Emmanuel Macron, o reformista desprezado pela sociedade francesa

O presidente Emmanuel Macron vem enfrentando constantes turbulências, mesmo quando suas mudanças começam a dar frutos. Foto: Christian Hartmann/Reuters

Nenhum presidente recente teve um efeito mais profundo na economia, sociedade e política da França. E muitos franceses o desprezam por isso

Adam Nossiter, The New York Times
05 de março de 2020 | 06h00

PARIS – Um após o outro, os discursos no Parlamento denunciavam o presidente Emmanuel Macron e seus planos de reforma, qualificando-os como “cinismo” e “crime flagrante”. Do lado de fora, centenas de manifestantes gritavam sua fúria. Alguns pediam a cabeça do presidente. Mas tudo não passa de teatro, por enquanto. As semanas de greves que começaram em dezembro e se estenderam até o ano novo contra os planos de Macron para reformar o sistema de aposentadoria francês fracassaram, mesmo que a raiva continue.

Macron, banqueiro de investimentos que virou político, agora com quase três anos de presidência, está tranquilo para enfrentar sua última batalha. Seu governo espera que o plano de eliminar os 42 esquemas de pensão da França e os fundir em um só tramite na câmara baixa do Parlamento ainda este mês e se torne lei no verão europeu. A antipatia que Macron inspira dá uma medida da profundidade da mudança que ele está introduzindo na França, um país onde é muito arriscado mexer com a tradição. Então, ele continua sendo repudiado, mesmo quando suas mudanças começam a dar frutos.

A taxa de desemprego recentemente atingiu sua taxa mais baixa em 12 anos: 8,1%. As taxas de emprego em idade ativa aumentaram, os programas de treinamento para trabalhadores estão mostrando grandes resultados e os contratos de trabalho de longo prazo estão superando os de curto prazo. Todos estes são avanços atribuídos ao afrouxamento do rígido mercado de trabalho francês promovido por Macron. Mas suas mudanças cobraram um preço alto na política e na sociedade.

Suas mudanças nas aposentadorias provocaram a maior greve de transporte na história da França. Por quase dois meses, os trens ficaram parados e protestos gigantescos tomaram as ruas de Paris. A greve ocorreu logo após o levante dos Coletes Amarelos, que trouxe para as ruas de Paris protestos violentos contra a desigualdade econômica, em uma escala não vista em pelo menos 50 anos.

O presidente Emmanuel Macron vem enfrentando constantes turbulências, mesmo quando suas mudanças começam a dar frutos. Foto: Christian Hartmann/Reuters
No Parlamento, os oponentes de Macron sobrecarregaram seu projeto de lei sobre as pensões com um recorde 41 mil emendas, uma tentativa de derrubá-lo. “Ficaremos nas trincheiras o tempo que for necessário, porque o povo sempre terá razão contra seus objetivos reacionários”, o líder de esquerda Jean-Luc Mélenchon disse recentemente no Parlamento.

Mas essas táticas parecem destinadas a naufragar com o número de macronistas que chegaram ao Parlamento com seu partido, o En Marche. E as previsões dos economistas de esquerda que diziam que o afrouxamento do mercado de trabalho provocaria demissões generalizadas não se realizaram.

No entanto, o implacável reformismo de Macron deixou cicatrizes. “Há uma grande resistência à maneira como ele exerce o poder neste país”, disse o cientista político Gérard Grunberg. “O resultado é que os franceses não querem mais saber de Macron”. Nas ruas, a hostilidade é palpável. “Ele tem nojo das pessoas comuns, da classe trabalhadora”, disse Anne Marchand, caixa de supermercado vestida de colete amarelo na manifestação do lado de fora do Parlamento. “Ele é só um banqueiro. Não entende nada de política”.

Christian Porta, outro manifestante, operário de uma fábrica de pão, disse: “Estamos cansados de só tomar sopa até o dia 15 do mês. A situação ficou realmente terrível”. Essa desconexão está causando desconforto entre os aliados de Macron. Cerca de 13 membros de seu partido no Parlamento saíram ou foram expulsos desde o início de sua presidência.

“As coisas estão muito frágeis”, disse Jean-François Cesarini, deputado macronista. “Temo que a lei seja aprovada contra o mundo inteiro – contra os sindicatos, contra a oposição. Essa ideia de forçar uma coisa faz com que as pessoas digam: ‘Você aprovou sua lei, claro, mas não nos ouviu’”.

Outros argumentam que o estrago já está feito. “Quando vimos tantos professores nas ruas?”, o comunista Fabien Roussel perguntou recentemente no Parlamento. “Todo mundo está insatisfeito”. “Por que tantos de nossos concidadãos pedem que essa reforma seja derrubada?”, acrescentou ele. “Você está correndo um grande risco de abrir uma rachadura realmente profunda entre nossos concidadãos”. / Eva Mbengue contribuiu com a reportagem. Tradução de Renato Prelorentzou.

Confira matéria do site Estadão.

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