Bolha ou alta consistente: o que está acontecendo na Bolsa de Valores?

A lenta recuperação da economia brasileira não impediu a Bolsa de Valores de acumular recordes sobre recordes em 2019. E o principal mercado de negociação de ações de empresas do país – a B3, que centraliza os negócios negócios realizados nos segmentos BM&F e Bovespa – manteve o embalo no começo de 2020, atingindo novas marcas em janeiro e só refluindo após a disseminação do coronavírus. Uma euforia que, ao menos entre alguns investidores e observadores, levantou questões sobre uma possível bolha no mercado acionário.

Em 2015, o Índice Bovespa (Ibovespa), que é o indicador do desempenho das ações na B3, terminou o ano com pouco mais de 50 mil pontos. No final de 2019, estava acima dos 115 mil pontos, isto é, mais que dobrou em quatro anos. E não parou aí. Neste ano, em 23 de janeiro, atingiu o pico de 119.527 pontos.

Outro dado que mostra o bom momento da Bolsa brasileira é a participação de investidor pessoa física. Se em 2002 pouco mais de 85 mil pessoas físicas faziam negociações na B3, hoje são mais de 1,6 milhão, quase 20 vezes mais. A participação desse seguimento no volume de negócios saltou de 13,7% para 18,2% entre 2015 e 2019.

O aumento do número de investidores pessoas físicas foi um dos fatores que levaram a B3 a registrar, pela primeira vez desde 2014, mais dinheiro brasileiro do que estrangeiro nas negociações – 52% de capital nacional ante 48% de recursos do exterior.

Os recordes não param. No último dia 31 de janeiro a B3 comemorou um patamar histórico de negócios realizados, somando 6,25 milhões de negócios. O equivalente a mais de 13 mil negócios por minuto, considerando-se o período de negociação à vista da bolsa, das 10h às 18h. A marca anterior era de 5,88 milhões de negócios, registrada quatro dias antes.

A subida meteórica da bolsa brasileira só foi interrompida com o impacto do surto de coronavírus na China. O temor de um a epidemia global e os efeitos já previstos da doença no desempenho da economia chinesa fizeram com que o Ibovespa seguisse a onda negativa das bolsas mundiais e caísse abaixo de 114 mil pontos na sexta-feira (7).

O que é alarmismo e o que há de fato
Ao mesmo tempo em que trouxe euforia para muitos investidores, para outros a alta no mercado acionário brasileiro – com a economia nacional ainda tentando sair do atoleiro – despertou suspeitas de estar havendo uma bolha.

No jargão do mercado, a bolha acontece quando um ativo – ou um conjunto de ativos – está com preço muito acima do que seria seu valor real. O tombo abrupto decorrente do coronavírus, apesar de não tirar os ganhos acumulados nos últimos meses, ajudou a reforçar o temor de alguns investidores.

Um dos que compartilharam a tese de bolha foi o líder de uma das maiores gestoras independentes do país, Luis Stuhlberger, presidente da Verde Asset Management. “Os órfãos do CDI, os rentistas, eu incluído, e a torcida do Corinthians têm diversificado em tudo que aparece”, comentou, se referindo à busca dos investidores pela diversificação de investimentos. Para ele, a Selic (taxa básica de juros) no menor nível histórico tem pressionado a bolsa ante a maior demanda por ativos mais rentáveis.

Outro que também levantou a hipótese de bolha foi o presidente do Santander, Sérgio Rial. “Não existe capitalismo sem capital na mão de brasileiros, mas é preciso mudar a educação para pessoas terem noção de risco e não criarmos bolhas”, disse durante divulgação do balanço do banco.

Apesar do alerta sobre os riscos, para grande parte dos especialistas não existe bolha na Bolsa brasileira. Giacomo Diniz, professor de finanças do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec-SP), avalia que pode estar começando um leve indício de bolha, mas que ainda estamos muito longe disso.

“O fato é que no longo prazo o que sustenta o crescimento da Bolsa é o próprio crescimento da economia. E o que está acontecendo hoje? Nós observamos que as empresas de capital aberto estão melhorando substancialmente seus resultados, e isso tem ajudado a sustentar o crescimento da bolsa. Por outro lado, a economia como um todo ainda está demonstrando sinais de falta de aderência. Então, vem a pergunta: até onde as empresas têm fôlego para entregar resultado acima do registrado pela economia como um todo? É isso que vai nos dar a primeira diferenciação se estamos num caminho ordenado ou se esse crescimento está se dando sem lastro”, diz.

