Até então, ministro da Justiça defendia que investigação sobre morte de vereadora do Rio e seu motorista fosse conduzida por Polícia Federal
BRASÍLIA – O ministro da Justiça, Sérgio Moro, mudou de opinião e passou agora a se opor à federalização das investigações do assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Em documento sigiloso obtido pelo Estado, o ministro defende prestigiar o entendimento dos familiares de Marielle, que são contrários à transferência do caso.
A manifestação da pasta comandada por Moro subsidia o parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), que se manifestou contra retirar a apuração das mãos das autoridades do Rio.
Marielle foi assassinada a tiros no centro do Rio, em um caso que aguarda solução há quase dois anos. Na véspera de deixar o cargo, em setembro do ano passado, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu a federalização das investigações, sob a alegação de que deixar o inquérito com a Polícia Civil do Rio podia gerar “desvios e simulações”. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) ainda não decidiu se aceita o pedido.
Em entrevista na noite desta segunda-feira ao programa Roda Viva, da TV Cultura, Moro afirmou que as críticas de familiares de Marielle a uma possível federalização do caso o fizeram mudar de posição.
“(Os familiares) Levantaram, de uma forma não muito justa, que a ideia de federalizar era para que o governo federal, de alguma forma, obstruísse as investigações, o que era falso. Foi o próprio governo federal, com a investigação na Polícia Federal, que possibilitou que a investigação tomasse o rumo correto”, disse Moro. “O governo não tem nenhuma intenção de proteger os mandantes desse assassinato.”
Questionado, durante o programa, se Bolsonaro concordou com a mudança de opinião, Moro disse ter “comentado” com o presidente, mas não entrou em detalhes.
“O presidente sempre apoiou, sempre entendeu que isso deveria ser investigado. Houve essa investigação da PF (sobre obstrução) e nunca houve qualquer interferência indevida por parte do presidente. Nunca houve qualquer afirmação ‘não faça isso, não faça aquilo’, sempre se trabalhou para que os fatos fossem, da melhor maneira, elucidados”, afirmou. “O governo é o maior interessado em elucidar esse crime”, concluiu o ministro.
Depoimento do porteiro
O processo ganhou novos contornos após o presidente Jair Bolsonaro ter o nome associado ao caso, conforme depoimento de um porteiro do condomínio onde moraram Bolsonaro e o policial militar aposentado Ronnie Lessa, acusado de participar do crime. O depoimento foi revelado em outubro pela TV Globo. O funcionário, no entanto, alegou depois que se enganou.
À época, Moro disse que a menção a Bolsonaro era um “disparate”. “Vendo esse novo episódio, em que se busca politizar a investigação indevidamente, a minha avaliação é que o melhor caminho para que possamos ter uma investigação exitosa é a federalização”, afirmou em entrevista à rádio CBN.
Em carta enviada ao STJ em novembro, a família de Marielle rebateu Moro e disse que o ministro “contribuirá muito mais se permanecer afastado das apurações”.
Bolsonaro já afirmou que “seria bom” federalizar o caso, mas observou que a medida daria um “indicativo de que querem me blindar com a Polícia Federal”. O presidente chegou a acusar o governador do Rio, Wilson Witzel, seu adversário político, como responsável pelo vazamento do depoimento do porteiro que o mencionava.
Em parecer sigiloso encaminhado ao STJ, a Advocacia-Geral da União destaca a posição do ministério de Moro, que acompanha de perto as discussões sobre o andamento do caso Marielle, segundo o Estado apurou. “Como bem ressaltado pelo Ministério da Justiça (…), os próprios familiares da ex-vereadora posicionaram-se desfavoravelmente à federalização das investigações e persecução penal, fator que, acreditamos, deve ser considerado e prestigiado pelo STJ”, destaca a AGU.
“Ademais, não se pode perder de vista que eventual deslocamento de competência à revelia da vontade de familiares das vítimas pode sinalizar futuro questionamento da conduta da União, sob eventual alegação (ainda que infundada) de que pode repercutir negativamente sobre as atividades investigativas e punitivas do Estado do RJ, no caso.”
Em dezembro, a ministra Laurita Vaz, do STJ, pediu que a AGU, a Procuradoria do Estado do Rio e parentes de Marielle e Anderson se manifestassem sobre a federalização. A Terceira Seção do STJ deve analisar o caso até abril.
O documento obtido pelo Estado também destaca a posição da PF, que está subordinada a Moro. “Apesar dos problemas apontados, é sabido que a Polícia Civil, o Ministério Público e a Justiça do Rio de Janeiro, aparentemente tem atuado no sentido de identificar e punir os responsáveis intelectualmente pelos citados assassinatos”, alegou a corporação.
A PF deflagrou no ano passado uma operação para apurar tentativa de obstrução das investigações.
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