Análise: Pensões a solteiras levanta debate sobre o Direito, o justo e o ético

A Esplanada dos Ministérios, em Brasília, que abriga órgãos do Executivo federal Foto: Dida Sampaio/Estadão

Pelo menos 52 mil mulheres recebem o benefício do Estado porque não se casaram “no papel” e porque seus pais, todos civis, trabalharam no governo federal antes de 1990

Nem sempre o direito é justo ou ético. Uma lei pode ser injusta e absurdamente imoral. As leis que deram suporte às ditaduras no Brasil, por exemplo, podem ser ajustadas àqueles direitos, mas nunca serão justas ou éticas. Não é preciso ser jurista para saber que, no Brasil, não faltam leis, por mais que abunde a impunidade. Sobra-nos, ademais, o bom e velho patrimonialismo.

A nossa realidade política produz tantos absurdos insofismáveis que não é de se estranhar que o cidadão médio passara, nos últimos anos, a clamar por um maior rigor na aplicação das leis penais, especialmente no que refere-se à proteção do erário público; ou ainda a defender uma re-moralização da esfera pública. 

Tais sentimentos, no entanto, escondem algumas armadilhas. Em primeiro lugar, dão asas ao populismo punitivo, arma letal para as democracias uma vez que implode os direitos fundamentais e estilhaça qualquer ética humanista. Por sua vez, o moralismo legitima a imposição de valores ou ideologias particulares como verdades que deveriam ser cumpridas por todos. Nessa toada, obvia-se o bem comum e a própria dimensão deliberativa que os acordos éticos requerem. Esquecemos a imperfeição dos regimes democráticos, preferíveis quando comparados à outras formas de governo.

O Estado mostrou que o governo paga pensão a 52 mil filhas solteiras de ex-servidores do Executivo.

Como fazer, então, para suprimir leis injustas, impregnadas do pior ranço patrimonialista e que respondem a um espírito pouco ou nada republicano? O caminho é, senão, o da própria política. É inegável o legítimo direito de que, mesmo quando cassados, benefícios imorais já concedidos perdurem. Gostemos ou não, assim operam as democracias. No entanto, é inadmissível a ausência de transparência e controle que permitam, paulatinamente, atar toda forma de benefício privado que se constitua a partir de um vício à coisa pública.

*Professor de ética do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM.

Confira matéria do site Estadão.

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