Ao pedir o reconhecimento do estado de calamidade pública, o governo busca facilitar a reação da economia frente à crise gerada pelo novo coronavírus. A União não precisará mais cumprir a meta fiscal prevista para este ano, que era de um rombo de até R$ 124,1 bilhões nas contas públicas. E, sem essa obrigação, o governo federal não terá mais a necessidade de contingenciar (bloquear) dezenas de bilhões de reais do Orçamento.
Na semana passada, a Instituição Fiscal Independente (IFI) estimava que seria necessário um bloqueio de até R$ 37 bilhões, já que as receitas previstas para este ano foram superestimadas durante a definição do Orçamento. Com a crise gerada pela pandemia do coronavírus, o contingenciamento poderia ficar ainda maior, pois o governo precisará gastar mais para combater o vírus e diminuir os seus efeitos na economia.
Um contingenciamento dessa magnitude inviabilizaria o funcionamento da máquina pública, justamente num momento em que o governo precisa de mais dinheiro. Segundo a IFI, o nível mínimo de despesas discricionárias para a máquina pública não parar é de R$ 77,2 bilhões. A equipe econômica calcula que o Executivo tem R$ 93 bilhões destinados às suas despesas discricionárias, caso os projetos que regulamentam o Orçamento impositivo sejam aprovados pelo Congresso.
Governo poderá gastar mais com saúde
O estado de calamidade também permitirá que o governo gaste mais, principalmente na área da saúde. Como não terá mais que cumprir a meta fiscal, suas despesas poderão ficar bem maiores que as projetadas, isso sem infringir a regra fiscal da meta.
O governo terá apenas de editar medidas provisórias abrindo crédito extraordinário para essas despesas. É o que manda fazer a regra do teto de gastos em situações de calamidade pública. As despesas executadas via crédito extraordinário ficam fora do teto, ou seja, podem crescer acima da inflação, segundo a própria emenda do teto de gastos. Essas MPs têm validade imediata, mas depois precisam ser chanceladas pelo Congresso.
Segundo declarou o ministro da Economia, Paulo Guedes, ao site Poder360 nesta quarta-feira (18), o governo aumentará apenas as despesas com saúde, justamente para combater o coronavírus. Ele disse que tudo o que o governo vai pedir de crédito extraordinário será para “saúde, saúde e saúde”.
Uma coletiva de imprensa do Ministério da Economia chegou a ser convocada para às 11 horas desta quarta. Nela, a equipe econômica daria mais explicações sobre o impacto do estado de emergência nas contas públicas e, possivelmente, em quanto aumentaria suas despesas para cobrir os gastos com saúde. A coletiva, contudo, foi cancelada.
Entenda melhor o caso
O governo anunciou na terça-feira (17) à noite que pedirá o reconhecimento do estado de calamidade até o fim de dezembro. O Congresso Nacional ainda terá de aprovar a solicitação. Os presidentes das duas Casas, Davi Alcolumbre (Senado) e Rodrigo Maia (Câmara), já se manifestaram favoráveis ao decreto. Uma sessão virtual deverá ser convocada para analisar o pedido.
Caso o estado de calamidade seja mesmo reconhecido, ele dispensará o governo de cumprir a meta fiscal. Isso está previsto no artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A meta fiscal nada mais é do que uma previsão do governo sobre qual será o saldo das contas públicas no fim do ano: se despesas maiores que as receitas (déficit primário) ou se receitas superiores às despesas (superávit primário), isso sem contar as despesas com o pagamento dos juros da dívida.
A meta fiscal precisa ser aprovada pelo Congresso. Para 2020, foi estabelecido que o governo poderia ter um déficit de até R$ 124,1 bilhões. Desde 2014 o governo vem registrando sucessivos rombos nas suas contas.
Para garantir o cumprimento da meta, a cada dois meses (a partir de março) o governo revisa suas projeções de receitas e despesas para saber se precisará bloquear recursos para cumprir a meta. Neste ano, o governo ia precisar contingenciar, pois a receita esperada será abaixo da prevista quando elaborado o Orçamento. Por exemplo, o governo previu a receita da privatização da Eletrobras (R$ 16,1 bilhões), um crescimento de 2,4% do PIB e o preço do barril de petróleo – que afeta a arrecadação com royalties – em US$ 52. Todos esses valores, muito provavelmente, não vão se concretizar.
O governo também vai precisar gastar além do previsto para combater a crise gerada pelo coronavírus. Uma medida provisória já foi editada para liberar na forma de crédito extraordinário mais R$ 5 bilhões para os ministérios da Saúde e Educação. Outros créditos extraordinários não estão descartados.
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