. Mas na tecnologia que o instituto está utilizando, um vírus diferente é modificado anteriormente a fim de neutralizar os seus efeitos e então torná-lo uma imitação de um vírus determinado – neste caso, o vírus que causa a covid-19. Injetado na corrente sanguínea, o impostor inócuo pode induzir o sistema imunológico a combater e matar a doença, proporcionando uma proteção.

Hill trabalhou com esta tecnologia por dezenas de anos para tentar agarrar um vírus de uma doença respiratória encontrado em chimpanzés a fim de provocar uma resposta imunológica humana contra a malária e outras moléstias. Nos últimos 20 anos, o instituto realizou mais de 70 testes clínicos de vacinas em potencial contra o parasita que causa a malária. Nenhum ainda levou a uma inoculação bem-sucedida.

No entanto, em 2014, uma vacina baseada no vírus do chimpanzé que Hill havia testado foi fabricada em uma escala suficientemente ampla para fornecer 1 milhão de doses. Isto criou um modelo para a produção em massa da vacina contra o coronavírus, no caso de ela se revelar eficiente.

A professora Sarah Gilbert, sua colega de longa data, modificou o mesmo vírus do chimpanzé para fazer uma vacina contra um primeiro coronavírus, na síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS). Depois que um teste clínico, no Reino Unido, mostrou que era segura. Outro teste começou em dezembro na Arábia Saudita, onde surtos da doença letal ainda são comuns.

Quando em janeiro ela ouvia falar que cientistas chineses haviam identificado o código genético de um misterioso vírus em Wuhan, ela pensou que poderia ter a chance de pôr à prova a celeridade e a versatilidade da sua abordagem.

“Nós pensamos: ‘Bom, será que vamos poder tentar?’, ela lembra. “‘Será um pequeno projeto de laboratório, e depois publicaremos um paper’”.

Mas não permaneceu um “pequeno projeto de laboratório” por muito tempo.

Com a explosão da pandemia, eles passaram a receber muitas subvenções. Todas as outras vacinas foram postas em um freezer para o laboratório do instituto concentrar-se totalmente na covid-19. Entretanto, o fechamento do prédio obrigou todo mundo a não trabalhar na covid-19 e a ficar em casa.

Os doadores já gastam dezenas de milhões de dólares para dar início ao processo de produção em instalações no Reino Unido e na Holanda, antes mesmo que a vacina comprove que funciona, disse Sandy  Douglas, um cientista de Oxford que supervisiona a produção de vacinas.

“Não há outra alternativa”, afirmou.

Mas a equipe ainda não chegou a um acordo com um fabricante da América do Norte, em parte porque os principais laboratórios farmacêuticos exigem, como sempre, direitos mundiais exclusivos antes de investir em um medicamento em potencial.

“Pessoalmente, não acredito que em uma época de pandemia deva haver licenças exclusivas”, disse Hill. “Por isso estamos conversando com vários laboratórios. Ninguém vai ganhar um monte de dinheiro com isto”.

Enquanto isso, com os dados sobre a segurança dos testes em humanos de vacinas semelhantes contra o Ebola, a MERS e a malária, os cientistas do instituto de Oxford convenceram as autoridades reguladoras britânicas a permitirem testes inusitadamente acelerados para aproveitar que a pandemia ainda está ao seu redor.

Na semana passada, o instituto começou a Fase I de um teste clínico que envolve 1.100 pessoas. No próximo mês, começará o teste crucial da Fase II e da Fase III que envolverá outras 5 mil. Ao contrário de qualquer outro projeto de vacina atualmente em andamento, esse deverá provar sua eficiência e segurança.

Os cientistas declararão vitória se uma dezenas de participantes que receberem um placebo adoecerem com a covid-19, em comparação com apenas um ou dois que forem vacinados. “Então faremos uma festa e contaremos para o mundo,” disse Hill. Todos os que receberem somente o placebo também serão vacinados imediatamente.

Se poucos participantes forem infectados no Reino Unido, o instituto planeja a realização de outros testes onde o coronavírus estiver se espalhando, provavelmente na África e na Índia.

“Precisamos caçar a epidemia”, disse Hill. “Se ainda estiver devastando alguns países, talvez possamos realizar testes nos Estados Unidos em novembro”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

Confira matéria do site Estadão.

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