Para Diniz, outro fator que explica a alta recente da Bolsa brasileira é o saldo positivo dos investidores nacionais. “O dinheiro que os brasileiros colocaram na Bovespa é maior que a saída de recursos estrangeiros. Então, hoje a bolsa depende menos do capital internacional para sustentar sua alta”, avalia.

Rodrigo Moliterno, sócio da Veedha e head da mesa de renda variável da empresa, descarta a hipótese de bolha no momento. “O que nós estamos tendo é uma realocação dos investimentos, que estavam concentrados em renda fixa por causa dos juros altos. Com a queda dos juros, as pessoas estão procurando renda variável”, avalia.

Segundo Moliterno, o que favorece o crescimento dos investimentos em renda variável, em ações, é um ambiente melhor para que as empresas possam trabalhar e obter melhores resultados. “Essa conjuntura de melhora do ambiente para as empresas, com jutos baixos, ajudou a bolsa a crescer”, afirma. Ele também considera que os preços dos ativos brasileiros hoje não estão saturados, ou seja, o valor das ações não está alto em relação ao lucro das companhias.

O economista e sócio da Tendências Consultoria, Silvio Campos Neto, pondera que antes de falar sobre bolha ou não é preciso olhar se os preços dos ativos estão fora da realidade e observar qual é o lastro da bolsa.

“O preço das ações está relacionado à expectativa do desempenho futuro dos resultados das empresas. Se há uma perspectiva de melhora de resultado, de lucro, as ações tendem a subir. O que está por trás é que há uma percepção de melhora da economia brasileira, aliada à queda sem precedente da taxa de juros. Esses fatores ajudaram a potencializar essa demanda forte por renda variável, tendo em vista que acabou aquele ambiente de retorno fácil na renda fixa”, diz.

O que precisa dar certo e o que pode “azedar”
Muitas analistas veem como factível as projeções de que a bolsa brasileira possa subir ainda mais durante 2020. Há projeções para o Ibovespa na casa de 130 mil a 135 mil pontos, com alta de até 19% na comparação com o patamar de sexta-feira (7). Mas para isso é necessário que alguns fatos positivos se efetivem – e muitos deles dependem da esfera política.

Na opinião do professor Giacomo Diniz, para o crescimento seguir contínuo a curto prazo a economia como um todo precisará se recuperar, apresentar resultados melhores que os registrados atualmente. “Com a melhora da economia como um todo, os resultados das empresas sobem e favorecem a bolsa”, diz, com a ressalva de que é fundamental os juros se manterem baixos. “O aumento do número de pessoas físicas que investem em ações vai depender do nível dos juros”, alerta.

Rodrigo Moliterno, da Veedha, aponta a volta do capital estrangeiro como um fator importante para a Bovespa continuar a crescer. “O que estaria faltando para o capital externo voltar para a bolsa é um pouco mais de clareza principalmente na reforma tributária, que está para ser votada. Tendo um ambiente mais claro, com as reformas sendo encaminhadas, aí será possível vislumbrar o retorno do investidor de fora, que hoje está baixo”, avalia.

Na avaliação dos especialistas, no entanto, também há uma série de fatores que podem transformar o otimismo de hoje em pessimismo. “O que poderia dar errado seria alguma coisa externa, por exemplo, uma situação descontrolada do coronavírus ou uma reviravolta na política externa dos EUA, especialmente na relação com a China. E há também fatores internos, como a possibilidade de as reformas não caminharem no Congresso. Nesse caso o Guedes poderia querer deixar o governo, assim como o Moro e outros ministros técnicos, que hoje dão sustentação ao Bolsonaro”, prevê Moliterno.

Na contramão de quem vê a necessidade de aumento do capital estrangeiro para a bolsa brasileira continuar subindo, Giacomo Diniz vê problema caso o capital especulativo internacional desembarque em peso na Bovespa. “Poderemos ter problemas se ocorrer uma combinação de uma economia patinando, como está hoje, e ao mesmo tempo a entrada maciça de capital especulativo internacional. Isso levaria a uma bolha, apesar de ser muito improvável que isso aconteça”, diz.

Confira matéria do site Gazeta do Povo.

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