Especialistas questionam logística de quarentena no Brasil

Médico atende paciente em área isolada de hospital em Wuhan, na China Foto: EFE/EPA/YUAN ZHENG

País nunca adotou a medida de isolar grupos grande; medida já foi tomada por outras nações, como Estados Unidos e Alemanha

RIO – A decisão do governo federal de manter os brasileiros vindos de Wuhan, na China, isolados em uma base militar por pelo menos 18 dias está em consonância com o que vem sendo feito em outros países, como Estados Unidos e Alemanha, diante do medo de uma pandemia do novo coronavírus. No entanto, especialistas questionam aspectos logísticos da operação que nunca foi feita no Brasil nessa escala e pode oferecer grandes desafios.

O infectologista David Uip questionou a eficácia da quarentena sanitária prevista pelo Ministério da Saúde para brasileiros trazidos da China. Para ele, há pouca informação sobre o tempo de incubação do novo coronavírus, desta forma, não existiria garantia de que o período de transmissão seria coberto. Confira entrevista à Rádio Eldorado.

O infectologista Edmilson Migowski, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que a medida é correta, mas que é preciso ter “a quarentena da quarentena” para que seja de fato eficiente.

“Ou seja, as pessoas não podem ser confinadas juntas, num mesmo ambiente fechado”, afirma. “Porque se uma delas estiver mesmo infectada há o risco de passar para as outras; aí o sujeito que não pegou o coronavírus lá na China vai acabar pegando aqui, na quarentena.”

Migowski explicou que as pessoas devem ficar isoladas por núcleo familiar ou de acordo com o acerto de moradia que tinham na China. Mas não podem estar em contato entre si de forma geral.

O infectologista Estevão Portela, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, da Fiocruz, tem a mesma avaliação.

“A medida faz todo o sentido do ponto de vista técnico: trata-se de uma infecção respiratória aguda, com um período entre o contágio e o surgimento dos sintomas de até três semanas. O isolamento teoricamente minimizaria os riscos de disseminação.”, diz. “Mas há muitas questões operacionais envolvidas: onde essas pessoas vão ficar? Como os resíduos dessas pessoas serão descartados? Como será o condicionamento do ar para que o vírus não seja disseminado no ambiente?”

Portela sustenta que não há registro na história recente do país de uma quarentena envolvendo tantas pessoas. Na última epidemia de ebola, alguns profissionais de saúde que estiveram em áreas afetadas ficaram em isolamento dentro de suas próprias casas, com monitoramento diário. Segundo o infectologista, essa poderia ser uma alternativa ao confinamento em grupo.

“Poderíamos mandar cada família para sua casa com a instrução de usar máscara, não receber visita, não sair de casa, tirando a temperatura duas vezes por dia”, sustenta. “Um profissional de saúde seria acionado se algum sintoma surgisse.”

A decisão de reeditar a quarentena conta com respaldo de algumas das mais importantes instituições de saúde do mundo, como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Centro de Controle de Doenças (CDC, na sigla em inglês), nos EUA. A OMS elogiou a decisão da própria China de “adotar medidas extraordinárias diante de um desafio extraordinário”, ao isolar várias cidades. E o CDC, ao determinar a quarentena de 195 cidadãos americanos que chegaram da China no fim de semana, justificou: “Reconhecemos que se trata de uma medida sem precedentes, mas estamos diante de uma ameaça de saúde pública sem precedentes”.

Na Alemanha, um grupo de 114 pessoas também está isolada num hospital. Duas delas apresentaram sintomas e foram levadas para tratamento em outra instituição. Em Portugal, 30 nacionais que estavam na China também chegaram no fim de semana e estão em quarentena.

O número de casos do novo coronavírus já ultrapassa os 17 mil, com quase 400 mortes já confirmadas. Embora a taxa de letalidade seja relativamente baixa, a doença está se alastrando com muita rapidez e pode causar um número recorde de infecções. Como não há vacina nem remédio específico para combater a doença, as medidas de isolamento físico são as únicas disponíveis.

Confira matéria do site Estadão.

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