Relatos de assaltos e tiroteios no interior ou no entorno de UPAs, além de ameaças sofridas por médicos e outros profissionais, se multiplicaram desde o início da paralisação de PMs; sindicatos apontam que violência é recorrente
“Assaltantes invadem Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do bairro Jangurussu”. “Dupla rende pacientes e funcionários na UPA do São Cristóvão”. “Tumulto no entorno de hospital na Barra do Ceará assusta enfermos e profissionais”. Os relatos de violência envolvendo unidades de saúde de Fortaleza se multiplicaram durante o motim de policiais militares, que chegou, ontem, ao 10º dia. Representantes das categorias afirmam, porém, que as ocorrências só expõem problemas que integram rotina de médicos, enfermeiros e outros agentes da saúde pública.
A ação criminosa na UPA do Jangurussu era assunto certo de quem passava, ontem, pelo carrinho de lanches de Vilanir Sousa, que trabalha em frente à unidade “faz mais de ano”. A escalada visível da violência, porém, só veio na última semana. “Só sei que todo mundo tá se sentindo inseguro. Segurança tá zero. A gente trabalha, mas é com medo, não vou negar. Chego aqui dez pras cinco todo dia, não tem movimento, já é perigoso. E agora tá demais”, relata.
O clima de apreensão foi reforçado pelo pintor de obras João Paulo, que esteve na UPA na manhã dessa quinta-feira (27) em busca de atendimento para um amigo. “Todo mundo fica sem querer comentar, lá dentro. Mas o clima tá tenso. Tem até mais seguranças lá dentro, de uma empresa”, observou. Logo à porta da unidade, um agente particular controlava a entrada e saída de pessoas.
O presidente do Sindicato dos Médicos do Ceará (Simec), Edmar Fernandes, aponta que “o problema é grave e recorrente”. “As UPAs sofrem muito nesse sentido. É muito comum, porque geralmente estão em localidades com altos índices de crimes. Ao lado da UPA do Conjunto Ceará, por exemplo, houve dois casos de tiroteios. Algumas vezes, há invasão, afetando direto a unidade”, aponta o médico.
Denúncias
De 2018 até o momento, o Simec recebeu 45 denúncias de casos de violência em UPAs e postos de saúde da Capital. Neste ano, foram apenas quatro, já que “muitos casos são subnotificados, tendo em vista o receio de as pessoas realizarem a denúncia”, como reforça a entidade, em nota. A subnotificação impede, além da tomada imediata de providências, que “o (Serviço) de Inteligência trabalhe ações de prevenção”.
“Para cada Boletim de Ocorrência registrado, estimamos que tenha havido no mínimo dez casos de violência nesses locais. Hospitais maiores, como IJF e da Mulher, têm sistema de segurança mais robusto. No caso dos postos de saúde e das UPAs, há dois anos a Prefeitura de Fortaleza tirou os seguranças. Hoje, estão totalmente abertos. O número de casos de violência de todos os tipos, desde física a roubos e vidros de carros quebrados, ameaças e violências verbais, têm aumentado. O número não reflete a realidade”, analisa Edmar Fernandes.
Outra denúncia mais recente é a de que policiais militares coagiram profissionais de saúde para que estes emitissem atestados médicos. O caso aconteceu em um hospital público da Capital, e foi relatado ao Diário do Nordeste por uma fonte que preferiu não se identificar. “O policial chegou fardado, se queixando de que estava passando mal. Já chegou dizendo que queria um atestado. Aferimos pressão e todos os sinais vitais estavam normais, então não era caso de emergência. Mesmo assim, falei com o médico, que disse que não ia atender porque sabia que todos os policiais estavam dando entrada pra pedir atestado. Quando comuniquei, ele falou que se não atendesse ele iria chamar a turma dele e sair atirando no hospital”, relata.
Diante da ameaça, o policial foi atendido. E outro problema, iniciado. “O médico ficou com medo e acabou atendendo. Quando atendeu, chegaram outros amigos dele falando que queriam atestado também, mas o médico disse que não daria mais a ninguém”, relembra a fonte. Questionadas, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) e a Polícia Militar do Ceará (PMCE) não enviaram posicionamento até a publicação desta reportagem.
