O lucro dos grandes bancos brasileiros vem crescendo ano a ano. Em 2019, os ganhos acumulados das quatro maiores instituições – Itaú, Bradesco, Banco do Brasil e Santander – somaram R$ 81 bilhões, 18% mais que no ano anterior. Mas essa ‘bonança” nem sempre foi assim.
Nos anos de 1990, o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) criou emergencialmente o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), por meio do qual despejou pelo menos R$ 71 bilhões (em valores corrigidos) em grandes bancos. A medida teve como objetivo evitar uma quebradeira geral e o consequente colapso do sistema financeiro nacional. Hoje, passados mais de 20 anos desde o fim dos repasses, algumas instituições ainda devem R$ 28 bilhões aos cofres públicos.
De acordo com dados fornecidos pelo Banco Central à Câmara dos Deputados, atendendo pedido de informação do deputado federal Gustavo Fruet (PDT-PR), a dívida atual se concentra em duas instituições: Banco Nacional e Banco Econômico. O primeiro ainda tem uma dívida de R$ 20,6 bilhões (corrigida com base em setembro de 2019). O segundo deve R$ 7,3 bilhões. Há ainda um terceiro devedor, o Banco Crefisul, mas o valor é bem inferior, R$ 26 milhões.
A “montanha” de dinheiro dos contribuintes repassada às instituições não impediu que muitas delas quebrassem, tampouco evitou o aumento da concentração bancária no país.
Principal patrocinador do tricampeão de Fórmula 1 Ayrton Senna, o Banco Nacional surgiu a partir do Banco Nacional de Minas Gerais, fundado em 1944 pela família Magalhães Pinto, que tinha como membro o ex-governador de Minas Gerais José de Magalhães Pinto.
Acusado de ter inflado seu patrimônio com contas fictícias, o Nacional e seus ativos foram transferidos para o Unibanco, que, em 2008, anunciou fusão com o Itaú, formando um dos 20 maiores bancos privados do mundo. Os passivos, no entanto, ficaram com o Banco Central.
O Banco Econômico surgiu na Bahia, originalmente com o nome de Caixa Econômica da Bahia, em 1834. Era o banco privado mais antigo do Brasil. Durante a intervenção, técnicos do Banco Central constataram indícios de maquiagem no balanço contábil do Econômico, além de desvio de recursos por parte dos controladores. Os ativos do Econômico foram incorporados pelo Banco Excel, que passou a se chamar Banco Excel-Econômico. Mais tarde, passou para o Banco Bilbao Vizcaya Argentaria que, em 2003, foi para as mãos do Bradesco.
“Refinanciamento camarada” aos bancos
“Esse valor restante da dívida foi refinanciado com taxa completamente abaixo de qualquer financiamento de mercado. Foi feito uma espécie de Refis (programa de recuperação fiscal) para pagar esses R$ 28 bilhões. Se fossem corrigidos por taxas de mercado, esses valores seriam bem maiores”, diz Fruet, que foi presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada para investigar irregularidades no Proer.
Segundo o deputado, o valor da dívida corresponde ao que se prevê de economia com a reforma administrativa em gestação no governo, e não há informação segura de que o dinheiro será recuperado. “Se os bancos quebraram, por que teria que ter intervenção? Se uma empresa qualquer quebra, por exemplo, não tem esse socorro. Fala-se na crise sistêmica do setor bancário na época, mas para mim sempre vai ficar uma história mal contada”, questiona.
O ex-presidente da CPI do Proer diz que havia situações diferentes de um banco para outro. “Um exemplo é o Bamerindus, que era um caso de má gestão. Isso ficou muito claro no relatório do Banco Central. E o que houve? Houve aporte de dinheiro público a taxas fora do mercado. Depois o Bamerindus foi vendido para o HSBC que, por sua vez, vendeu para o Bradesco. Ninguém perguntou se vai ter ressarcimento ou não. O sistema não perdeu, mas o Brasil, o contribuinte, pagou a conta”, acentua.
Outra questão levantada por Fruet é o fato de ninguém ter sido punido. “E as operações irregulares? Foram constatadas muitas irregularidades na CPI. O Ministério Público denunciou, há decisão condenatória em segundo grau, mas ninguém foi preso. Então, alguma coisa está errada. Ou erraram nas medidas ou erraram nas decisões. Na época foi apontado que houve uma omissão criminosa por parte do Banco Central”, contesta.
O que foi o Proer
Até 1994, os mecanismos existentes para os casos de quebra de um banco se restringiam à decretação de intervenção ou liquidação extrajudicial. Nesse caso, a consequência era o fechamento das agências e o bloqueio dos depósitos e aplicações financeiras até que fosse concluído o processo de liquidação, o que implicava prejuízo aos clientes.
Com a implantação do Plano Real, a derrubada abrupta da inflação abalou os bancos, que até então lucravam no embalo da espiral inflacionária – em 1993, por exemplo, o IPC fechou em 2.477%. Temendo a quebradeira das instituições financeiras, com o consequente bloqueio dos depósitos em conta e das aplicações financeiras, o governo decidiu agir.
O Proer foi criado em novembro de 1995 por meio da resolução 2.208 do Conselho Monetário Nacional e das medidas provisórias (MPs) 1.179 e 1.182, ambas transformadas em lei em 1997. Segundo o governo, o programa buscava permitir que as instituições financeiras se adaptassem à nova conjuntura econômica ou ter seu controle transferido para outras. Com isso, na ótica governamental, se evitaria o colapso do sistema financeiro nacional, dando garantia aos depositantes e poupadores.
Por meio do programa, foram abertas linhas especiais de empréstimo aos bancos em dificuldades. Mais de R$ 71 bilhões (em valores corrigidos) foram transferidos das contas públicas para as instituições financeiras. Parte dos valores foi refinanciada posteriormente.
Com o Proer também foi criado o Fundo Garantidor de Créditos (FGC), uma entidade privada sem fins lucrativos destinada a servir de mecanismo de proteção aos correntistas, poupadores e investidores. Para a manutenção do FGC, as instituições financeiras contribuem com uma porcentagem do valor dos depósitos, dinheiro esse que pode ser usado em casos de quebra de um banco.
Em relatório enviado à Câmara dos Deputados no ano passado, o diretor de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta do BC, Maurício Costa de Moura, defende a medida adotada pelo governo FHC. “Não há dúvida de que, por meio do Proer, assegurou-se a necessária liquidez ao sistema e evitou-se o então iminente risco de crise sistêmica enfrentado pelo mercado financeiro nacional no período pós-Plano Real, sem prejuízo aos depositantes dessas instituições deficitárias”, afirma.
Sobre os valores que ainda não foram recuperados, Moura diz que estão sendo objeto de tratativas administrativas ou cobranças judiciais. Segundo o diretor, existem “garantias a serem realizadas, não havendo de se falar em prejuízo”.
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