Durante os nove anos de guerra civil, milhões de sírios encontraram segurança em Idlib. A província era o refúgio, mas, agora, até esta relativa segurança foi extinta
É uma perigosa jornada de agonia a bordo de caminhões superlotados em meio ao clima gelado do inverno. Nos meses mais recentes, 800 mil sírios – em sua maioria mulheres e crianças – tentam escapar dos incessantes ataques aéreos no noroeste da Síria. Famílias foram separadas.
Alguns tentam ir de carro na frente. Outros seguem a pé. É uma migração cuja escala lembra a crise de 2017 envolvendo os rohingya em Myanmar. Mas aqui, em Idlib, onde forças favoráveis ao governo lutam para recapturar o último território mantido pelos rebeldes, muitos estão fugindo pela terceira ou quarta vez.
Durante os nove anos de guerra civil, milhões de sírios encontraram segurança em outros países – ou em Idlib. A província de Idlib era o refúgio dos que não tinham mais para onde ir. Mas, agora, até esta relativa segurança foi extinta. A Turquia fechou a fronteira. Enquanto forças aliadas ao governo avançam cada vez mais em Idlib, os civis se veem espremidos em um espaço cada vez menor entre a fronteira e a guerra.
Abu Muhammad, pai de quatro filhos e ex-soldado do governo que desertou, fugiu com a família no ano passado. Levou apenas aquilo que fez caber em uma pequena motocicleta – alguns cobertores e o livro didático de inglês da filha de 18 anos. “Saímos sem nada”, disse ele.
A família, que já foi obrigada a se deslocar múltiplas vezes durante a guerra, é parte do êxodo que teve início no ano passado, depois que forças sírias e russas eram início a uma nova ofensiva em território mantido pelos rebeldes. Hospitais, escolas e padarias foram atingidos. Em muitos lugares, é impossível chegar a uma instalação de saúde. Pelo menos 1,7 mil civis foram mortos desde o início da operação, no segundo trimestre do ano passado.
O governo e seus aliados também atingiram pessoas que estavam fugindo. Um ataque contra a van de uma família matou sete mulheres e duas crianças. Algumas pessoas incendiaram as próprias casas antes de partirem, determinadas a não permitir que caíssem nas mãos do governo.
“Queimem tudo. Não quero ver” forças do governo dentro de casa, disse Abdul Rahman Abdo ao incendiar a própria casa. Parece que o objetivo dos ataques é expulsar as pessoas. Funcionou. Se Idlib for tomada, o presidente Bashar al-Assad, da Síria, estará perto de recapturar o último território mantido pela oposição pela primeira vez desde 2012.
Muitas pessoas que fogem da violência acabam vivendo em barracas frágeis que são repetidamente atingidas pelas enchentes. Algumas já vivem em Idlib há meses. Outras famílias dormem ao relento. Como se não bastasse, faz frio, com temperaturas frequentemente inferiores a zero.
Uma barraca foi incendiada depois que uma família acendeu uma fogueira para se esquentar, causando a morte de duas irmãs mais novas. Pelo menos 12 pessoas morreram em decorrência do frio. Imagens de satélite mostram a grande expansão dos campos de refugiados e moradias temporárias na região ao longo do ano mais recente. Se os combates continuarem, outras centenas de milhares de pessoas terão de fugir.
Perto da fronteira turca, construções de tijolo serão finalmente erguidas para abrigar uma pequena parcela dos desabrigados. Mas não é o bastante. Europa, Turquia, Líbano, Jordânia – todos querem que a crise de refugiados chegue ao fim, com o retorno dos sírios ao próprio país. Mas, com a Síria tão destruída e a economia arruinada, pode ser que essas pessoas passem anos vivendo como refugiadas. Será que um dia os sírios poderão voltar para casa? / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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