Com menos leitos de UTI disponíveis por habitante e com sistema público fragilizado por anos de austeridade financeira, rapidez na adoção de medidas de contenção foi essencial para evitar desastre
LISBOA – Com menos casos confirmados do novo coronavírus do que a Espanha tem de mortos pela pandemia, Portugal entrou em confinamento a tempo e conseguiu evitar uma tragédia similar a do país vizinho, apesar de um sistema de saúde debilitado por anos de austeridade.
“O período de tempo entre os primeiros casos na Espanha e em Portugal nos permitiu mitigar a propagação do foco de forma muito mais eficaz”, explicou o doutor João Ribeiro, diretor do serviço de medicina intensiva do maior hospital do país.
O balanço da epidemia de coronavírus em Portugal se aproxima de 600 mortes, o que representa quase o número de óbitos diários registrados na Espanha, terceiro país do mundo mais afetado pela pandemia, com mais de 19 mil mortos. O número de mortos no país vizinho é superior ao número de casos oficialmente confirmados por Portugal até a quarta-feira, 15, que era inferior a 18 mil. Quanto aos casos, a Espanha tem 10 vezes mais notificações da doença do que portugueses.
“Vemos resultados encorajadores na forma como administramos a pandemia e não queremos perder estas conquistas”, afirmou nesta semana a ministra da Saúde, Marta Temido, que pediu prudência. Antes da crise de saúde, Portugal estava entre os países da Europa com a menor proporção de número de leitos em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) por habitante. Mas o número de pacientes em estado crítico começou a registrar queda antes do serviço atingir o limite de sua capacidade.
No hospital Santa Maria de Lisboa, segundo o médico João Ribeiro, a situação está sob controle e nossas capacidades são suficientes. Desde o início da pandemia, o hospital dobrou o número de leitos de UTI – inicialmente eram 30 – e pode chegar a 120 em caso de necessidade. “Se tivéssemos registrado uma avalanche de casos, como aconteceu em outros locais, o país não teria meios para enfrentar”, explica Ribeiro.
Portugal detectou o primeiro caso no início de março, mais de um mês depois da Espanha. E a primeira morte aconteceu duas semanas depois, quando o país vizinho já registrava 200 mortes. O governo português, em uma ação mais rápida que a recomendada no momento pelos epidemiologistas, determinou o fechamento das escolas, fechou a fronteira com a Espanha e declarou estado de emergência para organizar o confinamento da população.
O primeiro-ministro português, António Costa, reconheceu que sem as medidas, apesar de serem menos rigorosas que as impostas aos espanhóis, o serviço nacional de saúde teria ficado sobrecarregado. “Teríamos muito mais pessoas contaminadas e muito mais mortes”, afirmou.
“A decisão de fechar as escolas foi a grande diferença em relação aos casos da Espanha ou Itália”, destaca o presidente do Sindicato Independente de Médicos, Jorge Roque da Cunha. Porém, este clínico geral da região de Lisboa está preocupado porque o sistema de público de saúde já estava “no limite após 10 anos de austeridade”, desde a grande crise financeira.
O resultado foi o fechamento dos serviços de emergência, 700 mil pessoas privadas do serviço de médico da família ou pacientes que precisam esperar até dois anos por uma cirurgia, segundo Cunha.
Patriotismo em tempos de crise
Portugal, diretamente impactado em 2011 pela crise da dívida na zona do euro, teve que sanear suas contas públicas em detrimento da qualidade dos serviços públicos.
Ao contrário do colega espanhol Pedro Sánchez, o primeiro-ministro Costa conta até o momento com o apoio do líder da oposição de direita, Rui Rio, que pediu a seus partidários que não critiquem o governo, em nome do patriotismo em tempos de crise.
As autoridades portuguesas confirmaram na quarta-feira que o estado de emergência e as medidas de confinamento permanecerão em vigor até o fim de abril para que o país tenha condições de iniciar em maio uma “transição progressiva”, rumo a uma retomada das atividades econômicas e sociais.
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