Não é histeria nem exagero. Para “achatar a curva” de contágio e evitar o colapso dos hospitais, será essencial evitar aglomerações e adotar as medidas básicas de prevenção
Dias atrás o biólogo Carl Bergstrom tuitou elogios enfáticos a um gráfico. Publicado pela jornalista visual Rosamund Pearce na revista The Economist, depois modificado pelo especialista em saúde pública Drew Harris com base em recomendações de 2017 dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDCs) para a epidemia de gripe, ele traduz com perfeição o desafio das autoridades sanitárias diante da pandemia de Covid-19, a doença provocada pelo novo coronavírus. Explica, numa imagem simples e de fácil compreensão, o sentido da expressão mais importante para enfrentá-lo: “achatar a curva” (acima, a tradução da versão de Bergstrom e da designer Esther Kim).
O erro mais frequente cometido por quem desdenha a pandemia é chamar a atenção para o a proporção aparentemente baixa de mortos (entre 0,5% e 3,5% do infectados), para a alta quantidade de casos leves (mais de 80%) e para a gravidade reduzida, a não ser em grupos de risco específicos (como idosos, diabéticos e doentes do coração). É afirmar que o risco mínimo para crianças não justifica medidas como a supensão de aulas ou comparar tudo a uma gripe, como fez ontem o presidente Jair Bolsonaro em mais uma manifestação infeliz.
O crucial não é a gravidade da doença em si, mas na capacidade de dar atenção a todos os infectados no momento em que eles precisam. Quanto mais as infecções são adiadas, quanto mais se “achata” a curva de contágio ao longo do tempo, menor a pressão sobre o sistema de saúde, maior a probabilidade de que ele dê conta da epidemia no pico. Quando o vírus se espalha rápido, não há leitos, máscaras, tomógrafos, respiradores e outros equipamentos para quem precisa.
A situação na Itália demonstra o que pode acontecer: hospitais lotados, sem condição de atender pacientes não só de Covid-19, mas de qualquer doença: câncer, ataque do coração, perna quebrada ou mesmo gripe. Italianos hoje morrem do que não morreriam em situação normal. A tragédia deriva não do efeito da Covid-19, mas do impacto dela no sistema de saúde. O alerta do colunista David von Drehle em artigo no Washington Post resume a questão com perfeição:
– Uma doença não precisa ser a pior de todos os tempos para produzir o pior cenário de todos os tempos. Basta impor ônus adicionais aos recursos de saúde superiores à capacidade desses recursos.
É por isso que todos os países afetados pela pandemia precisam fazer o possível para “achatar a curva” de contágio. Como a imagem demonstra, o mesmo número de infectados, mas mais espalhados ao longo do tempo, pode representar um ônus tolerável sobre a infra-estrutura de saúde. Quando todos precisam ser atendidos no hospital ao mesmo tempo, as mortes disparam.
Comparar as medidas adotadas por países que têm obtido sucesso no combate à pandemia ajuda a entender o problema. Na Itália, quando havia cerca de 7.500 infectados confirmados, o número de mortes já beirava 400 (hoje são quase 830 mortos para 12.500 infectados). Na Coreia do Sul, havia pouco mais de 50 mortes para 7.500 infectados (hoje há 66 para menos de 7.900). O que os sul-coreanos fizeram? Por que estão conseguindo controlar o vírus, ao contrário dos italianos?
A resposta pode ser resumida em duas palavras: testes e isolamento. Mais de 200 mil testes foram aplicados para confirmar as infecções. Cientistas desenvolveram um método que afirmam levar apenas 10 minutos para fornecer o resultado. Assim que um paciente com o vírus é descoberto, passa imediatamente a ficar confinado.
Evitar a transmissão é essencial para “achatar a curva” e evitar a pressão sobre o sistema hospitalar. Medidas drásticas, como quarentenas (Itália), confinamento de milhões de pessoas (China) ou proibição de viagens (Estados Unidos) podem até render mais repercussão. Mas têm eficácia menor que atitudes simples, como lavar as mãos, trabalhar em casa e evitar aglomerações (leia mais aqui).
Em vez de proibir os europeus de entrar nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump deveria era garantir o acesso a testes rápidos e baratos a todas as cidades americanas. Até 8 de março, quando os coreanos já tinham aplicado 190 mil testes (ou 3.700 para cada milhão de habitantes) e os italianos 50 mil (826 por milhão), os americanos mal passavam de 1700 (5 por milhão). Não é coincidência que os maiores sucessos na contenção da pandemia sejam Hong Kong e Cingapura, cuja população adotou medidas de auto-isolamento sozinha, em virtude da experiência com epidemias anteriores.
Não se trata de histeria, nem de exagero. Quanto antes as autoridades brasileiras entenderem a extensão da ameaça, quanto antes adotarem as medidas de prevenção necessárias, mais terão sucesso no desafio de “achatar a curva” e menor será o impacto da pandemia no sistema de saúde e na economia.
Cada indivíduo também deve fazer sua parte: lavar as mãos, evitar aglomerações e contatos desnecessários, só sair de casa quando essencial. Não porque pegar a doença seja necessariamente grave, mas porque, assim, evitará se transformar numa fonte de contágio para aqueles que realmente correm risco maior, como idosos ou diabéticos. Qualquer um que seja patriota de verdade e queira o bem da nação precisa contribuir para “achatar a curva”.
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