Após uma semana de conflitos com o Congresso Nacional, o presidente Jair Bolsonaro baixou um decreto na sexta-feira (6) que restringe o uso de jatinhos da Força Aérea Brasileira (FAB) por autoridades. A nova norma, porém, manteve a permissão para que os presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal usem essas aeronaves para se deslocar até suas residências. A manutenção da mordomia acontece a menos de dez dias dos atos pró-governo convocados para 15 de março, em que parte dos apoiadores defende abertamente o fechamento do Congresso e do STF.
Reportagens do blog publicadas nas últimas semanas mostraram os gastos com as viagens dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ); e do Senado Federal, Davi Alcomumbre (DEM-AP), para seus estados de origem. Maia fez um total de 230 voos nos jatos da FAB no ano passado, sendo 46 deles para a sua residência, no Rio de Janeiro. Considerando os deslocamentos de retorno, o número seria o dobro. Alcolumbre fez 54 viagens – 18 para o seu estado.
O Decreto 10.267/2020, publicado na última sexta, explicita os casos em que autoridades podem usar os jatinhos da FAB – emergência médica, motivo de segurança e viagem de serviço, com registro na agenda oficial da autoridade. Mas o parágrafo 5º do artigo 6º abre a exceção para os presidentes do Legislativo e do Judiciário: “Presume-se motivo de segurança na utilização de aeronaves da Aeronáutica o deslocamento ao local de residência permanente das autoridades de que trata o inciso II do caput do art. 2º”. Essas autoridades são justamente os presidentes da Câmara, do Senado e do STF.
O parágrafo 4º do mesmo artigo abre a exceção também para o vice-presidente: “Para fins do disposto neste Decreto, presume-se em situação de risco permanente o Vice-Presidente da República”. Isso deixa claro que o general Hamilton Mourão também pode viajar para casa de jatinho.
O dispositivo deixa implícito que os ministros de Estado não podem se deslocar para casa utilizando jatos da Aeronáutica. Essa proibição estava explícita no Decreto 8.432/2015, da então presidente Dilma Rousseff. O decreto suspendia a utilização dessas aeronaves por ministros de Estado e comandantes das Forças Armadas em deslocamento para o local de domicílio. Mas o decreto de Bolsonaro revogou o decreto de Dilma.
Ministros abusavam de jatinhos
O decreto Bolsonaro foi baixado depois que surgiram denúncias de abuso na utilização dos jatinhos da FAB por ministros ou substituto no exercício do cargo. Ministro interino da Casa Civil, Vicente Santini foi demitido em janeiro após usar uma aeronave em viagem para a Índia, onde estava o presidente da República, num voo com apenas três servidores. “O que ele fez não é ilegal, mas é completamente imoral”, disse Bolsonaro. Em seguida surgiu a informação de que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fez várias viagens no Brasil em jatos da FAB com apenas três passageiros.
O novo decreto corta a mordomias para interinos ou substitutos de ministros de Estado e comandantes das Forças Armadas. Poderia ser classificada como a “emenda Santini”. O decreto mantém a lista de autoridades autorizadas a utilizar os jatinhos: o vice-presidente da República, os presidentes da Câmara, do Senado e do STF, os comandantes e o chefe do Estado Maior das Forças Armadas.
A regulamentação mantém ainda o compartilhamento de aeronaves pelas autoridades. “Sempre que possível, a aeronave será compartilhada por mais de uma das autoridades se o intervalo entre os voos para o mesmo destino for inferior a duas horas”, diz o texto. Essa regra já existia em governos anteriores. Nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, ministros decolavam de Brasília para o mesmo destino com diferença de apenas alguns minutos, como mostrou reportagem publicada pelo blog.
O decreto de Bolsonaro também deixa claro que as regras não se aplicam ao presidente da República – no caso, ele mesmo –, às comitivas presidenciais ou às equipes de apoio às viagens presidenciais. O presidente Jair Bolsonaro está autorizado, portanto, a se deslocar para a sua residência no avião presidencial, por motivo de segurança, claro.
Caroninha mantida
A nova regulamentação mantém a carona para familiares, correligionários ou quem quer que seja. O último artigo trata das “vagas ociosas”. Diz que ficarão a cargo da autoridade solicitante os critérios de “preenchimento das vagas remanescentes na aeronave”, além daquelas ocupadas pelas autoridades que compartilharem o voo e por suas comitivas.
O campeão das “caroninhas” nos governos Lula e Dilma foi o então ministro da Educação, Fernando Haddad. Ele fez 97 voos entre Brasília e São Paulo acompanhado da mulher e da filha menor, além de outras autoridades e assessores. Fez 46 voos exclusivos para São Paulo, sem outros ministros. Em 15 deslocamentos, foi acompanhado apenas da mulher e da filha. Em alguns outros, estavam a mãe e o filho do ministro.
Lúcio Vaz é jornalista e cobre a política em Brasília há 30 anos, revelando mordomias, privilégios, supersalários, desvios de recursos públicos e negociatas nos três poderes. Com passagens por O Globo, Folha de S. Paulo e Correio Braziliense, ganhou os prêmios Embratel e Latinoamericano de Jornalismo Investigativo ao descobrir a Máfia dos Sanguessugas. Autor dos livros “A Ética da Malandragem – no submundo do Congresso” e “Sanguessugas do Brasil”.
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