Na primeira semana de fevereiro, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central reduziu a taxa Selic para 4,25% ao ano. Se a inflação anual ficar em 3,5%, os títulos públicos que o governo federal vier a emitir com juros de 4,25% darão uma taxa de juros real (taxa nominal menos a inflação) de apenas 0,75% ao ano. Por esse aspecto, a velha e batida expressão segundo a qual o Brasil tem “uma das maiores taxas de juros do mundo” acabaria sepultada. Mas a coisa não é tão simples assim, pois a taxa Selic é aplicada apenas para quem compra títulos do governo, ou seja, para os poupadores pessoas físicas e pessoas jurídicas que resolvem manter suas poupanças em títulos do governo.
De saída, vale lembrar que o principal efeito da redução da taxa de juros se dá sobre a dívida pública, em forma de redução nos gastos do Tesouro Nacional com o pagamento de juros. A afirmação frequente sobre o Brasil ter uma das maiores taxas de juros do mundo diz respeito, em geral, às taxas de juros pagas por pessoas físicas no crédito direto ao consumidor, no financiamento da casa própria, no cheque especial, no cartão de crédito e no financiamento de bens duráveis de consumo, e nas taxas pagas por pessoas jurídicas nos empréstimos para capital de giro e no financiamento de investimentos em seu negócio.
Com o atual nível da Selic, os rentistas que dependem dos juros pagos pelos títulos públicos verão o valor real de suas poupanças praticamente estagnado
A redução da Selic é boa sobretudo quando leva à redução de todas as taxas de juros nos empréstimos a pessoas e empresas. Se isso não ocorrer, os efeitos positivos ficam por conta da redução nas despesas de juros pagas pelo governo, que tem em contrapartida a queda nos ganhos reais dos poupadores que compram títulos públicos. Se a queda na Selic não levar à diminuição das taxas pagas pelas pessoas e empresas, os efeitos sobre o consumo e os investimentos não se alteram. No Brasil, há variáveis que dificultam a redução nessas taxas, como os custos dos bancos na captação, a carga tributária sobre as operações de crédito, os custos administrativos do sistema bancário, a inadimplência dos devedores, a demora na solução judicial das dívidas não pagas, os tributos sobre a intermediação financeira, a baixa competição entre os bancos e os lucros bancários.
Com o atual nível da Selic, os rentistas que dependem dos juros pagos pelos títulos públicos verão o valor real de suas poupanças praticamente estagnado e, se quiserem fugir de rendimentos reais próximos de zero, terão de avaliar outras aplicações financeiras. Diante disso, a primeira consequência deve ser a diminuição de aplicações em títulos públicos com taxa pré-fixada (aqueles em que a taxa de juros é fixada pela Selic na data de emissão do título e permanece a mesma durante todo o prazo de duração do papel) e o aumento na busca por títulos pós-fixados, que pagam juros segundo a taxa Selic de cada ano desde sua emissão até o vencimento. Além disso, quando cai a taxa de juros, aumenta o número de poupadores buscando comprar ações na bolsa de valores, que no Brasil registrou forte alta nos últimos meses, apesar das turbulências recentes devidas aos impactos do coronavírus. Este movimento de alta já tem gerado discussões sobre a sustentabilidade desta alta, ou se a bolsa brasileira estaria vivendo uma bolha.
Quanto aos investimentos privados, sobretudo aqueles feitos em expansão de empresas já instaladas, a queda na Selic contribui para elevar a disposição de poupadores em comprar títulos privados, atrás de rendimentos superiores aos títulos públicos, e aumenta o espaço para as empresas obterem financiamento via colocação de títulos privados no mercado. Nesse sentido, a queda da Selic acaba ajudando a expansão dos investimentos e o crescimento do Produto Interno Bruto. No mercado financeiro, o movimento maior deve ser a busca por alternativas, como os chamados “fundos multimercados”, que administram recursos aplicando em ativos financeiros além de títulos públicos ou privados, a exemplo de dólar, juros futuros e índices de ações.
A redução da taxa Selic e sua fixação em 4,25%, diante de uma inflação prevista de 3,5%, é um fator capaz de provocar alterações substanciais no mercado financeiro, pois acaba o conforto de aplicações simples e seguras em títulos públicos. Entretanto, a dimensão das mudanças e os rumos do que vai ocorrer dependerão de outros fatores, como a taxa de câmbio, a recuperação do PIB, o desempenho das exportações e a estabilidade da inflação. De qualquer forma, é uma experiência nova para o Brasil, acostumado com taxas de juros altas e instabilidade econômica. Somente a prática e a realidade dos fatos nos próximos meses e anos dirão se o Brasil adquiriu as condições efetivas para ingressar na era dos juros baixos ou se esse movimento ousado do Banco Central não se sustentará no longo prazo.
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