Segundo o presidente do sindicato da categoria, esta “é ameaça comum”. “Sempre houve isso, mas com policiais não chegou ao nosso conhecimento ainda. É disparada a violência mais comum. Pessoas de facções e gangues solicitam algum tipo de serviço no posto, como atestados, com ameaças aos profissionais”, lamenta Dr. Edmar.
Sem agentes
Na noite de quarta-feira (26), um suposto tumulto com suspeitos armados, na rua do Hospital Distrital Gonzaga Mota da Barra do Ceará, deixou os profissionais e pacientes assustados. A situação foi adjetivada pela diretora setorial de saúde do Sindicato dos Servidores e Empregados Públicos do Município de Fortaleza (Sindifort), Regina Cláudia, como “cruel”. “Não temos em quem confiar, a quem recorrer. As pessoas correram para dentro do hospital, porque tinham pessoas armadas lá fora. Estamos em total clima de insegurança”, declara.
De acordo com a SSPDS, uma equipe da Guarda Municipal chegou a ser enviada ao local, mas nenhum Boletim de Ocorrência sobre o caso foi registrado.
Segundo Regina, os problemas são frequentes nas unidades públicas de saúde porque “não há profissionais adequados” para garantir a proteção dos locais – situação que piorou, na última semana. “Antes, nós tínhamos policiais entrando e saindo, eles davam aquela assistência, tinha sempre uma viatura nas proximidades. Hoje, nem isso. A gente chama, mas eles não vêm”.
Desde 2018, segundo o agente de saúde Anderson Ribeiro, são encaminhados ofícios à Secretaria Municipal de Saúde (SMS) solicitando profissionais da segurança para os postos de saúde da cidade, mas até agora, ainda não houve “resposta efetiva”. “Não há segurança privada, nem Guarda Municipal. Temos um porteiro, apenas. E o sistema de videomonitoramento não funciona em todas as unidades”.
No último ano, durante os ataques de facções criminosas no Ceará, a sensação de insegurança era a mesma para os profissionais das unidades básicas e dos hospitais. Naquele período, conforme Anderson, efetivos da Guarda Municipal (GMF) atuaram, momentaneamente, nos postos. “Agora, todos os dias, eu recebo ligações de servidores com medo de sair para trabalhar, apavorados. A Força Nacional está na rua, na Beira-Mar, mas eles não estão nas comunidades”, relata Anderson.
Em outro ponto da cidade, os profissionais do Hospital Nossa Senhora da Conceição, no bairro Conjunto Ceará, temem que a unidade seja invadida por criminosos. “Desde a paralisação, a situação agravou muito mais”, frisa a diretora setorial de saúde do Sindifort. Regina pontua que as unidades de urgência e emergência mais vulneráveis são os Frotinhas da Parangaba, da Messejana e do Antônio Bezerra, porque “estão em áreas de risco, com problemas de policiamento”.
Para o presidente do Simec, a presença de agentes da GMF em unidades municipais é fundamental. “A segurança dos postos não é só para os médicos, mas enfermeiros, zeladores, dentistas e os pacientes, que são os que mais se prejudicam com isso. Uma das propostas é que colocassem a GMF, para fazer a segurança de uma forma mais rápida e contratar seguranças particulares novamente – e pra assegurar as pessoas, e não o patrimônio”.
A reportagem pediu posicionamento às secretarias de Saúde estadual e municipal e Guarda Municipal de Fortaleza, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição. A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) informou que os profissionais de saúde que tenham se sentido coagidos a emitirem atestados médicos para agentes de segurança, sem que estes estivessem realmente doentes, que procurem unidades da Polícia Civil para registrar Boletim de Ocorrência.
A SSPDS ressalta ainda que todas as denúncias já feitas estão sob apuração e que os envolvidos serão identificados. Com relação a outros tipos de crimes, como roubos, por exemplo, a Secretaria destacou ser essencial que a população registre as ocorrências em delegacias.
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