Fundador de escritório que fez auditoria no BNDES depôs como testemunha de defesa de Lula

Sede do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no Rio. Foto: Fabio Motta/ Estadão

Integrantes da atual gestão do banco de fomento têm criticado, nos bastidores, a contratação do escritório para investigar ‘caixa-preta’

BRASÍLIA – O fundador no Brasil do escritório contratado para abrir a “caixa-preta” do BNDES nas operações com o grupo J&F, o advogado Gabriel Giráldez, depôs como testemunha de defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do triplex do Guarujá. 

Em junho de 2017, depois de já ter sido contrato pelo BNDES na gestão petista para prestar serviços de consultoria jurídica internacional, o chefe da Cleary Gottlieb Steen & Hamilton LLP no Brasil respondeu a perguntas formuladas pelo advogado de Lula, Cristiano Zanin, diante do então responsável pela 13.ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, Sérgio Moro.

Uma delas questionava se o escritório Cleary havia participado da oferta pública de ações que a Petrobrás realizou em 2012. “Eu não participei pessoalmente. Outros sócios do escritório é que levaram esses casos. Eu não trabalhei nunca numa operação da Petrobrás”, afirmou. O depoimento foi feito na ação penal em que Lula era acusado de recebimento de dinheiro ilícito da empreiteira Odebrecht.

Giráldez afirmou que trabalhou desde 1998 para o Cleary nos escritórios de Nova York e Paris em operações de mercados de capital, mas não mencionou qualquer atuação específica no ramo de auditoria. “Até que em 2011 vim para São Paulo abrir a filial do escritório”, afirmou. O Estado procurou a Cleary Gottlieb, por meio de sua assessoria, sobre a relação do responsável da empresa com o ex-presidente Lula, mas o escritório preferiu não se manifestar.

O fato de a auditoria para apurar irregularidades nas operações do banco no período petista e de Michel Temer ter sido feita por um escritório estrangeiro, cujo chefe no Brasil atuou como testemunha de defesa de Lula, é criticado nos bastidores por integrantes da atual gestão do BNDES, sob condição de anonimato.

Como revelou o Estado, o edital vencido pelo Cleary em 2015 tinha como objetivo inicial contratar consultoria internacional na área do direito. Ou seja, a contratação da empresa Gottlieb Steen & Hamilton LLP não teria ocorrido, inicialmente, com a finalidade de realizar auditoria da “caixa-preta”.

O que aconteceu foi que, a partir de 2018, o BNDES começou a sofrer pressão da sociedade e dos governos para que revelasse quem eram os beneficiados por seus financiamentos. O banco também era cobrado por mais transparência. Nesse contexto, a instituição prometeu realizar uma auditoria interna, aproveitando o mesmo contrato para fazer os trabalhos de auditoria.

Após um ano e dez meses de trabalho focado em oito operações com as empresas JBS, Bertin, Eldorado Brasil Celulose, a auditoria não apontou nenhuma irregularidade em relatório publicado no fim do ano passado.

O Ministério Público Federal em Brasília, porém, apontou prejuízos de R$ 2 bilhões ao banco em operações com o grupo J&F. Dados da Operação Bullish mostram desrespeito ao limite de crédito que poderia ser emprestado à JBS e dispensa de recebimento de juros sobre o valor injetado na empresa.

Desde a revelação do caso pelo Estado, o atual presidente do banco, Gustavo Montezano, tem sido pressionado pela diretoria e pelo Conselho de Administração do BNDES a dar uma resposta mais contundente e rápida sobre a auditoria contratada para desvendar a “caixa-preta”.

Um dos aditivos foi feito durante a gestão de Dyogo Oliveira no BNDES, no segundo semestre de 2018. Já o último aditivo, de outubro de 2019, foi realizado sob a gestão de Montezano e incrementou em cerca de R$ 15 milhões o valor do contrato com o Cleary. O BNDES diz que, ao todo, desembolsou R$ 48 milhões pela auditoria. No entanto, o contrato com a Cleary fechou em US$ 17,5 milhões (mais de R$ 70 milhões).

A abertura da “caixa-preta” foi uma das missões conferidas por Jair Bolsonaro ao Montezano, que tomou posse em substituição a Joaquim Levy, primeiro nomeado pelo governo para comandar a instituição. Ele se juntou a outros executivos que passaram pelo banco após o fim da gestão Dilma Rousseff e tiveram dificuldades para comprovar irregularidades na concessão dos financiamentos.

No governo Temer, Maria Silvia Bastos Marques evitou o assunto. Paulo Rabello de Castro e Dyogo Oliveira negaram sua existência. “Ou sou um completo idiota ou não existe ‘caixa-preta’ no BNDES”, chegou a dizer Rabello.

Levy falou em “ter clareza sobre operações do passado”, mas não chegou a avançar na busca por operações fraudulentas. A dificuldade foi apontada como um dos motivos para a insatisfação de Bolsonaro com sua gestão – o executivo pediu demissão após o presidente dizer em entrevista que estava “por aqui” com ele.

A “caixa-preta” foi um dos temas dominantes na campanha de Bolsonaro. Para muitos apoiadores do presidente, a sua abertura teria potencial para malfeitos maiores do que os descobertos pela Operação Lava Jato na Petrobrás.

Logo após a vitória nas urnas, o presidente eleito se comprometeu a determinar, no início do mandato, “a abertura da ‘caixa-preta’ do BNDES e revelar ao povo brasileiro o que foi feito com seu dinheiro nos últimos anos”.

Confira matéria do site Estadão.


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