Embora efeitos ainda sejam limitados, há preocupação tanto com a venda de produtos para a China quanto com a importação de materiais do país asiático
SOROCABA (SP) – Embora ainda seja muito cedo para se estimar os impactos do coronavírus na economia brasileira, já é certo que a preocupação se instalou na cabeça dos empresários. No polo calçadista de Birigui (SP), por exemplo, fabricantes que têm negócios com os chineses estão apreensivos com os possíveis efeitos da crise. A Kidy Calçados, que exporta calçados infantis para o mercado chinês há mais de um ano, informou que está colocando o tema no radar diário para fazer o monitoramento em relação às vendas. “Temos o cuidado de trabalhar com empresas de relevância para o transporte marítimo e aéreo, porque não são todos que continuam fazendo serviço de frete para a China”, informou Rodrigo Nunes Esteves, gerente de exportação.
O coordenador do núcleo de comércio exterior do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) em Ribeirão Preto, Everton Mestre, disse que já há falta de produtos chineses para as empresas da região, mas que essa falta deve levar alguns dias para ser mensurada. “Com a prorrogação do feriado do Ano-Novo Lunar pelo governo chinês, algumas fábricas de lá voltaram a trabalhar, mas muitas ainda não estão produzindo. Como mais de 60% do nosso comércio é de material importado da China, não há dúvida de que alguma coisa já está impactando.”
Mestre dá consultoria em comércio exterior e 80% dos seus clientes trabalham com produtos importados do mercado chinês, que vão de luminárias a chapas para outdoor. “Estamos preocupados porque a cada hora aparece uma notícia diferente. Agora, já se disse que o vírus pode ser transmitido pelo contato com produtos chineses. Sabemos que não há risco de transmissão pela mercadoria, pois quase todo produto vem por navio, em contêineres, mas acaba gerando um alarme prejudicial.”
Impacto em feiras e viagens
Agências de viagens também já foram afetadas pelo cancelamento de voos para o país asiático. Além das restrições do governo chinês aos embarques de pessoas das regiões afetadas para cá, o Ministério da Saúde do Brasil recomendou que sejam evitadas viagens à China, limitando-as ao “extremamente necessário”.
Conforme Luciana Fernandes, agente de viagens da agência Blitztur, de Ribeirão Preto, feiras e eventos que deveriam movimentar a venda de passagens aéreas para a China neste início de ano estão com a realização incerta. Empresários que já tinham se programado para participar agora estão à espera de uma definição. “Temos clientes que decidiram não viajar no momento e a maioria das companhias aéreas cancelou seus voos.”
Segundo Luciana, os chineses que viriam para o Brasil também não puderam viajar. “Alguns clientes que retornaram há pouco tempo de lá me contaram que, em Xangai, o governo está aconselhando as pessoas a não saírem de casa, não ficar em aglomerações e os meios de transporte estão sendo desinfetados, tudo por causa do coronavírus.”
O consultor Leonardo Tiroli, que realiza o Fórum de Internacionalização de Empresas e atua no relacionamento entre empresas nacionais e estrangeiras, já percebeu um impacto do coronavírus. “Sentimos que todos ficaram receosos e alertas. Clientes e parceiros que tinham viagens programadas para a China estão revendo ou reagendando, esperando essa crise passar”, disse. Ele aconselha os empresários a manter a calma e seguir com as negociações. “É só ter cautela quanto às viagens para lá nesse momento. Quem teve contato com pessoas da China ou que vieram de lá deve seguir as orientações dos órgãos sanitários”, disse.
A Invest SP, agência paulista de promoção de investimentos, que recentemente abriu um escritório em Xangai para ampliar as relações econômicas entre os empresários paulistas e aquele país, adiou ou cancelou as missões empresariais e eventos programados para fevereiro e março. Uma nova avaliação será feita ao longo de fevereiro. “Nossos funcionários e empresas incubadas estão em sistema de home office temporário até o dia 10 deste mês. Após essa data, faremos uma nova avaliação da situação”, informou a agência.
Importação de máquinas prejudicada
O presidente da Associação Brasileira de Importadores de Máquinas e Equipamentos Industriais (Abimei), Ennio Crispino, acredita que a epidemia trará prejuízo para a indústria brasileira que depende da importação de produtos chineses. “Os mais atingidos são os importadores que, muitas vezes, são os usuários finais, ou seja, o cliente que compra essas máquinas para sua indústria. Esse usuário poderá ser prejudicado, pois atrasos fatalmente vão ocorrer.”
Segundo ele, a fase ainda é de apreensão. “Não se tem uma noção exata de quanto tempo vão durar as medidas que o governo chinês tem tomado, e se realmente o governo chinês vai conseguir controlar a epidemia.” Ele espera que até o final do mês seja possível dimensionar a extensão dos prejuízos. “Nossa indústria será afetada porque importa máquinas, equipamentos, insumos e matéria-prima da China. Já vi comunicado de grandes empresas do Brasil pedindo ao fornecedor que se manifeste sobre eventuais atrasos para que sejam tomadas providências no sentido de reprogramar a produção ou buscar outros fornecedores a nível mundial.”
Crispino acredita que as exportações brasileiras para a China não serão afetadas do mesmo modo que as importações. “Nós exportamos mais commodities agrícolas, principalmente soja e carnes. Uma coisa absolutamente certa é que os chineses continuarão comendo.” Segundo ele, a China já demonstrou capacidade de recuperar o tempo perdido. “Um amigo chinês me mandou um vídeo mostrando um hospital sendo construído em seis dias. Porém, na vida empresarial, sempre é preciso ter planos A, B, C ou mais. Apesar de ser recomendada cautela, se o plano A é importar da China, deve-se procurar novos fornecedores, principalmente de componentes industriais.”
Mas, de acordo com o pesquisador José Alberto Angelo, do Instituto de Economia Agrícola (IEA), da Secretaria da Agricultura e Abastecimento de São Paulo, os exportadores brasileiros também podem ter problemas com as vendas de soja e derivados, usados na fabricação de ração animal, porque os insumos não estão chegando às regiões isoladas da China. “Há notícias de mortes de animais, principalmente frangos, por falta de alimento”, disse. Ele acredita porém que, se em um primeiro momento as vendas de soja podem ser afetados por essa questão logística, mais à frente, quando o problema estiver superado, a China precisará de maiores volumes para suprir o desabastecimento.
China é o maior parceiro comercial do Brasil
A China é, de longe, o principal parceiro comercial do Brasil. Em 2019, segundo o Ministério da Economia, o Brasil exportou US$ 62,9 bilhões para os chineses, 28% de toda a exportação, muito acima dos 13% exportados para os Estados Unidos. Os chineses compram do Brasil principalmente soja (24%) e minério de ferro (21%), mas aparecem na pauta pastas de madeira (5%), carne bovina (2%) e frango (2%). No ano passado, o País comprou da China US$ 35,2 bilhões, 19% das importações brasileiras. Vieram de lá principalmente manufaturados, motores, geradores, plataformas de perfuração e componentes eletrônicos.
No Estado de São Paulo, a China é a principal parceira do agronegócio. Em 2019, as exportações agropecuárias paulistas para o país asiático foram de US$ 2,92 bilhões, 19,3% do total do Estado. Para a União Europeia, segunda maior compradora, o agronegócio paulista exportou US$ 2,76 bi (18,4%) e para os Estados Unidos, US$ 2,01 bi (13,3%). Os produtos do complexo soja representaram 38,9% do valor exportado pelo setor agrícola aos chineses, enquanto as carnes chegaram a 32,6%, segundo o IEA.
Confira matéria do site Estadão.
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