O Brasil está entre os 15 países do mundo que mais publicam artigos científicos. Com 81,7 mil papers, a comunidade científica brasileira foi a 14ª que mais produziu no mundo, em 2018. Na série histórica de 22 anos (1996 a 2018), contabilizada pelo Scimago Institutions Rankings, o Brasil é o 15º, com mais de 938 mil artigos publicados, o que indica que o país deverá passar de 1 milhão de publicações quando os dados de 2019 forem registrados (o que costuma ocorrer no final do primeiro semestre). Mas a organização também mede a relevância dos conteúdos publicados, analisando quantas vezes os artigos foram citados. E, nesse ranking, o Brasil vai mal.
Entre os 49 países com mais de 100 mil artigos publicados nos 22 anos, o Brasil ocupa a 34ª posição em citações, com 10,5 citações por artigos. E essa classificação vem caindo ano a ano. Em 2017, entre os 70 países com mais de 3 mil artigos publicados, o Brasil ficou na 58ª posição e, em 2018, na 63ª, também de 73 nações.
“O que interessa para uma nação é a relevância das publicações científicas, e não sua quantidade. E a relevância, o impacto de milhares de estudos, é medida pela análise das citações desses trabalhos. Assim, o Brasil está em 14º lugar mundial em quantidade de estudos médicos, por exemplo, mas ficamos em 42º em impacto entre 48 países com ao menos 2000 publicações na área. Esse problema de baixo impacto aconteceu em todas as áreas que pesquisamos até o momento, exceto em Astronomia, onde o Brasil realmente está melhorando a cada ano”, analisa o professor Marcelo Hermes Lima, da Universidade de Brasília, responsável por uma série estudos cientométricos sobre a eficiência universitária.
“Se avaliamos o impacto da pesquisa brasileira, passamos de 29º lugar de 48 países (com mais de 3 mil artigos publicados) em 2005, para o 63º entre 73 em 2018. Estamos no mesmo patamar que a Nigéria”, acrescenta.
Ele faz previsões de que, até 2023, o Brasil cairá para a última posição no ranking.
“Se analisarmos a queda de relevância que a ciência brasileira vem tendo desde 2005 e projetarmos para os anos seguintes, chegaremos à última posição do ranking em 2023”, afirma.
“Em políticas de saúde, nossa produção acadêmica perde, em relevância, para países como Taiwan e Egito; em engenharia mecânica, perdermos para o Paquistão”, exemplifica.
Um exemplo: a USP
Em levantamento feito em parceria com o contabilista e analista da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) Luís Fabiano Borges, o professor da UnB usa como exemplo a Universidade de São Paulo (USP). A USP é a oitava instituição que mais produz artigos no mundo, com 16,8 mil publicações indexadas entre 2014 e 2017. Mas cada um desses artigos recebeu, em média, 4,1 citações e apenas 6,2% dos artigos (1051 dos 16,8 mil) estão entre os 10% mais citados do mundo – que é um índice chamado de %-top10%. “A USP está em 775º lugar do mundo no ranking de impacto %-top10%”, apontam.
Fabiano Borges aponta que os números refletem a política adotada no país desde a década de 1990. “O Brasil tentou se inserir internacionalmente com a produção quantitativa. Quando o Brasil teve um salto quantitativo por volta de 2009, superando a Holanda, isso foi muito comemorado – na época, o Brasil chegou à 13ª posição em produção de conteúdo científico. Mas, hoje, na medida em que analisamos esses conteúdos ao longo do tempo, temos a dimensão qualitativa do que foi produzido: uma produção em propulsão, mas de baixa relevância internacional”, diz.
“Houve a tentativa frustrada de uma produção muito voltada para dentro, isolacionista e restrita aos círculos acadêmicos locais. Mas a ciência trabalha com comunicação – e se não comunica existe uma deficiência clara que precisa ser trabalhada. Essa produção endógena é cara e ineficiente. São necessários novos incentivos para criar a possibilidade de uma internacionalização de fato. Tanto da linguagem como de temas, para tornar interessante para a comunidade internacional”, analisa.
Ressalvando haver artigos brasileiros que são destaques internacionais, o que leva o país a ter 40 mil citações em um ano, Marcelo Hermes Lima aponta que a média brasileira é muito baixa por termos milhares de artigos que nunca foram citados. “E todas as políticas de incentivo aos pesquisadores induzem a essa queda. Pois a Capes pontua mais a quantidade que a qualidade. No sistema brasileiro, vale mais publicar quatro ou cinco artigos de baixo impacto que um de grande impacto, pelo tempo que se leva numa pesquisa de grande impacto”, comenta.
“Sempre uso o exemplo que se um professor e um grupo de três alunos de doutorado dedicarem-se, em um período de quatro anos, a uma única pesquisa que venha a ganhar o Prêmio Nobel depois de publicada, um dos alunos, o que assinar como autor principal, receberá o título de doutor. Os outros dois e o professor serão expulsos da pós-graduação por não atingirem a pontuação mínima”, compara. “O incentivo é todo errado. Não existe incentivo para pesquisa de alto nível”, conclui.
Procurada pela Gazeta do Povo, a Capes afirmou que reconhece a necessidade de elevar a projeção internacional da pesquisa brasileira. “Por isso, tem investido para que o Brasil ganhe maior visibilidade no exterior. Atualmente, além dos 95,4 mil bolsistas no País, financia 8,7 mil bolsistas no exterior. Também já foram lançados 21 editais de cooperação internacional para desenvolvimento de estudos de ponta com as mais renomadas universidades dos Estados Unidos e Europa”, diz, em nota. “Essas e outras ações inéditas de incentivo, como investimentos em pesquisas na Amazônia Legal, projetos de inovação, bolsas focadas no desenvolvimento regional e fomento que estimule a soluções de problemas atuais da sociedade, com certeza contribuirão para que o Brasil atinja patamares mais altos e tenha mais citações em publicações internacionais”, prossegue.
Segundo a Capes, a produção científica brasileira cresceu de forma significativa nos últimos anos “e o desafio atual é desenvolver mecanismos que possibilitem torná-la mais ainda relevante em termos de qualidade no cenário internacional, que se traduz em número de citações”.
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