Doria se assanha cada vez mais com o poder

Ao se aproximar de Lula, um condenado pela justiça, depois de um elogio, João Doria mostra que só tem apreço por quem pode alimentar sua vaidade

O Olavo de Carvalho sempre menciona (se minha memória não me trai) que alguém que não está disposto a ouvir a verdade de maneira rude acabará sendo refém de quem lhe conta mentiras de um jeito todo manso. Um dos traços mais patentes da persona coletiva das nossas elites é esse amor desvairado pela moderação. Prudência & Sofisticação (apud Brasileirinhos, 2020).

A preocupação com a elegância dos gestos, com a mansidão da fala, com o todo bem alinhado do interlocutor conta muito mais do que aquilo que está sendo dito. Se isso ocorre no universo das idéias, onde um Cortella e um Karnal são tratados como grandes intelectuais quando dizem, de modo pomposo, as mais simplórias obviedades, o que dirá no universo da política em que isso parece ser a única regra.

Por isso mesmo, a eleição de Jair Bolsonaro foi uma quebra nesse expediente de nossa política. Mesmo Lula, para se eleger, precisou vestir a pele de cordeiro. Bastou assumir o cargo para voltar a ser o lobo ignorante e voraz que sempre foi. Bolsonaro é desabotoado, não mede as palavras, fala o que lhe vem à mente. Não por acaso, todo o beautiful people se sentiu aviltado por aquele grosseirão estar à frente nas pesquisas.

Nossa elite jeca, que ama as aparências, que venera os trejeitos que simulam uma cultura que não possui, uma classe genuína que não tem, preferiu, é claro, a perpetuação da gatunagem, encarnada pela figura do cassoulet de meia suja, Fernando Haddad, a um sujeito simples, desajeitado, mas claramente sincero.

O povo, cansado do teatrinho de refinamentos da nossa elite falante, que tratava a quadrilha mais corrupta do mundo com uma indiferença infame, apoiou massivamente Bolsonaro. A forma não resiste à falta de conteúdo por muito tempo. 

Em decorrência disso, uma legião de picaretas aproveitou a carona na popularidade do Capitão para se eleger. Como havia feito Lula, bastou assinarem o termo de posse para jogar fora a fantasia de lealdade e se virar contra aquele sujeito tosco, mas verdadeiro, que lhes deu apoio.

A maioria está cavando sua cova política. Figuras proeminentemente brilhantes e engenhosas, como Alexandre Frota, Joice Hasselmann e Janaína Paschoal, praticamente já perderam toda a credibilidade. O perigo fica por conta de tipos ensaboados como Rodrigo Maia e João Doria. 

A providência, ao que parece, não brinca em serviço e capturou um deles: João Doria. Para isso, fez uso de seu pecado favorito, a vaidade. Desde que o coronavírus surgiu, João Doria fez do vírus sua esperança. Travou o estado que governa e transformou vidas humanas em palanque político. 

O nosso homem de ferro de cardigan e sapatênis, ao ser elogiado por Lula por ter invadido uma fábrica para apropriar-se das máscaras produzidas pela empresa, não aguentou o tesão do aplauso e exibiu toda a sua Prudência & Sofisticação (apud Brasileirinhos, 2020) ao condenado por corrupção.  

Ao ceder à tentação da vaidade, Doria mostrou sua verdadeira essência: em nome do poder vale tudo. Valeu quando montou em Bolsonaro criando o slogan Bolsodória! Vale agora, montando em Lula. Tudo o que João Doria quer é uma turminha parruda que o dê amparo. A fachada prudente pode seduzir um Joel Pinheiro ou um Pedro Doria da vida, mas não engana mais ninguém que não tenha tempo para refletir sobre a vida em botecos descolados na Vila Madá ou nos Arcos da Lapa.

pedrodoria

Doria é o almofadinha clássico. É aquele que busca imitar a aristocracia, mas que não tendo se educado para isso, exibe na aparência aquilo que não consegue realizar na essência. 

João Osvaldo de Meira Penna, no artigo O Cartaz, desdobra o que Machado de Assis, no Brás Cubas, chamou de “amor das aparências rutilantes”:

“Essa preferência pela falsa representação, pelas formas sem conteúdo – um talento um tanto histriônico destinado a demonstrar mais do que realmente se possui; uma encenação para efeitos puramente externos, baseada na crença, às vezes ingênua, de que o próximo será iludido; uma tendência a morar em casa cuja fachada é mais rica do que o recheio – é certamente uma tal predileção pelas aparências rutilantes a forma menos recomendável da nossa persona coletiva.”

Por trás da fala visualmente conciliatória de João Doria está a ganância de alguém que perdeu a linha que cruza a decência. Lula não é um ex-presidente como, por exemplo, Fernando Henrique é. Mesmo com todo o mal-estar que sinto pelo sr. FHC, não se pode excluí-lo do debate. Lula, ao contrário, é um condenado em segunda instância por corrupção. É um homem que fez do país um balcão de negócios, que financiou ditadores genocidas e comprou o silêncio do jornalismo profissional.


Presa da vaidade, João Doria desnudou todos os seu ardis. Que hoje seja o início do fim de sua meteórica carreira política.

Confira matéria em senso incomum.

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